Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Renato Janine Ribeiro

REALITY SHOWS

"A gincana do horror", copyright O Estado de S. Paulo, 23/09/01

"Faz um mês, estive em Bogotá. Zapeando a TV, vi uma mulher linda, em trajes sumários, falando em gente sem comida, sem moradia, sem nada. Fiquei impressionado: na Colômbia as top models fazem campanha pelos sem-teto e sem-terra? Durou cinco segundos a admiração: era anúncio do reality show colombiano, o No Limite deles.

Nada como sair do Brasil para entendê-lo melhor. Nunca tinha percebido como as condições em que vivem – por dinheiro, por esporte, por 15 dias – os concorrentes desse jogo da Globo são parecidas com aquelas em que vegeta, a vida toda, boa parte da população brasileira e mundial. Pois o que No Limite mostra é a transformação da tragédia em jogo, da miséria em competição, da iniqüidade social em game.

Está para chegar No Limite 3. Será no Pará. Um Estado pobre dá vantagens a uma das redes de TV mais ricas do mundo, de olho no retorno turístico que a região de Salinópolis poderá ter. Mas nem pensemos nesse uso privado do dinheiro público. Fiquemos na conversão em jogo, para a classe média baixa que quer subir na vida, do modo de sobrevivência da quarta parte dos brasileiros. Por que nos diverte o horror?

Os participantes encenam como brincadeira, por duas semanas que na tela durarão dois meses, as dores deste mundo. Agüentam fome, frio, chuva, passam rasteira nos outros, tudo como um jogo. Um jogo sério, é claro, porque termina com prêmio, que permitirá realizar alguns sonhos.

O modelo vem dos Estados Unidos – país em que não há miséria comparável à nossa. Lá as privações dos concorrentes podem passar por curiosas ou exóticas, e ser locadas numa ilha do Pacífico. Mas, quando o jogo é transposto para o Brasil ou a Colômbia, essas privações se convertem num estranho comentário sobre nossos países e sua injustiça social. (Lembremos que os indicadores sociais da Colômbia são melhores que os nossos.) Talvez seja esse um modo – um entre tantos – de suportar a miséria que nos cerca. Afinal, o que é ser de classe média, no Brasil, se não desenvolver técnicas de insensibilidade à injustiça social, à mendicância, à infelicidade alheia? Cito algumas dessas técnicas: a culpa é do governo, não nossa; se damos esmolas, os mendigos as gastam em pinga; os meninos de rua são explorados por adultos safados; finalmente, No Limite mostra que os dramas – reais – da miséria podem virar uma estratégia de ascensão na vida, sendo redimidos com um bom dinheirinho e, se a moça for bonita, com fotos na Playboy.

Quem disse, então, que a TV não fala em miséria? Fala, sim. Mas a seu modo.

Ela vira gincana. Programas mais reles fazem pegadinhas (o mendigo a seu lado não é de verdade, é um ator). Já o show da realidade, que passa depois do show da vida, faz ascensão social. E, assim, fingindo que não é dor a dor que os outros deveras sentem, vamos levando.

Enfim: consegui não falar dos atentados de Nova York. Mas no fundo é a mesma coisa. A TV não tem como ignorar o mundo e seus horrores. Tenta, sempre, convertê-los em espetáculo. Essa não é uma crítica. Espetáculo é o que se dá a ver: um veículo visual, obviamente, torna visível o mundo. Mas a TV oscila entre nos dizer que o horror não é de verdade, é pegadinha ou game, e confessar que ele é sim assustador, que não é só um jogo – e aí ela precisa colar um aviso na imagem, como ?ao vivo?, ou ?ataques à América (sic)?, para acreditarmos no que vemos. Para Confúcio, uma imagem valia mil palavras: mas nós, saciados de imagens, nem sempre confiamos nelas."

 

SEQÜESTROS BANIDOS

"Universal quer proibir notícia de sequestro", copyright Folha de S. Paulo, 24/09/01

"Um dia após a libertação de Patrícia Abravanel, filha do apresentador e empresário Silvio Santos, o deputado federal Bispo Rodrigues (PL-RJ), líder da bancada da Igreja Universal do Reino de Deus e membro da cúpula da TV Record, apresentou projeto de lei na Câmara dos Deputados proibindo o noticiário de sequestros sem autorização da família da vítima.

O projeto, que abrange todo tipo de veículo de comunicação, afetaria principalmente a TV Globo, que tem como política divulgar sequestros em andamento, como ocorreu com Patrícia Abravanel. Jornais como a Folha e TVs como a Record e a Band têm como norma não noticiar sequestros sem autorização da família.

Para Rodrigues, o projeto de lei não fere a liberdade de expressão. ?O direito à vida está acima da liberdade de expressão. Além disso, a imprensa tem limites, não pode, por exemplo, promover o nazismo?, diz. Segundo o deputado, o projeto tem chances de ser aprovado pela Câmara. Procurada pela Folha, a Globo não se manifestou sobre o assunto.

Outros dois projetos que tentam regular a programação das TVs foram apresentados na Câmara recentemente. Um deles, de Severino Cavalcanti (PPB-PE), tipifica como crime a exibição de cena de nudismo ou de relações sexuais. O outro, de Lincoln Portela (PSL-MG), proíbe a veiculação na TV de pessoas consumindo bebida alcóolica."

    
    
                     
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