Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Robert J. Samuelson

WALL STREET JOURNAL

"Como o ?Journal? parece com a gelatina Jell-O", copyright O Estado de S. Paulo, 18/04/02

"Se você lê o Wall Street Journal, teve uma surpresa no dia 9: um jornal redesenhado. Havia uma nova seção, ?Personal Journal?, repleta do que nós, do ramo de negócios, costumamos chamar de ?notícias que podem ser úteis?. Um dos artigos indagava ?Crianças com excesso de peso devem tomar pílulas??. Outro falava sobre o misterioso e ultra-elitista ?black card? (cartão preto) American Express, que pressupõe gastos de no mínimo US$ 150 mil por ano. O jornal estava impresso em cores, inclusive a primeira página redesenhada. Havia inúmeras chamadas (também em cores), para artigos nas páginas internas.

Dizemos que isso é ?fácil de usar e manusear? – uau, no Wall Street Journal.

Naturalmente, os artigos e reportagens do Journal são de qualidade superior há muito. Também faz tempo que ele vem atendendo a algumas necessidades pessoais de seus leitores, com colunas como ?Trabalho & família,? de Sue Shellenbarger, e ?Tecnologia Pessoal?, de Walt Mossberg. Mas, em meio a tudo isso, o Journal mantinha uma austeridade e naturalidade quase desafiadoras.

Preto e branco; fotos raras. O Journal avançou. Ele não fez cabriolas nem se tornou brincalhão. Bem, o novo Journal põe fim à austeridade. Pode não ser jovial, ainda, mas já está se tornando mais alegre. E isso envolve algo mais além de jornalismo.

Todos os produtos devem conectar-se com uma nova geração de consumidoores – ou arriscar-se a cair no esquecimento. O Journal tenta acompanhar o ritmo da cultura popular. Seu sucesso, no passado, acompanhou de perto a ascensão da classe empresarial e profissional da era posterior à 2.? Guerra. Em 1946 sua circulação totalizava 64.400 exemplares; hoje é de cerca de 1,8 milhão. Mas essa classe está mudando, por se ter tornado maior, abranger maior número de mulheres e refletir mudanças na sensibilidade popular.

?A razão fundamental pela qual alguém se torna leal a alguma coisa – além do hábito – é o fato de a marca conter significados que ressoam na vida pessoal?, afirma Susan Fournier, especialista em marketing da Harvard Business School. ?Os significados têm uma vida à parte. Eles vêm da cultura e, à medida que o tempo passa, tornam-se antiquados. A cultura evolui.?

Embora abstrata, ela passa pelo teste da realidade. Consideremos a companhia Cadillac. Em 1950 ela dominava aproximadamente 75% do mercado de carros de luxo. Elvis colecionava seus carros. ?Talvez nunca antes, ou a partir de então?, observou a revista Business Week, em reportagem de capa publicada recentemente, ?uma única marca tenha simbolizado, como ela, esperanças e sonhos das classes consumidoras?. Mas isso não acontece mais. Em 2001 a Cadillac dominava menos de 15% de seu mercado.

Seu comprador médio tinha 66 anos; em comparação, os compradores do Lexus, tinham 51 anos, e os da BMW, 47. Para os compradores mais jovens, esse veículo simbolizava coisas insignificantes. O Cadillac poderia desaparecer totalmente? Bem, poderia, se um novo projeto radical do Cadillac não atraísse os consumidores mais jovens.

Ou consideremos os programas noticiosos apresentados todas as noites pelas redes ABC, CBS e NBC. Há 20 anos era inconcebível que uma delas, ou todas, pudessem sair do ar. Agora essa possibilidade está sendo discutida abertamente. Da temporada de TV de 1991-92 até a temporada 2000-2001, a audiência dessas redes baixou quase 25%, de acordo com a organização Nielsen Media Research (a partir de 11 de setembro houve certa recuperação). Sabe-se que quem assiste a esses programas pela propaganda: são consumidores de produtos como remédios contra artrite e enfarte.

A situação do Journal não é tão sombria. Seus leitores são profundamente leais e, para os anunciantes, são imensamente atraentes.

Em 1999 a média de renda familiar de seus leitores era US$ 162 mil (o que significa que a metade estava acima desse valor, e a metade abaixo), e o valor médio de cerca de US$ 1 milhão, de acordo com uma pesquisa feita entre os leitores. A média de 52 minutos gastos na leitura do jornal era um compromisso impressionante e um voto de confiança. Contudo, há tendências inquietantes. Apesar do boom do mercado de ações, as vendas do jornal diminuíram de 1,834 milhão em 1991 para 1,788 milhão em 2001.

Os leitores também estão envelhecendo. Em 1985 a média de idade era 47 anos.

Em 1999, 54. (A bem da verdade, isso reflete, em grande parte, o envelhecimento dos baby boomers. Desde 1990 a média de idade dos leitores da Newsweek aumentou cinco anos, para 45 anos.) Em segundo lugar, não se incluem muitas mulheres entre os leitores, a despeito de o número de trabalhadoras ter aumentado. Em 1999 as mulheres representavam 17% dos assinantes do Journal. (Mas o pequeno aumento pode ocultar mudança de leitores que eram ?um legado representado por viúvas e aposentadas?, que mantiveram assinaturas dos maridos, para um número maior de administradoras hoje, segundo Gennaro Nunziato, do Journal.) Nenhum produto tem sua imortalidade garantida.

Quando trabalhava em agência na década de 80, Fournier, de Harvard, participou de campanha para o produto Jell-O. Uma das marcas mais antigas dos EUA (1897) estava com seu produto em declínio. ?Parecia obsoleto?, diz ela. ?Todos estavam passando a usar produtos naturais, e esse era artificial.? Durante algum tempo, os anúncios exortaram as mães a pôr frutas no Jell-O. Não deu certo. Parecia pregação. Em seguida vieram receitas novas, e um velho mote foi ressuscitado: comida como diversão. O Jell-O fora divertido para as mamães quando crianças – agora poderia ser divertido para seus filhos. Subitamente, diz Fournier, ele se tornou um maravilhoso ?produto-ponte? – um triunfo geracional da ?textura trêmula e bamboleante?do Jell-O. (Não houve problemas pelo fato de a Jell-O ter lançado pratos rápidos prontos para comer na década de 80 e início da de 90.) Em um dia típico, os supermercados vendem 1,75 milhão de produtos da marca Jell-O.

O Journal enfrenta tarefa semelhante, de manter seu poder de apelo. Na nossa era, as fronteiras que separam trabalho, lazer e família estão se tornando vagas. As pessoas copiam arquivos do trabalho no seu computador doméstico: do trabalho controlam as crianças e investimentos. A compartimentalização é mais difícil e rara. As pessoas sentem-se pressionadas pelo tempo – e, naturalmente, ?estressadas? – não pelo fato de seu trabalho ter-se tornado muito mais árduo, mas porque são puxadas para muitas direções diferentes.

Os antigos papéis de cada um dos sexos estão sendo redefinidos e ampliados: e o mesmo sucede com as descrições de funções. Um jornal que antes era dirigido a uma estreita faixa de membros da classe empresarial e de investidores, fornecendo cotações de ações e informações exaustivas, deve agora atingir faixa bem mais ampla, que passa por novas preocupações e, em vista de seus recursos abastados, têm novas necessidades.

Não que os consumidores mais jovens sejam melhores que os mais velhos. Mas são clientes necessários, e, se o Journal conseguir conquistá-los, esse terá sido o teste decisivo de seu redesenho. O bom jornalismo e a economia do setor de publicação de jornais deverão submeter-se, em última análise, ao ditado do legendário editor do Wall Street Journal, Barney Kilgore, que dirigiu o de 1941 a 1966. Ele disse certa vez: ?A coisa mais fácil de fazer, para qualquer leitor, é parar de ler.? Isso é verdade até hoje. (Robert J. Samuelson, economista, é colunista do The Washington Post)"