Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Robert Fisk

COBERTURA DE GUERRA

“As mentiras que os EUA contam”, copyright Folha de S. Paulo / The Independent, 9/4/03

“Primeiro mísseis americanos atingiram o correspondente da Al Jazeera e seu cinegrafista. Depois -num intervalo de quatro horas- os EUA atacaram o escritório da Reuters, em Bagdá, e atingiram um de seus câmeras, pai de uma criança de oito anos, além de outros integrantes da equipe e um cinegrafista do canal espanhol Telecinco.

É possível acreditar que isso tenha sido um acidente? Ou é possível que a palavra certa para as mortes decorrentes desses ataques seja assassinato?

Não são, obviamente, as primeiras mortes de jornalistas na invasão anglo-americana do Iraque. Tampouco podemos nos esquecer dos civis iraquianos que estão sendo mortos e mutilados às centenas e que -diferentemente dos convidados jornalistas- não podem deixar o país e voar para casa de classe executiva.

Ou seja que os fatos de ontem devem falar por si. Infelizmente para os americanos, tudo o que aconteceu se parece muito com assassinato.

Vejamos o míssil que atingiu a sede da Al Jazeera às margens do rio Tigre. O correspondente da rede de televisão, um jordaniano-palestino chamado Tareq Ayyoub, estava no topo do prédio com seu segundo cinegrafista, um iraquiano chamado Zuheir, registrando uma batalha que ocorria entre tropas norte-americanas e iraquianas.

Como Maher Abdullah, colega de Ayyoub, contaria mais tarde, ?o avião voava tão baixo que pensávamos que pousaria no topo do prédio. Foi um ataque direto -o míssil chegou a explodir contra o nosso gerador?.

Agora resta aos americanos o problema de explicar isso. Em 2001, os Estados Unidos atingiram com um míssil o escritório da Al Jazeera em Cabul, no Afeganistão -de onde vídeos de Osama bin Laden ganharam exibição para todo o mundo. Explicações nunca foram dadas.

Mais perturbador, no entanto, é o fato de que a Al Jazeera -a rede de televisão árabe independente, que conseguiu despertar a fúria de autoridades norte-americanas e iraquianas por sua cobertura ao vivo da guerra- havia informado ao Pentágono as coordenadas de seu escritório em Bagdá há dois meses e recebeu a garantia de que o local não seria atingido.

O ataque seguinte veio logo depois, quando um tanque Abrams apontou seu canhão em direção ao hotel Palestine, onde jornalistas estrangeiros estão hospedados na capital iraquiana.

A munição explodiu entre a equipe da agência de notícias Reuters e atingiu o cinegrafista ucraniano Taras Protsyuk, o britânico Paul Pasquale e dois outros jornalistas, incluindo a repórter libanesa-palestina Samia Nakhoul, além de José Couso, do canal espanhol Telecinco.

Os americanos se justificam com o que todas as evidências provam ser uma clara mentira. O general Bufford Blount, da 3? Divisão de Infantaria, afirmou que seus veículos estavam sob fogo de francos-atiradores instalados no hotel Palestine.

O testemunho do general não é verdadeiro. Eu estava passando por uma rua entre os tanques e o hotel no momento em que ele foi atingido -e não havia nenhum tiroteio.

Algo de muito perigoso parece haver pairado ontem. Há alguma lição que os jornalistas devem reter disso? Há algum setor das forças militares norte-americanas que passou a odiar a imprensa e quer tirar do caminho jornalistas em Bagdá, ferindo aqueles a quem nosso próprio (britânico) ministro do Interior, David Blunkett, maliciosamente afirmou estar trabalhando ?atrás das linhas inimigas??

Eu conheci Tareq Ayyoub. Disse-lhe o quão fácil esse escritório de Bagdá seria, como alvo, para os americanos, se eles quisessem destruir a cobertura que faziam -vista em todo o mundo árabe-, com imagens das vítimas civis dos bombardeios.

Taras Protsyuk dividia por vezes o elevador inacreditavelmente lento do hotel Palestine comigo. Samia, aos 42 anos, é uma amiga desde a guerra civil libanesa entre 1975 e 1990. Ontem à tarde, estava coberta de sangue, num hospital de Bagdá.

E o general Blount insinua que essa mulher e seus bravos colegas eram francos-atiradores. O que isso, me pergunto, nos diz sobre a guerra no Iraque?”

“Guerra aumentou procura por canais árabes no Brasil”, copyright Folha de S. Paulo, 13/4/03

O ataque ao Iraque fez aumentar a popularidade dos canais árabes captados no Brasil. Atualmente, podem ser sintonizadas no país cerca de 20 emissoras em língua árabe, entre elas a Al Jazeera, do Qatar, o canal Libanês AlManar, do grupo Hizbollah, e até a TV estatal iraquiana.

A recepção pode ser via antena parabólica, com um decodificador específico, ou através de operadoras de TV paga.

A Multipole, representante do grupo Zimwell no Brasil, oferece em todo país um pacote com nove canais em árabe, entre eles a ART, da Arábia Saudita, a LBC, do Líbano, a MBC, dos Emirados Árabes, e a própria Al Jazeera. De acordo com Maurício Goldberg, presidente da empresa, cerca de 1.600 pessoas assinam esse pacote, a maior parte em São Paulo.

Segundo ele, as assinaturas geralmente são de consulados, mesquitas ou de membros da comunidade árabe. ?O custo alto ainda tem sido um entrave. Mas o Brasil tem potencial para ser um grande consumidor de canais árabes?, diz.

Com a guerra no Iraque e a popularidade adquirida pela Al Jazeera, a Multipole começou a oferecer planos exclusivos para emissoras de TV aberta, que poderão reproduzir o conteúdo do canal.

A Digital Telecom, de Brasília, também oferece tecnologia para captar emissoras árabes em qualquer parte do Brasil. Através de antena parabólica e de um decodificador, é possível receber o sinal de emissoras da Síria, Iraque, Líbano, Kuait, Arábia Saudita e Palestina. As embaixadas são as principais compradoras, mas, desde o início da guerra, aumentou a procura residencial.

A NetFoz, subsidiária da Net Brasil que presta serviço em Foz do Iguaçu (PR), onde está uma das maiores colônias árabes do país, oferece cinco canais em seus pacotes. Marina Ghisi, diretora da empresa, afirma que, com a guerra, o número de assinaturas da Al Jazeera e da LBC subiu 15%. ?A empresa tem um ano de mercado, e só conseguimos atingir os 1.800 assinantes que temos hoje por causa do diferencial dos canais árabes?, diz.

O canal mais exibido no Brasil é o ART Latino, da Arábia Saudita, oferecido por Directv, TVA e Net.

O novo aparelho de medição de espectadores da Directv mostrou que a audiência dos canais estrangeiros quase triplicou. ?Os imigrantes querem ver como o seu país está se posicionando?, diz Fanny Friedmann, diretora de marketing da operadora.

COMO ASSINAR

Multipole (11) 3079-5222

Cinco canais da rede ART mais MBC, LBC, Al Jazeera e Al Arabia: assinatura anual (R$ 600) + decodificador (R$ 800)

Digital Telecom (61) 351-5158

Canais da Síria, Iraque, Líbano, ou do Kuait, Arábia Saudita e Palestina: US$ 450 a instalação. Sem mensalidade.

Direct TV 0800-770-3170

Pacote com ART Latino: R$ 110 mensais

Net Foz (45) 523-0533

Canais AlManar, Syria, ART Latino: R$ 61,00 mensais

LBC e Al Jazeera: R$ 32 por ponto

Net (0800) 726-0800

Pacote com ART Latino: R$ 99 mensais

TVA (11) 3038-5497

Pacote com ART Latino: R$ 99 mensais

* Ver com a operadora se o pacote está disponível em sua cidade”

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“Programação tem inspiração americana”, copyright Folha de S. Paulo, 13/4/03

“Apesar de a cobertura da guerra nos canais árabes ter um enfoque claramente pró-Iraque, o resto da programação carrega uma presença muito forte da cultura ocidental.

Nos cinco canais da rede ART são exibidas novelas no estilo americano, campeonato de Fórmula 1 e até mesmo jogos do futebol inglês. Alguns programas são fornecidos pela MTV do Líbano, e dividem espaço com produções infantis como ?Teletubbies?, o nipônico ?Pokemón? e ?Batman?.

No canal MBC, outros heróis como Zorro e Super-Homem marcam presença na programação. Durante o dia, também são veiculados episódios de ?Arquivo X? e diversos desenhos dos estúdios Disney.

O canal utiliza ainda, em produções próprias, fórmulas de programas americanos como ?Who Wants To Be A Millionaire??, que o SBT batizou no Brasil de ?Show do Milhão?. O Silvio Santos deles se chama George Kurdahi, que, claro, não chega aos pés do nosso. Hoona Moataz faz um similar do programa de David Letterman, o ?Moataz Show?.

Apesar de o cinema ser um tipo de produção cultural forte nos países de língua árabe, os filmes muitas vezes incorporam o estilo americano. Para os próximos dias, a ART anuncia a exibição do sugestivo ?Lost in the USA? (Perdidos nos EUA), estrelado pelo galã Khalid El Nabawy, que vive um estrangeiro na terra de George W. Bush.”

“Noticiários de TV confundem lealdade com fazer intrigas e esquecem o profissionalismo”, copyright UOL Mídia Global / Time (, http://noticias.uol.com.br), 12/4/03

“Tudo bem ameaçar a segurança das tropas americanas. Mas Deus te ajude se magoar seus sentimentos. Geraldo Rivera, em uma reportagem para a Fox News sobre o Iraque, na semana passada, desenhou um mapa na areia, diante das câmeras, indicando a localização de sua unidade. (No Afeganistão, Rivera tinha informado que estava no local de um incidente de fogo amigo, que ocorreu a quilômetros de distância. Assim, o fato de saber onde estava já foi um avanço). Por outro lado, Peter Arnett, lendário correspondente de guerra, sob contrato com a NBC News e Msnbc, concedeu entrevista à televisão estatal iraquiana. Nela, elogiou, de modo obsequioso, a ?cortesia? dos ministros de informação iraquianos. Ele disse que, em sua opinião, o plano de guerra original da coalizão tinha ?fracassado?, por causa da resistência iraquiana, e que as reportagens sobre mortes de civis tinham ajudado o movimento antiguerra.

Qual dos dois foi demitido? Qual foi acusado de traição por um senador americano, que pediu seu julgamento? Não foi o sujeito que entregou a posição de um grupo de soldados (Rivera, no entanto, foi removido das linhas de frente para o Kuait), mas Arnett, um dos poucos repórteres da televisão americana ainda em Bagdá. Seu erro foi dar uma de especialista estúpido -nada substantivamente diferente dos metidos a especialistas em toda a mídia americana- ao entrevistador errado.

Nem oficiais condecorados estão livres do escrutínio. Em audiência no Pentágono, o general Richard Myers repreendeu generais aposentados por criticarem os planos de guerra do Pentágono, em suas análises dos noticiários. Questão da semana para a mídia: De qual lado você está?

A resposta monótona é ?de nenhum?; a hipócrita, ?da Verdade?. A verdadeira questão é se o papel da imprensa na guerra se estende a manter o estado de espírito do público e das tropas -e a que ponto ?manter a moral? é sinônimo de ?não desagradar o público?.

O crime de Arnett foi ter transmitido parcialidade, para usar a palavra padrão. Pior, deu a entender uma parcialidade oposta à que a MSNBC quer transmitir, como está evidente para todos com visão. A rede mostra uma bandeira americana, em seu canto inferior esquerdo e usa o nome militar da guerra, ?Operação Liberdade do Iraque?, para anunciar sua cobertura. Essas também são assinaturas da Fox News, rede expressamente patriótica, que continua vencendo a Msnbc em audiência, vindo em segundo lugar, depois da CNN, desde o início da guerra.

Patriotismo compensa. Assim, Fox e MSNBC procuraram provar qual era a maior traidora. Fox produziu um anúncio ressaltando a entrevista de Arnett; Msnbc passou um trecho (completo, com a bandeira) que prometia, ?não vamos comprometer a segurança militar ou ameaçar uma única vida americana?, em aparente referência a Rivera. Até a CNN (como a Time, uma unidade da AOL Time Warner) foi defensiva, afirmando que não era Mata Hari. Durante uma reportagem ao vivo de Walter Rodgers com o 3o Esquadrão, 7a Cavalaria, próximo Bagdá, a âncora Carol Costello anunciou, ?Walter, só para esclarecer nossos telespectadores, tudo que você está nos dizendo foi aprovado pelos militares, certo??

Do outro lado desse debate, jornalistas que acompanham as tropas aliadas continuam a ser criticados por sua falta de visão e de conexão com os soldados. Implicar com os repórteres entusiasmados, porém, é uma distração. O foco deveria estar naqueles que tomam as decisões, que deveriam estar fornecendo contexto e equilíbrio, ao invés de enfeitar suas telas com bandeirolas. Quando um repórter, no meio do deserto, diz, ?nós? ao se referir à unidade que está entre ele e o esquecimento, compreende-se: Todo mundo é parcial quando está na mira do outro. Quando um âncora, em um estúdio com ar-condicionado, diz a mesma coisa não é apenas tendencioso, mas auto-elogioso. (?Estamos cercando Bagdá?? está falando de você e qual exército, colega?)

Um desses que dizem ?nós? é o âncora Neil Cavuto, da Fox. Ele deu uma dura resposta a um professor que o chamou de parcial. ?Sou tendencioso e parcial?? perguntou, no ar. ?Pode apostar que sou, professor. Prefiro um sistema que me deixa dizer o que estou dizendo do que um que estaria me matando por fazer a mesma coisa?. Seu argumento é tão inatacável quanto irrelevante. A questão não é se a liberdade é um bem absoluto, mas se uma pessoa deve desistir da independência jornalística em nome dela. Qualquer rede que atendesse a advertência de Myers, de que certas análises ?não ajudam… quando temos tropas em combate?, teria que fazer isso. Basear decisões de editorial no que ?ajuda? as tropas e patriotas pode ser ótimo para a moral -e até aumentar a audiência. Uma democracia saudável, porém, não faz guerra atirando primeiro e fazendo perguntas depois. Tradução: Deborah Weinberg”