CAMPANHA CORRALITO
Berto Oliveira (*)
Culturalmente despolitizado, fruto da sua longa convivência com regimes de exceção, o eleitor brasileiro tende a personalizar o seu voto em vez de contextualizá-lo.
Mesmo agora, quando respirarmos ares mais democráticos, a insistência por calendário eleitoral mal-elaborado, que centraliza as votações para os cargos majoritários e proporcionais num mesmo dia, continua a reforçar este comportamento.
Como a mídia brasileira não é composta de extraterrestres que só aparecem no país nos períodos eleitorais, é natural que vá pela mesma trilha e invariavelmente se incline a concentrar o foco das suas atenções mais nas eleições para os governos, principalmente a Presidência da República, do que nas disputas legislativas.
Assim, não causou surpresa o fato de ter havido um primeiro turno de campanha eleitoral recheado de debates e entrevistas ao vivo pela TV com a presença dos quatro candidatos presidenciais mais importantes.
Ainda que esta unânime assiduidade tenha sido um fortuito encontro das conveniências estratégicas de cada candidatura, talvez devamos esperançosamente encará-la como um salutar indício da evolução comportamental da espécie.
Os programas de debates, entretanto, não conseguiram fugir da hermética e modorrenta fórmula dos blocos “corralitos”, com perguntas, respostas, réplicas e tréplicas de questões temáticas pré-selecionadas e pré-direcionadas.
As regras draconianas, maquiavelicamente firmadas pelas assessorias dos candidatos com o nítido propósito de dissimular suas fragilidades tornaram-se obstáculos intransponíveis para qualquer tentativa dialética mais elaborada entre os debatedores. Nas raríssimas vezes em que isto poderia ter acontecido houve uma descambada para o caminho escorregadio das ironias ou para o campo árido onde somente as hostilidades pessoais vicejam. Prova cabal de que os cultivos da dissimulação e da desafeição ainda são os passatempos prediletos de muitos políticos.
Fantasma do passado?
O que ficou do debate final do primeiro turno promovido pela TV Globo depois da novela Esperança foi uma grande frustração. Embora tenha escapado ao clima de lavanderia criado nos encontros na TV Record e TV Bandeirantes, a atração global também não conseguiu escapar dos clichês impostos pela mordaça das regras.
Seria natural achar que num palco mais iluminado os candidatos fossem estimulados a interpretar seus personagens com mais talento e vigor. Mas ficou-nos a impressão de que cada um deles havia decidido apenas repetir o seu texto decorado e ensaiado, sem a mínima vontade de improvisar algo mais que pudesse comprometer sua atuação e por tabela sua posição na lista da preferência popular.
À exceção das tímidas e inócuas investidas de Anthony Garotinho, que em duas e únicas oportunidades tentou impor fúteis constrangimentos a José Serra e Lula, nada mais restou. A não ser as horas de sono perdidas.
Curiosamente, quem mais brilhou foi o mediador William Bonner. Afinal, ele foi o único que não se omitiu e até passou um sutil pito nos candidatos por causa das conversas paralelas. E se não fosse o voto eletrônico, teria ele recebido muitos.
Foi um debate tão enfadonho que no dia seguinte os editores do Jornal Nacional decidiram esquecê-lo e mostrar apenas os melhores momentos dos bastidores. Ou terá sido algum fantasma do passado que voltou para atormentar?
(*) Pedagogo, Rio de Janeiro