Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Repórteres não puderam avisar seus editores

BUSH NO IRAQUE

Na tarde de 27/11, Mike Allen, correspondente da Casa Branca ao Washington Post, falava ao celular ao lado de fora de uma escola no Texas, próxima ao rancho de George W. Bush, quando um assessor do presidente o encaminhou a uma picape alugada.

Em uma cena que poderia tranqüilamente sair das telas de cinema, Allen foi conduzido a um estacionamento e foi informado de que “alguém gostaria de conversar” com ele. Era Dan Barlett, diretor de comunicação de Bush, que trazia a mensagem de que o presidente estava de partida a Bagdá.

Segundo reportagem de Jacques Steinberg e Jim Rutenberg [The New York Times, 28/11/03], cerca de quatro horas após receber a mensagem, Allen e diversos outros jornalistas foram acomodados a bordo do Air Force One, o avião presidencial americano, rumo a Washington. Na manhã do dia seguinte, os jornalistas, entre os quais repórteres da Associated Press, Bloomberg News e Reuters, além de uma equipe de filmagem da Fox News e fotógrafos de vários veículos, aterrissavam em solo iraquiano junto com o presidente, a fim de comemorar o Dia de Ação de Graças (“Thanksgiving Day”, data importante no calendário americano) com as tropas do Exército que lá se encontram.

Editores não gostaram

O resto do mundo ? inclusive chefes e familiares dos jornalistas ? não puderam saber da missão até que o grupo já estivesse a caminho de casa. Os assessores de Bush disseram que tanto segredo tinha como fim zelar pela segurança do presidente. Muitos editores, diretores e produtores de mídia que cobrem o governo Bush acharam que a estratégia poderia levar a desordens e desentendimentos entre repórter e editor.

Alguns canais chegaram a noticiar que o presidente passaria o Dia de Ação de Graças no rancho no Texas.

Allen contou que lhe pediram para remover a bateria do celular para evitar rastreamentos. Mike Abramowitz, editor nacional do Washington Post, disse que não soube que Allen havia ido ao Iraque até o momento em que o repórter contatou o setor internacional do jornal, ainda do Air Force One, já retornando aos EUA. O editor disse não ter apreciado a atitude da Casa Branca, que dificultou a vida dos jornalistas que tiveram de viajar sem prestar contas a seus editores.

 

CULPA DA MÍDIA

O sargento Danny Martin, porta-voz do Exército americano em Bagdá, disse a Seth Porges [Editor & Publisher, 26/11/03] que culpa a Associated Press por espalhar uma reportagem sensacionalista e contestada na semana passada sobre dois soldados americanos cujas gargantas foram cortadas e cujos corpos foram mutilados por um grupo enfurecido no Iraque.

A reportagem da AP foi rapidamente disseminada, aparecendo em jornais por todos os EUA no dia 24/11, antes de o Exército intervir para contestar a informação ? o que ocorreu mais tarde, no mesmo dia. “Pessoalmente, culpo a AP como membro da coalizão e como cidadão americano”, disse Martin. “A AP é um canal de mídia americano. Tem o direito de livre discurso e imprensa. Publicam o que bem querem. Acho irresponsável que em seu jornalismo, em vez de mostrar alguma paciência e esperar pelos informes militares, simplesmente confiem em testemunhas oculares que são claramente exageradas ou falsas”.

O Exército tem refutado a história, dizendo que os soldados foram mortos quando o veículo em que estavam pegou fogo, e negando veementemente que foram degolados e mutilados a pedradas.

A notícia original, assinada por Mariam Fam, foi introduzida com a seguinte frase: “Agressores cortam a garganta de dois soldados americanos que esperavam no trânsito…” A reportagem dizia que o Exército americano não tinha informações sobre o incidente, mas que os dois soldados “podiam ser vistos jazendo na rua próximo a seu veículo… com a garganta cortada”.

Jornais como New York Daily News, USA Today, The Wall Street Journal, The New York Times, The Los Angeles Times e The Washington Post ? os dois últimos foram mais cuidadosos, grifando que o Exército ainda não havia confirmado a causa das mortes ? deram a notícia no dia 24/11. Diversas testemunhas oculares de credibilidade desconhecida disseram ter visto os corpos mutilados.

Mal as vítimas das explosões de bomba na Turquia foram enterradas, Celalettin Cerrah, funcionário sênior da Segurança turca, tentou aplacar as críticas à falha da inteligência culpando a mídia por seu papel no massacre.

No funeral em que estava presente Tayyip Erdogan, primeiro-ministro da Turquia, o chefe de polícia de Istambul condenou a imprensa local por revelar detalhes dos dois homens-bomba que alvejaram sinagogas em uma onda de ataques anterior. A indiscrição, segundo o Cerrah, assustou outros membros da rede terrorista, levando-os à segunda onda de ataques cinco dias depois, contra o banco britânico HSBC e o consulado britânico em Istambul.

“Os perpetradores [da segunda onda de ataques] escaparam de nossas mãos em questão de uma hora porque a mídia revelou a identidade dos [primeiros] terroristas”, disse Cerrah. “Por causa da liberdade de imprensa, 27 pessoas morreram”. “Por Deus, como vamos combater o terrorismo nessa situação quando [a mídia] se mostra tão irresponsável?”, disse o chefe ao popular jornal Sabah.

De acordo com Helena Smith [The Guardian, 24/11], em meio a discussões sobre a mídia, a democracia turca exibiu fragilidade. Comentaristas disseram estar preocupados que com a nova batalha contra o terror, os interesses da segurança nacional abafarão liberdades civis.