Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ricardo Besen

ASPAS

"Coleção reedita o ?Correio Braziliense?, o primeiro jornal brasileiro", copyright iG Ler <www.ig.com.br/home/igler/>, 19/6/01

"Será lançada nesta terça-feira, 19 de junho, em Brasília, a coleção fac-similiar do ?Correio Braziliense? ou ?Armazem Literário? – o primeiro jornal brasileiro, editado em Londres por Hipólito José da Costa -, que circulou no Brasil e em Portugal entre 1808 e 1822.

A solenidade de lançamento ocorrerá às 11 horas, no Museu da Imprensa Nacional. Na ocasião, estarão à disposição do público os volumes 1 e 2, que trazem textos de apresentação da coleção e a reprodução integral do jornal, referente aos dois primeiros anos de vida da publicação; e o volume 31, com índice remissivo (onomástico e temático).

A coleção completa terá 31 volumes – 29 com os textos originais do jornal; o de índice e outro com textos e comentários de pesquisadores.

O programa de reimpressão do ?Correio?, que é fruto de parceria do jornal herdeiro do nome, o ?Correio Braziliense? de Brasília e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp), prevê a publicação de um volume por mês, até janeiro de 2003. O volume 30 trará textos complementares sobre a importância da publicação, além de ilustrações e bibliografia.

O ?Correio Braziliense? era publicado mensalmente e trazia um jornalismo analítico e interpretativo. Em suas páginas discutia-se de tudo, desde o tráfico de escravos, passando pela Arte, a problemas da independência do Brasil e das colônias na América. Hoje se conhece, no máximo, 10 coleções completas do ?Correio?.

A tiragem de cada volume da coleção será de 3.500 exemplares, que serão destinados a universidades, escolas de jornalismo, bibliotecas públicas e centros de estudo; 800 exemplares serão vendidos sob a forma de assinatura (R$ 600,00 à vista; ou 3 x R$ 206,00; 6 x R$ 106,00; ou ainda 12 x R$ 56,00) ou avulsos. O exemplar avulso custa R$ 20,00. Mais informações na livraria virtual da Imprensa Oficial de São Paulo <www.imprensaoficial.com.br> ou ainda pelo telefone (0XX11) 0800.123401."

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"Entrevista com Alberto Dines, responsável pela coordenação editorial da coleção fac-similar do Correio Braziliense", copyright iG Ler <www.ig.com.br/home/igler/>, 19/6/01

"iG Ler – Quem foi Hipólito da Costa? Quais eram suas idéias políticas?

Dines – Hipólito da Costa era um homem integrado na administração da Coroa Portuguesa. É importante observar que a elite brasileira tinha que se desenvolver em Portugal, pois aqui não havia cursos superiores.

Hipólito tinha ambições, era um homem do establishment, ainda que, como muitos na época, estivesse completamente integrado no ideário da franco-maçonaria. Quem o seduziu para a maçonaria foi ninguém menos Benjamin Franklin, a quem Hipólito conheceu durante viagem aos EUA.

Franklin passou a ser uma espécie de alter ego de Hipólito, pois embora não tivesse formação acadêmica, era alguém muito bem preparado, publicista – teve um jornal -, tipógrafo, inventor do pára-raios. O próprio Hipólito inventou uma máquina para bombear água de navios.

Há semelhanças muito grandes entre os dois, toda a formação iluminista, o amor à virtude, a idéia de melhorar o homem através da cultura, tudo isso faz uma espécie de ponte entre os dois.

Hipólito era um liberal no sentido clássico: era contra a escravidão, as ditaduras, a Inquisição, contra a força da Igreja, a censura. Era um ideário iluminista bastante avançado.

Hipólito não pregou, quando do início da publicação do Correio Braziliense, a independência do Brasil. Ele foi chegando paulatinamente à conclusão de que a independência era um processo inevitável. No início, era a favor do Reino Unido de Brasil e Portugal. Hipólito nunca propôs uma revolução, uma ruptura.

iG Ler – Qual era a formação de Hipólito? Por que foi preso pela Inquisição?

Dines – Ele estudou em Coimbra (Portugal) e era bacharel e doutor em Direito e Filosofia. Formou-se em 1798. Em 1801, em missão do governo português, foi a Londres para comprar equipamentos e aproveitou para reforçar seus contatos com a maçonaria.

Quando voltou a Portugal, em 1802, foi preso, justamente por causa da ligação com a maçonaria. A Inquisição estava inteiramente enfraquecida, mas ainda existia. Ela não matava mais, não fazia mais autos-de-fé, mas prendia.

No entanto, a máquina da franco-maçonaria estava muito azeitada e organizou a fuga de Hipólito. Na verdade, deixaram ele sair da prisão.

iG Ler – Existem detalhes da fuga de Hipólito da prisão da Inquisição?

Dines – Praticamente deixaram a chave para ele. O mais importante é que ele levou seu processo. Tanto que passei anos procurando o processo e não estava lá. E a Inquisição, se tinha algum mérito, era ser extremamente organizada, burocratizada. Em artigo no volume 30 da coleção conto mais sobre isso.

Tudo indica que Hipólito realmente foi ajudado pela franco-maçonaria e quem o teria ajudado foi o Duque de Sussex, irmão do Rei da Inglaterra. O duque estava em Lisboa na época, em uma espécie de semi-exílio, punido por um romance.

Em Portugal ele ajudou a organizar a maçonaria e também ajudou Hipólito a escapar da prisão. Posteriormente, em Londres, o duque foi o mecenas, o padrinho de Hipólito. Foi o homem que o sustentou e permitiu todo o seu trabalho.

iG Ler – Quer dizer que o Correio Braziliense foi financiado pelo duque?

Dines – Não há comprovação, não há papéis que mostrem quanto dinheiro Hipólito recebeu, mas temos papéis que mostram quanto custava fazer o jornal e Hipólito, evidentemente, não tinha dinheiro para tal. A maçonaria certamente o ajudou. No caso, a maçonaria inglesa, ligada ao establishment. A Inglaterra era então o centro do mundo e a Coroa Inglesa tinha seus interesses no negócio.

Além disso, Hipólito era antibonapartista, por várias razões, como o patriotismo, já que Napoleão havia invadido a península ibérica. Havia, portanto, toda uma conjugação de forças.

Hipólito deve ser visto à luz política do momento, ou seja, o conflito com Napoleão, mas também à luz da História das Idéias: ele é fruto do Iluminismo e do início do Romantismo, este último visto não somente como uma escola literária, mas como uma visão de mundo.

iG Ler – Quem tinha o mesmo pensamento político que Hipólito no Brasil?

Dines – José Bonifácio. Eles eram parecidíssimos. Bonifácio também era maçon e liberal. No volume 30 da coleção haverá um artigo elencando os outros personagens importantes da época.

iG Ler – Bonifácio tinha alguma relação com o Correio Braziliense?

Dines – Não. O jornal era uma iniciativa pessoal de Hipólito, o qual achava ? muito corretamente ? que o processo político teria que começar como um processo civilizador-cultural. O país estava mergulhado em 300 anos de trevas, com censura aos livros e aos impressos.

Hipólito achava que devia começar o processo de Emancipação brasileira por intermédio da cultura, o que para nós, jornalistas, é um dado importante: é o jornalismo como fator de desenvolvimento, a serviço do engrandecimento de uma sociedade, da melhoria do Homem. Isso fica claro já na introdução, que é uma obra-prima, do primeiro número do jornal, que publicamos no volume I da coleção.

iG Ler – O que Hipólito diria do jornalismo brasileiro atual?

Dines – Pois é… (risos). Não sei o quê, mas eu vou publicar no site do Observatório da Imprensa o texto de uma conferência que proferi recentemente em Oxford, sobre a percepção de Hipólito ? e da época ?, do jornalismo como um fator de desenvolvimento, em que falo não somente sobre ele, mas também sobre aqueles que o seguiam, pessoas altamente qualificadas, todos envolvidos no processo cultural. Ninguém estava querendo vender jornal, esse fenômeno não existia.

iG Ler – Hipólito não pensava em vender o jornal, porque este já estava pago pelo duque…

Dines – Não estava pago, tanto que Hipólito teve dificuldades. Ele chegou a negociar com a Coroa Portuguesa a compra de 500 assinaturas (tema que também será tratado no volume 30). Ele não se intimidou em assumir essa negociação, que acabou não se materializando.

Aliás, o volume 30 será a chave de ouro do projeto, com textos, entre outros, do historiador português José Tengarrinha, de Isabel Lustosa, de Maria Nizza da Silva, possivelmente de Kenneth Maxwell. Terá a bibliografia mais completa de Hipólito e do período. E a partir do volume 3 há a intenção de acrescentar notas explicativas ao texto original.

Os interessados no tema podem também assistir ao programa ?Observatório da Imprensa? na TV (Educativa e Cultura), na terça-feira, dia 19 de junho, às 22h30, e acessar a edição de 20 de junho do site <www.teste.observatoriodaimprensa.com.br>, ambos dedicados a Hipólito."

"Hipólito da Costa em dose dupla", copyright iG Ler <www.ig.com.br/home/igler/>, 19/6/01

"Num país onde a publicação de textos fundamentais de história costuma ter intervalo de décadas – e às vezes séculos – não deixa de ser extraordinário que, num mesmo dia, cheguem às livrarias dois trabalhos com a obra de Hipólito da Costa (1774-1823), o primeiro jornalista brasileiro. Primeiro e fundamental.

Inaugurou quase tudo de bom que o jornalismo pode ter: independência de posições, ótima narrativa, precisão ao descrever, boas fontes de informação, raras distorções.

Tudo isso fazendo inteiramente sozinho um jornal mensal com uma média de cerca de 100 páginas, que informava sobre política nacional e internacional, economia, ciências e artes.

E fazendo tal jornal em Londres, para ser distribuído em Portugal e no Brasil, num tempo em que as fontes mais velozes de informação e entrega dos exemplares eram os navios a vela.

A epopéia não se resume a estas condições, nem à aventura de um homem do século XVIII que já havia corrido meio mundo, visitado sertões e metrópoles, cárceres e palácios.

O que realmente vale em Hipólito da Costa é a rara combinação de um posicionamento claro – era um liberal, quando isto queria dizer a mesma coisa que ser um revolucionário – com a precisão das descrições.

Em poucas palavras, Hipólito da Costa produziu aquela que é, provavelmente, a melhor narrativa do nascimento de um país chamado Brasil. O Correio Braziliense foi publicado entre junho de 1808, logo depois da chegada de d. João VI ao Brasil, e dezembro de 1822, no momento da independência.

Tudo de importante deste período fundamental está no jornal, dos documentos oficiais às informações de bastidores – seja no Brasil, Portugal ou na Inglaterra.

Os dois trabalhos abordam esta monumental obra por vias completamente diferentes. A publicação fac-similar do Correio Braziliense (Imesp) aposta na abrangência. Os três volumes lançados inicialmente (de um total previsto de 31) são o primeiro passo para a publicação da coleção completa do jornal – sua primeira republicação, pois jamais alguém tentou a empreitada em dois séculos.

Tem as vantagens da extensão e da fidelidade ao original, servindo como fonte segura para estudiosos do período. Um dos volumes (o de número 31) é um índice organizado em 1977 por José Honório Rodrigues; combinado com aqueles organizados pelo próprio autor, ajuda a trafegar no imenso mar de informações reunido por Hipólito da Costa.

Seus problemas, para o leitor contemporâneo, estão ligados a suas qualidades. É preciso enfrentar a ortografia e a pontuação de duzentos anos atrás, além da diferença de familiaridade dos atores – pois pessoas conhecidas neste tempo, tratadas com relativa intimidade, são desconhecidas hoje – sem quase nenhum ponto de apoio: não existem notas informativas de nenhuma espécie.

Já o livro Hipólito José da Costa, com organização e introdução de Sérgio Goes de Paula (Editora 34), traz os textos do jornalista produzidos em um momento específico: o período crucial que vai da revolução do Porto, de 1820, à proclamação da independência. E dentro do momento, com um único tema: a reportagem do nascimento de um novo país, deixando de lado os muitos outros assuntos tocados pelo jornal.

Este período é fundamental, até porque só nele o jornalista passa a defender a separação entre Brasil e Portugal – até 1821 achava melhor a manutenção da ligação com Lisboa. Assim, o que se perde em extensão é ganho em intensidade: só trata dos momentos decisivos do longo processo de separação.

A concentração num ponto permitiu manter a qualidade do original: reúne os textos relativos ao período escolhido de maneira bastante completa, inclusive com a íntegra dos documentos complementares que era sempre publicada.

Além da diferença de abordagem, o trabalho de edição deste livro supõe um outro tipo de leitor. O texto de Hipólito da Costa foi trazido para a ortografia atual, e todos os personagens e passagens que poderiam suscitar dúvidas ganharam notas explicativas, o que torna certamente mais fácil o contato com a obra do autor.

Por qualquer uma das vias, no entanto, o leitor sairá ganhando. No mínimo, descobrirá que a imprensa brasileira, sob qualquer aspecto, nasceu muito melhor do que fariam supor três séculos de completa ignorância imposta pela metrópole portuguesa. E poderá substituir décadas de silêncio sobre a obra de Hipólito da Costa por dois livros com seus textos, ambos da melhor qualidade. [Jorge Caldeira é jornalista, autor de Mauá, Empresário do Império (Companhia das Letras)]"

    
    
                     

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