CRISE NO NEW YORK TIMES
Eram 10h31 da manhã do dia 5/6 quando funcionários do New York Times receberam e-mail anunciando reunião no principal setor da redação ? o mesmo lugar em que o jornal comemorara, apenas 14 meses antes, o recorde de sete prêmios Pulitzer num mesmo ano. Em frente à “platéia” estavam Howell Raines, Gerald Boyd e suas respectivas mulheres. O publisher, Arthur Sulzberger Jr., e seu pai, Arthur Ochs Sulzberger, o publisher anterior, assistiam.
Raines começou a falar ao microfone, que a princípio não funcionou. “Liga isso!”, gritaram alguns repórteres. “Essa é a última vez que estarei aqui em frente a vocês”, disse, enfim, o editor-executivo.
Alguns, segundo artigo de Sridhar Pappu [The New York Observer, 6/6/03], achavam que a amizade de Raines e Arthur Sulzberger Jr. permitiria ao editor-executivo terminar o mandato mostrando seu imenso talento como editor que cria oportunidades para compensar perdas ? como o próprio Raines fizera durante os ataques de 11 de setembro. De fato, Raines, assim com Gerald Boyd, não parecia disposto a abrir mão do cargo nas 24 horas anteriores à renúncia. Foi uma surpresa para todos.
Em pouco tempo, os funcionários da “velha senhora grisalha” captaram a idéia: estavam diante de um acontecimento inédito na história do Times. Acontecimento que fará um dia parte de um passado triste, do tipo que o Times costuma noticiar em suas páginas quando acontece com outrem ? sem jamais imaginar tamanho abalo para si mesmo.
Depois de Raines, foi a vez de Boyd falar. Ele estava notavelmente mais abalado. “Ele ficava remexendo em seu discurso”, disse um funcionário presente. “Parecia que alguém lhe havia dado um soco no estômago”. Boyd agradeceu o ótimo trabalho do jornal e abraçou a mulher.
Então foi a vez de Sulzberger Jr. falar. Pálido, elogiou a brilhante carreira de Raines. De acordo com Jacques Steinberg [The New York Times, 5/6/03], pediu aos funcionários que aplaudissem os dois editores “por colocarem o interesse do jornal que todos nós amamos acima de si próprios”. É provável que muita gente tenha aplaudido contrariada. Mas nem só de críticas vivia o editor-executivo, que ficou conhecido por exercer seu poder pelo medo e de adotar favoritismos. Arthur Gelb, por exemplo, é ex-editor-administrativo do Times e admira Raines como profissional. “Creio que Howell Raines é um dos melhores editores com que já trabalhei. Conheço-o desde quando trabalhava em sucursais. Ele era um redator e um editor de primeira classe”, disse.
Fontes internas garantem que Arthur Ochs Sulzberger pressionou o filho para que demitisse os dois editores, o que foi prontamente negado pelo jornal. “Há tanto a dizer”, prosseguiu Sulzberger, “mas em resumo é apenas isto: este é um dia que parte meu coração, e creio que parte o coração de um monte de pessoas nesta sala”. Em memorando interno [veja a íntegra a seguir], afirmou: “Agora, nossa tarefa é voltar a fazer aquilo pelo que estamos aqui ? publicar esse ótimo jornal. Nossos leitores merecem”.
O escândalo de Blair, segundo Sara Kugler [AP, 5/6/03], não foi mencionado em nenhum momento. Um funcionário contou que Raines teve um momento comovente. “Ele disse haver encontrado o amor de sua vida. Depois afirmou esperar ?que todos vocês vivam vidas a que amem, com os amores de suas vidas”. Mas ninguém entendeu se Raines se referia ao jornal ou à nova mulher.
O encontro durou 10 minutos. Um período breve e amargo na história do centenário Times.
Arthur Sulzberger Jr.
Enviado em 5/6 à equipe do New York Times
À equipe:
Como podem ver no press release em anexo, esta manhã eu aceitei o pedido de demissão de Howell Raines, nosso editor-executivo, e Gerald Boyd, nosso editor-administrativo. Tanto Howell quanto Gerald contribuíram enorme e historicamente para o Times durante suas longas e distintas carreiras. Dados os eventos dos últimos meses, no entanto, Howell e Gerald concluíram que seria melhor para o Times deixar o jornal. Com grande tristeza, concordei com a decisão.
Joe Lelyveld retornará como editor-executivo interino até que a escolha de novos editores, executivo e administrativo, seja feita. Como muitos de vocês conhecem Joe, sabem por que podemos confiar em que nesse ínterim a responsabilidade imediata pela qualidade de nosso jornalismo estará em boas mãos.
Porquanto o processo de seleção de um novo editor-executivo pode demorar, faremos bom uso desse tempo. O trabalho do comitê de Siegal da redação e outros grupos continuará com o objetivo de prover recomendações para fortalecer nossos sistemas de administração da redação e enrijecer algumas de nossas práticas jornalísticas. Permanecerei extremamente ativo em assegurar que o momentum desses esforços continue.
Esse tem sido um período difícil e doloroso para todos nós. Nossa função agora é voltar a fazer o que nos é devido ? publicar esse grande jornal. Nossos leitores merecem.
Enquanto nos concentramos em nossa arte, posso garantir a vocês que estaremos da mesma forma voltados ao objetivo de criar um ambiente de trabalho comparável à qualidade de nosso jornalismo e à estima com a qual nosso nome, The New York Times, é sustentado. Nós merecemos.
Sei que posso contar com sua compreensão para atingir esses importantes objetivos.
Arthur
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