ASPAS
RADIODIFUSÃO
"Novo projeto: quem der mais, leva as concessões", copyright O Estado de S. Paulo, 16/07/01
"As mudanças nas licitações de emissoras de rádio e televisão pretendidas pelo ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, podem favorecer grupos que tenham maior poderio econômico. O alerta é do engenheiro eletrônico e consultor de telecomunicações Israel Fernando de Carvalho Bayma, ao prever que o sistema de pregão, no qual vence quem apresentar preço mais elevado para a concessão, colocará em desvantagens grupos regionais e dificultará a democratização das licenças de radiodifusão.
Pelo modelo em vigor, a proposta financeira somente é analisada depois que o candidato passar pelas avaliações de habilitação e técnica. Isso permite, por exemplo, que todas as propostas habilitadas sejam verificadas até a última etapa da disputa. Já pelo pregão, a comissão de licitação trabalha apenas na proposta daquele concorrente que ofereceu o maior volume de dinheiro pela concessão.
Bayma integra a equipe da Universidade de Brasília (UnB) que analisa o anteprojeto de Lei de Radiodifusão submetido à consulta pública pelo governo federal. Na avaliação do consultor, este novo modelo poderia ser aceito, por exemplo, se o setor ficasse sob o comando da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ele mostrou-se preocupado com o uso político das licenças.
?O argumento daqueles que são contrários à Lei de Licitações é que ela engessa o setor público?, afirmou. ?O modelo que se pretende implantar privilegia aqueles que possuem mais recursos.?
Modelo – O modelo de licitação em vigor obedece à Lei de Licitações e foi proposto pelo ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta. As disputas ocorrem em três etapas e, quando cumpre todas as exigências do edital, o candidato passa para a fase seguinte. A primeira parte da licitação refere-se à habilitação, em seguida analisa-se a proposta técnica e, por último, a oferta financeira.
Pelo critério de pregão, abrem-se primeiro os envelopes com os preços pelas licenças. O candidato que se dispuser a pagar mais pela concessão ganha a disputa. As etapas seguintes, segundo Bayma, são apenas para confirmar se o grupo vencedor tem condições para assumir a operação da emissora de rádio e televisão.
?O modelo atual representa um processo conduzido em condições de igualdade, visibilidade e transparência?, afirmou o consultor.
O Ministério das Comunicações, no governo Fernando Henrique Cardoso, colocou em licitação sete lotes de emissoras de rádio e televisão. Em uma consulta ao site do ministério (www.mc.gov.br) foi possível verificar que foram colocadas em disputa 1359 licenças de rádio FM; 232 OM e 61 emissoras de televisão.
Licitação – O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, preferiu, na semana passada, não fazer comentários acerca do debate sobre o anteprojeto de radiodifusão. Na última quinta-feira, ao deixar o Centro Cultural do Banco do Brasil, onde participou de cerimônia que comemorou os sete anos do Plano Real, Pimenta desconversou: ?Diga isso ao jornal: que eu não quero falar sobre o assunto agora?. O ministro prometeu que dentro dos próximos dias dará uma entrevista coletiva expondo sua opinião sobre a Lei de Radiodifusão.
O anteprojeto colocou em rota de colisão o ministro Pimenta da Veiga e auxiliares do ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta. O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Renato Guerreiro, que pela proposta de Motta passaria a cuidar do setor de radiodifusão, confidenciou a amigos que Pimenta imprimiu outras diretrizes para o setor.
Um outro consultor informou ao Estado que a proposta do atual ministro contém conflito de competência sobre as funções da agência reguladora e do Ministério das Comunicações no setor de radiodifusão.
De acordo com a fonte, um dos problemas seria definir a competência para tratar das retransmissoras de televisão.
Público – O diretor da Faculdade de Comunicação da UnB, Murilo César Ramos, levantou dúvidas sobre outro dispositivo do anteprojeto de lei de radiodifusão proposto pelo ministro Pimenta da Veiga.
Para o acadêmico, a redação dada ao artigo 20 visa transformar o setor de radiodifusão em serviços públicos. Na sua avaliação, por este critério, uma emissora de rádio ou de televisão teria de cumprir metas de universalização dos serviços. ?Isso é incoerente. A medida proposta transforma autorizações e permissões em concessões. Deste modo, fica mais difícil a extinção da concessão?, disse Murilo."
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"População pode dar sugestões no site do ministério", copyright O Estado de S. Paulo, 16/07/01
"Esta é a última semana para que a população possa enviar sugestões ao anteprojeto de Lei de Radiodifusão. O documento preparado pela equipe do ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, está no site www.mc.gov.br. Ele trata da reformulação do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n? 4.117 de 27 de agosto de 1962).
O diretor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), Murilo César Ramos, informou ao Estado que irá sugerir ao ministério uma reformulação da proposta. Ele explicou que uma das divergências diz respeito aos serviços de radiodifusão e de televisão por assinatura.
Segundo Murilo, enquanto o setor de radiodifusão permanecerá no ministério, a fiscalização, regulamentação e até as licitações das emissoras de TV paga ficam por conta da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). ?Isso é bem complicado?, avalia o acadêmico. ?O modelo de agência reguladora nasceu no governo Fernando Henrique Cardoso. É justamente esta proposta que o ministro está mudando.?
Abert – A expectativa do mercado é de que a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) não vá propor alterações substantivas ao anteprojeto de Pimenta da Veiga. O advogado Alexandre Jobim – filho do ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim – está preparando um estudo sobre o documento colocado em consulta pública.
É possível que as críticas mais contundentes venham da equipe do dono do SBT, Sílvio Santos. O consultor Luiz Eduardo Borgheti, que já trabalhou nas Organizações Globo, estaria analisando a proposta para a emissora de São Paulo."
"Um modelo de sucesso. Por que interrompê-lo?", copyright O Estado de S. Paulo, 16/07/01
"Nada mais difícil de manejar, mais perigoso de conduzir, ou de mais incerto sucesso, do que liderar a introdução de uma nova ordem de coisas; pois o inovador tem contra si todos os que se beneficiavam das antigas condições e apoio apenas tíbio dos que se beneficiarão da nova ordem. (Nicolau Maquiavel, 1459-1527)
O programa de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda candidato, em 1994, já pregava uma revolução para o setor de telecomunicações como comprova trecho do Mãos à Obra, Brasil. ?O problema, que não é só do Brasil, é encontrar uma fórmula para a organização institucional do setor de telecomunicações que, ao mesmo tempo em que promova fortemente os investimentos privados, reforce o papel regulador do Estado e reserve ao setor público a atuação em segmentos estratégicos do ponto de vista social ou do interesse nacional.?
Em fevereiro de 1995, antes de completar dois meses no governo, o Presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional que, promulgada em 15 de agosto do mesmo ano, ficou identificada como Emenda n.? 8, a qual eliminou o impedimento de participação da iniciativa privada na prestação de serviços públicos de telecomunicações. Romperam-se, assim, as amarras.
Em julho de 1996 foi sancionada a Lei n.? 9.295, que se tornou conhecida como Lei Mínima, por tratar de apenas alguns serviços, entre os quais o serviço móvel celular, e, um ano depois, em julho de 1997, foi a vez da Lei Geral de Telecomunicações, Lei Geral ou LGT (Lei n.? 9.472).
Nesse ponto vale a pena relembrar os objetivos que nortearam as mudanças:
fortalecer o papel regulador do Estado e eliminar seu papel de empresário; aumentar e melhorar a oferta de serviços; em um ambiente competitivo, criar oportunidades atraentes de investimentos e de desenvolvimento tecnológico e industrial; criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País; e maximizar o valor de venda das empresas estatais de telecomunicações sem prejudicar os objetivos anteriores.
Resta claro que o governo pretendia – no que foi acompanhado pelo Congresso Nacional, com a aprovação da Lei Geral – que: à iniciativa privada coubesse a função de operador, vale dizer empreendedor, em todos os segmentos de telecomunicações, a exemplo do que já ocorria no segmento de radiodifusão; ao Executivo, diretamente, e ao Legislativo, a formulação de políticas para o setor de telecomunicações, inclusive radiodifusão; e ao Órgão Regulador, a regulamentação, outorga e fiscalização dos serviços.
Como estratégia para alcançar maior agilidade na votação da Lei Geral, houve por bem, o Executivo, não incluir naquele Projeto de Lei a questão das outorgas dos serviços de radiodifusão. Tal intento foi alcançado de maneira absolutamente clara, pelos termos do artigo 211 da Lei Geral que, referindo-se à Anatel como Agência, assim dispôs: ?A outorga dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens fica excluída da jurisdição da Agência, permanecendo no âmbito de competências do Poder Executivo, devendo a Agência elaborar e manter os respectivos planos de distribuição de canais, levando em conta, inclusive, os aspectos concernentes à evolução tecnológica.? No parágrafo único daquele artigo a LGT atribui à Anatel a fiscalização dos serviços de radiodifusão, nos seus aspectos técnicos.
A própria Exposição de Motivos que capeou o Projeto da Lei Geral, quando do seu encaminhamento ao Congresso Nacional, por mensagem do Presidente da República, deixa claro que um novo passo seria dado para concluir a reestruturação do setor e a reforma completa do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, com o envio de Projeto de Lei específico, que tratasse do segmento de radiodifusão.
Em novembro de 1997, na solenidade de instalação da Anatel, o ministro Sérgio Motta definiu as novas etapas, prevendo a completa absorção pela Anatel das demais funções do segmento de radiodifusão, já então considerado no contexto mais amplo de um Projeto de Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, pela oportunidade de atualização da Lei de TV a cabo; e, como passo final, assunção pela Anatel, da função reguladora dos serviços postais, quando a denominação seria mudada para Agência Nacional de Comunicações, batizada à época de Anacom.
Infelizmente, para o País e não apenas para o setor de comunicações, a morte colheu Sérgio Motta, em abril de 1998, no meio dessa grande empreitada, não lhe reservando o destino sequer a possibilidade de presidir e conduzir um dos mais importantes momentos da fantástica revolução da qual foi o líder, o da privatização das empresas do Sistema Telebrás, em julho daquele mesmo ano.
Por dever de justiça, registre-se que em momento algum o então ministro se afastou dos objetivos do projeto, entre outras, por duas razões muito marcantes do seu comportamento. Primeira, porque acreditava no modelo que havia naturalmente incorporado entre suas crenças, certamente como conseqüência de sua visão empreendedora e voltada para o mais puro interesse público. Segunda, porque se tratava, no seu modo de ver, de um projeto do presidente Fernando Henrique Cardoso, por quem Sérgio Motta cultivava, muito mais do que respeito, uma profunda admiração.
Não fora um projeto do presidente, não teriam sido criadas as demais agências reguladoras, todas fora da esfera de influência do Ministério das Comunicações, como a Aneel, para o setor de energia elétrica, a ANP, para o setor de petróleo, a Anvisa, para a vigilância sanitária, a ANS, para a saúde, e outras mais. Ainda recentemente o Presidente da República sancionou leis, resultantes de projetos de iniciativa do próprio Executivo, relativamente às agências de água, transportes terrestres e transportes aquáticos, e está atuando no Congresso para ver aprovada pelo parlamento a lei que instituirá a Agência de Transportes Aéreos.
As agências reguladoras têm-se constituído num programa de sucesso do País.
Dotadas de características até então não experimentadas na administração pública no Brasil, foram elas idealizadas para atuar com independência e autonomia, para que não fossem passíveis de influências de outros órgãos de governo ou de grupos de interesse.
É preciso refletir, portanto, sobre a conveniência de interromper o curso de uma mudança que, nos mais variados setores da atividade pública, tem dado mostras de uma concepção e iniciativa de sucesso, principiada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, com resultados extremamente positivos para o País e, sobretudo, para a sociedade.
Considero, por tudo isso, absolutamente natural, não só pelo desenho do modelo mas principalmente pela natural e inexorável integração de todos os serviços de telecomunicações em face da convergência tecnológica, que a Anatel assuma a pequena parcela de atividades ligadas à radiodifusão que ainda não está sob sua responsabilidade.
Certamente Maquiavel não viveu situação semelhante, mas, mesmo assim, com muita propriedade, concebeu, no século 16, a frase que introduz este artigo, que se presta para indicar que só o interesse público deve orientar as decisões que afetam o cidadão e nos estimular a uma reflexão responsável e não emocional sobre um tema que, por sua grande importância, diz respeito a todos nós, neste limiar do século 21. (Renato Navarro Guerreiro é presidente da Anatel)"