Edição: Beatriz Singer (com Dennis Barbosa)
ESCOLA JAYSON BLAIR
Jack Kelley, correspondente do USA Today que muitas vezes arriscou a vida em regiões em guerra por todo o mundo, pediu demissão do jornal no dia 6/1/04, após os editores lançarem a hipótese de que algumas de suas reportagens foram fabricadas. Desde junho de 2003, quando uma carta anônima o acusava de falsificar reportagens, Kelley tem sido alvo de investigações. O repórter Mark Memmott, do próprio USA Today, foi designado para tentar analisar o trabalho anterior de Kelley.
A editora Karen Jurgensen confirmou a investigação. "Estamos num ponto em que ainda não corrigimos nada", disse. "É política do jornal investigar abundantemente qualquer suspeita de imprecisão". Karen disse que Kelley "optou por pedir demissão".
Kelley, que em 2002 foi o primeiro finalista de Prêmio Pulitzer da história do USA Today, foi tão aclamado que chegou a fazer cerca de 40 discursos por ano pelo jornal e a apresentar uma propaganda promocional do veículo para anunciantes.
Artigos sob suspeita
Primeiramente, sete reportagens de sua autoria foram selecionadas para a investigação. Dessas, até agora, apenas quatro foram analisadas, de acordo com fontes próximas ao caso. A situação fez com que Kelley ficasse em banho-maria ? desde outubro não tem artigo assinado no jornal. O repórter contratou um advogado e desde dezembro trabalhava de sua própria casa.
Uma das reportagens confirmadas por Memmott relata sua presença nos arredores da pizzaria Sbarro, em Israel, vítima de um homem-bomba em agosto de 2001. Kelley acabava de sair do restaurante quando houve a explosão. Ele estava a alguns metros do local e, segundo reportou à época, fora derrubado. No entanto, afirma Howard Kurtz [The Washington Post, 8/1/04], o jornal está com dificuldades em confirmar uma reportagem escrita em 2000, na qual Kelley diz ter acompanhado nove cubanos "sob a luz da lua crescente" a fim de pegar um bote para fugir para a Flórida. Memmott foi a Cuba para resolver a questão, mas houve pouca colaboração, disseram as fontes.
As dúvidas mais sérias envolvem um artigo de Kelley de 1999, sobre uma ativista de direitos humanos na Iugoslávia que, segundo o repórter, mostrou-lhe um diário no qual um soldado iugoslavo afirmava ter recebido ordens para "limpar etnicamente" uma vila em Kosovo. A mulher que seria a fonte de Kelley disse ao USA Today ter dado muitas entrevistas, mas não se lembra de ter falado com esse repórter específico.
Rumores na redação
Os colegas de Kelley, inclusive os que gostam dele ? e Kelley é descrito comumente como uma pessoa agradável ? se dizem céticos em relação a alguns de seus artigos. Principalmente nas numerosas reportagens em que Kelley era o único jornalista na cena, ou detalhava de maneira tal que era incompatível com a de qualquer concorrente, ou, ainda, quando Kelley usava muitas fontes anônimas.
Kelley esteve em 86 países e entrevistou líderes como Fidel Castro, Yasser Arafat, Dalai Lama e Mikhail Gorbatchev.