ARMAZÉM LITERÁRIO
Autores, idéias e tudo o que cabe num livro
CIPRIANO BARATA
Cipriano Barata na sentinela da liberdade, de Marco Morel, edição da Academia de Letras e Assembléia Legislativa da Bahia, Salvador, 2000
Antes de tornar-se historiador, Marco Morel cursou Jornalismo e, na esteira de suas leituras, fascinou-se pela verve e pela combatividade de Cipriano Barata (1762-1838), o mais radical dos jornalistas brasileiros do período da Independência. Dedicou a ele sua dissertação de mestrado, defendida em 1990, quando pela primeira vez sistematizou suas pesquisas sobre o personagem ? agora aprofundadas para o lançamento de Cipriano Barata na sentinela da liberdade. O título de seu livro faz menção ao periódico Sentinela da Liberdade, editado por Barata mesmo durante as temporadas que passou na prisão.
Marco Morel é professor de História da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Graduou-se em Jornalismo pela ECO/UFRJ, onde defendeu seu mestrado, e tem doutorado em História pela Universidade de Paris I ? Sorbonne. Na entrevista a seguir, Morel responde a perguntas de Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, a respeito do livro que acaba de lançar.
Neto de jornalista (Edmar Morel, um grande repórter), filho de jornalista em plena atividade (Mário Morel), antes de escolher a profissão de historiador você pensava que seguiria a mesma carreira. Agora você sai com uma primorosa biografia do jornalista e revolucionário Cipriano Barata. Foi o jornalista ou o historiador que escreveu o livro?
Marco Morel ? Foi o historiador. Tenho orgulho do meu avô Edmar que, como grande repórter, escreveu livros clássicos e ainda hoje inovadores na historiografia, como A Revolta da Chibata. Da mesma forma meu pai publicou o primoroso e pioneiro livro-reportagem Lula, o Metalúrgico. Mas o livro sobre Cipriano Barata, meu predileto, é de historiador: pelo tipo de pesquisa e tratamento documental, pela forma como busco analisar, explicar e situar as passagens ? embora eu fuja do hermetismo, das frases vazias e enroladas e dos jargões acad&ececirc;micos. O trabalho básico do historiador pode ser importante quando consegue fornecer materiais e interpretações que podem ser usados e desenvolvidos por artistas, jornalistas, juristas etc.
Como vê o cruzamento entre historiografia, biografia e jornalismo?
M.M. ? É um grande desafio e acho que ninguém tem monopólio sobre a biografia. Não existe fórmula mágica. Recentemente fiz uma tentativa neste sentido num pequeno livro sobre outro fascinante jornalista e rebelde do século 19 (Frei Caneca – entre Marília e a pátria, Editora
FGV). Tentei aliar no texto três elementos: uma narrativa de ritmo e imagens literárias; momentos de concisão e objetividade jornalística; e pesquisa e análise históricas mais sistemáticas. Não sei se consegui ou se cobri um santo para descobrir outro…
Nossos historiadores, fascinados pelo academicismo, produzem uma literatura indigesta e freqüentemente pobre. Historiador não deveria pensar no leitor?
M.M. ? De modo geral concordo com a crítica contida na pergunta, embora seja uma característica que aparece no meio universitário, não apenas entre historiadores. Existe elitismo em historiadores acadêmicos, às vezes por opção, às vezes por falta de visão ou mesmo incapacidade de escrever em diferentes estilos. Há historiadores que optam por uma escrita mais fluente e de qualidade literária, e outros valorizam a divulgação para públicos mais amplos. Às vezes é necessário fazer trabalhos mais densos e aprofundados e aí a divulgação pode se dar em
outro momento.
E o jornalista não deveria encarar-se como historiador ou, pelo menos, como o amigo do historiador?
M.M. ? Sem dúvida que podem e devem ser amigos. Eu mesmo já ganhei meu pão como jornalista e como historiador e não pretendo brigar comigo mesmo. Verdade que os jornalistas saíram na frente, no Brasil, na produção de biografias, que é um importante filão no mercado editorial. Mas na França é o contrário, são os historiadores que produzem concorridas biografias. E é preciso admitir que há jornalistas que, mesmo com texto palatável, escrevem muitas "abobrinhas", são limitados nas interpretações e nem sempre distinguem o que é importante. Mas jornalistas e historiadores têm muito o que aprender um com outro, é bobagem alimentar esse tipo de antagonismo. A posição do Ruy Castro sobre o assunto me parece equivocada e mesquinha. Na medida em que ocorrer uma integração de qualidade entre as atividades do jornalista e do historiador todos têm a ganhar, sobretudo o leitor.
Qual a mensagem que você tiraria da vida e obra de Cipiriano Barata para o jornalista brasileiro em 2001?
M.M. ? Falar frases politicamente corretas é fácil. Cipriano Barata era bem humorado, mas sua ironia podia tornar-se cortante e mordaz. Ao mesmo tempo lúcido, apaixonado e preciso: quando indignado, tornava-se vulcânico, indomável e sabia acertar o alvo. Tinha habilidade para fazer alianças e sobreviver, desde que sem se vender ou dobrar-se. Era um erudito que escrevia para a plebe. Certa vez afirmou que não fazia jornal para ser capataz nem capitão-do-mato. Cipriano tinha consciência de que o veículo ? no seu caso impresso ? possuía forte poder de intervenção na sociedade e desenvolveu linguagem própria para isso. O estilo dos panfletários, quando bem redigido, é algo brilhante e criativo. Vale a pena ler alguns textos de Cipriano Barata hoje.
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