VIDEOJORNALISMO
Antônio Brasil (*)
Caríssimo professor Angelo. Li com atenção sua crítica ao videojornalismo. Infelizmente, é impossível concordar com seus argumentos contra essa "ameaça" ao bom jornalismo. Ainda existe muito preconceito e desconhecimento sobre essa nova técnica de produção televisiva. Creio que confundimos alhos com bugalhos. Caímos na velha armadilha ao considerar uma idéia ainda tão nova, diversa e rica como simples redução de custos e comprometimento de velhos e duvidosos padrões de qualidade. Associamos automaticamente quantidade com "irreflexão" (sic).
Será mesmo? Aqui no Brasil muita gente joga futebol. Alguns são craques, e nós somos, mais uma vez, campeões do mundo. Nesse caso, a quantidade não parece ter necessariamente comprometido a qualidade. Muito pelo contrário! E no jornalismo? No passado, já tivemos muito mais jornais do que temos hoje, e todos concordamos em que tínhamos um jornalismo muito melhor. Logo…
Videojornalismo, assim como qualquer outra técnica de produção televisiva, pode tanto ser bom como pode ser ruim. O profissional com uma boa idéia na cabeça é que faz a diferença. Tanto faz se ele é repórter solitário num jornal ou se trabalha solitariamente para a Globo. A tecnologia de hoje permite a convergência. Não sei como todos os jornalistas trabalham, mas não tenho a menor dificuldade de operar uma câmera, pensar, fazer uma pergunta e ouvir uma resposta. Também, pudera. Assim como muitos jovens de uma nova era, leio e seleciono textos na internet, envio e-mails, ouço rádio, atendo o telefone, tudo junto, sem a menor dificuldade. É claro que tem pianista que só consegue tocar com uma das mãos. Com as duas, e cada uma de forma diferente, para alguns é quase impossível. Mas concordo que convergência deveria ser somente uma opção ou um direito.
Em relação à falta de qualidade, sugiro uma investigação mais detalhada sobre algumas produções recentes em videojornalismo tanto no Brasil como no exterior. Michael Rosenblum, um dos precursores dessa técnica nos Estados Unidos, coleciona alguns dos prêmios mais importantes da crítica e da mídia americana para seus documentários videojornalísticos. Nem todo videojornalista é um "cinegrafista ou jornalista amador". Aqui no Brasil, outro videojornalista, Luís Nachbin, tem produzido alguns dos melhores momentos de programas como Esporte Espetacular ou Globo Repórter, com suas viagens "solitárias" pela ferrovia transiberiana ou pelas fascinantes estradas da Índia. Essas pautas simplesmente continuariam ignoradas por nossas editorias de TV, todas enfrentando "sérios problemas orçamentários", se não fossem sugeridas por videojornalistas.
Sou cinegrafista e antropólogo há muitos anos. As imagens e o conteúdo desses trabalhos merecem ser vistos sem preconceito, como trabalhos autorais, muitos deles com muita pesquisa e produção. Essas vídeo-reportagens dispensam a presença de equipes de TV, pois a proposta é totalmente diversa. Trata-se de uma visão pessoal que desenvolve linguagens experimentais para a TV. O videojornalismo "solitário" do Nachbin, por exemplo, não dispensa uma edição em companhia de um editor de imagens. É uma questão de opção. Ainda segundo Nachbin, esse profissional contribui com seu distanciamento das gravações para a condução de uma narrativa mais próxima das expectativas do telespectador. Ou seja, existem diversos tipos de videojornalismo. Para criticá-lo é necessário, pelo menos, conhecer sua diversidade.
Também ousaria aconselhar uma visão cuidadosa e isenta dos trabalhos de vídeo-reportagens autorais de Aldo Quiroga, da TV Cultura. Ele tem sido responsável por algumas das pautas mais criativas e por um estilo experimental de narração das imagens que foge totalmente aos rígidos padrões estabelecidos pelo jornalismo de TV. Quiroga narra os acontecimentos que testemunha com grade competência e eficiência, no calor do momento, com grande sensibilidade. Ele é um videojornalista, e não mais um "robozinho" teleguiado pelas regras desse nosso "excelente" jornalismo de TV. Ele, ao contrário dos padrões únicos, contribui significativamente para a melhoria e a diversidade de nossos telejornais. Sinto muito, não consigo acreditar que grandes equipes de TV sejam sinônimo de qualidade.
Corações e mentes mais abertos
Duas cabeças pensam "sempre" melhor do que uma? Nem sempre. Quero ter o direito, de vez em quando, de pensar sozinho. Na Inglaterra, durante os anos 70 e 80, séries de documentários antropológicos de altíssima qualidade, como The Disappearing World, da Granada TV, tiveram que ser canceladas pela intransigência de alguns sindicatos ingleses. Participei de algumas dessas produções naquela época, e todas tinham que contar com equipes mínimas de 10 profissionais. Repito, 10 profissionais, sempre! Todos tinham funções específicas estabelecidas pelos sindicatos. Era totalmente impossível explicar que eles simplesmente não caberiam numa maloca indígena ou que quebrariam a relação intimista tão necessária para o bom trabalho de um antropólogo visual. Alguns deles tinham sido treinados para trabalhar com grande competência sozinhos por opção metodológica. Ou se produziam reportagens e documentários com a equipe completa ou nada se produzia. A série foi injustamente cancelada.
A produção em larga escala de videojornalismo em nossas TVs abertas, por assinatura ou mesmo pela internet, não ameaça a qualidade da nossa produção jornalística. O que ameaça nosso presente e principalmente nosso futuro é o comodismo, a estagnação, a falta de criatividade e a preocupação excessiva e exclusiva com empregos, quaisquer empregos. Deveríamos nos preocupar mais com o resultado de um trabalho bem ou mal feito. Deveríamos contribuir para o debate com proposta de alternativas. Deveríamos dar uma chance para que essas alternativas cresçam e amadureçam, em vez de associá-las obrigatoriamente à possível perda de empregos. Continuo acreditando que um cinegrafista tanto pode se tornar um bom videojornalista como deve ter o direito de continuar sendo um "bom" cinegrafista. Ele não deveria ser somente o "motorista" ou o "ascensorista" que eleva as carreiras e as matérias dos repórteres ou editores de TV. Infelizmente, boa parte de nossos cinegrafistas nem sequer é considerada, tratada ou remunerada como "jornalista".
Concordo em que precisamos de corações e mentes de qualidade, mas creio que elas também deveriam ser mais "abertas" às novas propostas. Ao generalizar e condenar o videojornalismo como sinônimo de falta de qualidade e de estar somente a serviço dos interesses do patrão podemos estar eliminando uma das melhores alternativas ao pessimismo.
(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de TV, professor de Telejornalismo e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ
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