Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Roberto Dias e Renata Lo Prete

PROPRIEDADE CRUZADA

“EUA devem liberar concentração na mídia”, copyright Folha de S. Paulo, 2/06/03

“O governo dos EUA deverá iniciar hoje um processo destinado a transformar de forma radical o principal mercado de mídia do mundo.

Selada a mudança, cairão limites importantes ao poder dos grandes grupos de comunicação do país, que terão mais liberdade para absorver concorrentes e criar novos braços com jornais e emissoras de TV e rádio.

A senha para a reviravolta deverá ser dada numa reunião em Washington, na sede da FCC (Federal Communications Commission), a agência responsável por regulamentar o setor.

Espera-se que os cinco membros da FCC aprovem, por 3 votos a 2, alterações para permitir:

1) Nas cidades médias e grandes, a chamada ?propriedade cruzada? de meios de comunicação -como operar um jornal e uma emissora de TV;

2) Que uma empresa possua emissoras de televisão que alcancem até 45% do público dos EUA, contra um limite atual de 35%;

3) Que um grupo tenha duas ou até três TVs na mesma cidade.

Tais mudanças derrubam regras estabelecidas nos anos 1970 ou até antes como forma de evitar o monopólio da informação.

O lado favorável é encabeçado por Michael Powell, presidente da FCC e filho do secretário de Estado, Colin Powell. Estão com ele os dois outros membros republicanos (partido do governo) da comissão e os principais conglomerados de comunicação dos EUA.

Era do cabo

Powell argumenta que a atual legislação foi concebida antes da era dos canais a cabo. Se as regras não mudarem, diz, as TVs abertas e gratuitas terão sua sobrevivência ameaçada.

?A tendência de mercado é contra a TV aberta. A TV paga tem vantagens enormes. Acesso a duas fontes de renda: propaganda e assinatura. Maior capacidade de canais. Plataformas mais próximas de oferecer a personalização e interatividade que os consumidores esperam.?

O presidente da FCC, que já trabalhou para a AOL Time Warner, uma das principais interessadas nas mudanças, rejeitou sucessivos pedidos para adiar a votação de hoje e dar mais tempo ao debate.

Aos críticos tem repetido que, se a comissão quisesse desregulamentar o mercado, e não ?adaptar as normas a um novo tempo?, simplesmente aboliria as regras, entregando a análise de fusões na mídia à legislação antitruste.

Seu discurso não convence os adversários, a começar pelos dois membros democratas da comissão. ?A FCC é encarregada por lei de zelar pelo interesse público?, disse em palestra recente um deles, Jonathan Adelstein. ?E o público não tem nenhum interesse em ver os conglomerados de mídia se tornarem ainda maiores.?

De acordo com levantamento citado por Adelstein, 50 corporações dominavam o mercado de mídia nos EUA no início dos anos 80. Eram 23 em 1990.

Hoje são cinco: News Corporation (de Rupert Murdoch), General Eletric (que controla, por exemplo, a rede NBC), Disney (dona da ABC), Viacom (CBS) e AOL Time Warner (responsável por grande parte da distribuição dos canais a cabo).

Terra de gigantes

Tais conglomerados não se limitam a administrar redes de televisão. Produzem filmes, vendem serviços de internet e, em maior ou menor grau, extrapolam o setor de mídia.

Segundo o banco JP Morgan, a mudança nas regras elevará o valor de mercado total das empresas americanas de mídia em 4%.

Na avaliação do banco, as controladoras de jornais serão, num primeiro momento, as principais beneficiadas. Em editorial publicado na semana passada, o ?New York Times? se disse favorável à parte das mudanças que lhe toca diretamente -aquela que permitirá a um jornal controlar uma rede de televisão na mesma cidade.

Morno até dias atrás, o debate sobre a conveniência das alterações esquentou na última semana, sobretudo após ONGs contrárias às medidas rechearem jornais e TVs com anúncios de protesto.

Um deles mostra Murdoch em quatro telas que trazem, respectivamente, os logotipos da Fox News (pertencente ao empresário australiano), ABC, CBS e NBC.

Murdoch, que no momento espera autorização do Congresso dos EUA para comprar 34% da DirecTV, tornou-se, para os adversários das mudanças, símbolo da derradeira etapa do processo de oligopolização da mídia.

Sua emissora de notícias, a Fox, foi a principal aliada do governo Bush na mídia durante o ataque ao Iraque.

Em depoimento no Senado há pouco mais de uma semana, o dono da News Corporation provocou risos nos parlamentares ao afirmar que, se conseguir comprar a DirecTV, não pretende realizar outros movimentos de expansão nos EUA.

Ainda que o resultado da votação de hoje seja previsível, o debate promete continuar no Congresso. Os integrantes da FCC serão chamados a depor dentro de alguns dias.

Parlamentares da oposição preparam instrumentos para reverter ao menos parte das mudanças. Mas é incerto que consigam votos suficientes para tanto.”

***

“Oposição às mudanças reúne vozes diversas”, copyright Folha de S. Paulo, 2/06/03

“A gritaria contra a desregulamentação que o governo americano pretende promover no setor de mídia reúne vozes dos mais variados pontos do espectro político do país.

Põe do mesmo lado, por exemplo, uma das principais ONGs que protestaram contra a guerra no Iraque -a MoveOn- e um enérgico defensor do ataque -William Safire, colunista conservador do jornal ?The New York Times?.

No cerne da argumentação de ambos está a idéia de que as mudanças atentam contra a diversidade de informação e, portanto, contra a democracia.

Ted Turner, grande acionista da AOL Time Warner, vai na mesma linha. Em artigo publicado sexta-feira no ?Washington Post?, o fundador da rede de TV à cabo de notícias CNN disse que não teria conseguido lançar a rede de notícias se as regras hoje propostas pela FCC estivessem em vigor no início dos anos 1980.

Frisando que suas opiniões não refletem as da direção da AOL Time Warner, afirmou que as mudanças ?sufocarão o debate, inibirão novas idéias e inviabilizarão empresas menores que tentam competir?.

Até a NRA (National Rifle Association), poderoso órgão de lobby do porte de armas, declara-se contrária. Diz temer que seus pontos de vista sejam banidos da mídia em um cenário de propriedade mais concentrada.

Falta de debate

O bloco chama a atenção para a falta de discussão sobre as alterações e critica o processo de decisão da FCC, que consideram obscuro e suspeito.

Em anúncio veiculado na semana passada, ONGs de defesa dos direitos do consumidor apontaram que as cinco principais companhias de comunicação dos EUA controlam 75% da audiência total da televisão americana e 90% da audiência jornalística.

Como exemplo de sua preocupação, lembram o que aconteceu com o rádio após a FCC flexibilizar o mercado em 1996 de forma semelhante à que deve ocorrer agora com TVs e jornais.

Desde então, o setor viu a expansão das principais companhias. As dez maiores empresas detêm hoje 67% do faturamento do setor -e as cerca de 4.300 outras empresas disputam a fatia restante, de apenas 33%. (RD e RLP)”

***

“Indústria paga viagens da comissão reguladora”, copyright Folha de S. Paulo, 2/06/03

“Funcionários da FCC (Federal Communications Commission), a agência reguladora que pretende abolir uma série de restrições à concentração de propriedade na mídia norte-americana, receberam, nos últimos oito anos, US$ 2,8 milhões em viagens custeadas pelas empresas do setor.

A cifra aparece em levantamento do Center for Public Integrity, ONG que se dedica a investigar questões relativas a ética e transparência no serviço público.

De acordo com o estudo recém-divulgado, foram 2.500 viagens, a maioria para convenções da indústria realizadas em cidades como Las Vegas, Nova Orleans, Honolulu, Rio e Paris.

Beneficiaram-se da cortesia tanto funcionários administrativos da FCC quanto os cinco membros encarregados de votar assuntos do interesse das empresas de comunicação. A prática de aceitar as viagens vigorou indistintamente durante governos democratas e republicanos.

O atual presidente da FCC, Michael Powell, consta da lista dos agraciados com passagens e despesas de estadia.

Em entrevista ao jornal ?Los Angeles Times?, o diretor-executivo do centro apontou conflito de interesses no relacionamento FCC-indústria.

?Os membros da comissão não deveriam receber dinheiro, ainda que em forma de viagens, de empresas que estão em busca de desregulamentação?, disse Charles Lewis.

Segundo um porta-voz da FCC, as viagens permitem que os integrantes ampliem
seus conhecimentos e discutam com especialistas. As cortesias seriam um meio
de ?economizar dinheiro do contribuinte?.”

 

“Novas normas devem beneficiar conglomerados da comunicação”, copyright Folha de S. Paulo, 2/06/03

“Sete anos atrás, quando o Congresso dos Estados Unidos autorizou a desregulamentação da indústria de comunicação e removeu muitas das barreiras que impediam empresas de ter veículos diferentes, como um jornal e uma televisão, numa mesma cidade, dez grandes companhias detinham a maior parte do controle dos aproximadamente 1.800 jornais, 11 mil revistas, 11 mil estações de rádio, 2 mil emissoras de televisão e 3 mil editoras de livros existentes no país.

Aprovada por ampla maioria em nome da necessidade de promover a competição numa indústria em processo de transformação tecnológica, a lei de 1996 produziu o efeito oposto. Hoje, 90% de tudo o que os americanos lêem em jornais, revistas, livros e sites na internet ou vêem na tevê ou no cinema é produzido por empresas pertencentes ou associadas a seis grandes conglomerados: AOL Time Warner (CNN), Viacom (CBS), Disney (ABC), General Electric (NBC), News Corporation (Fox) e Vivendi Universal.

A concentração deve aumentar ainda mais depois das decisões que a Federal Communications Commission (FCC), a agência reguladora das comunicações nos EUA, anunciará hoje (veja quadro abaixo).

Sob os aplausos de donos de cadeias regionais e nacionais de jornais e dos grandes conglomerados e os protestos de uma ampla e inesperada coalizão de congressistas republicanos e democratas, defensores das liberdades civis, jornalistas liberais e conservadores, donos de companhias médias de comunicação e mesmo alguns grandes acionistas de conglomerados da mídia, a FCC deve aprovar o relaxamento de uma norma em vigor há quase 30 anos que proíbe uma mesma companhia de ter um jornal e uma emissora numa mesma cidade. A nova regra permitirá que uma companhia controle até três estações de televisão e um jornal em grandes mercados como Nova York e Los Angeles e manterá a restrição apenas nos menores entre os 210 mercados de mídia dos EUA.

A agência reguladora deverá relaxar também uma regra segundo a qual uma rede de televisão não pode ter emissoras que alcancem mais do que 35% do número total de casas equipadas com televisores, que são praticamente todas nos EUA. A nova regra afrouxará o limite para 45% e, na prática, legalizará várias fusões realizadas nos últimos anos.

A FCC deverá, também, relaxar norma que proíbe uma mesma empresa de controlar duas emissoras de televisão em mercados de porte médio, pondo a indústria da televisão no caminho da desregulamentação completa já feita nas emissoras de rádio.

Há poucas dúvidas sobre o desfecho da reunião da FCC porque três dos cinco comissários são republicanos e já declararam seu apoio às mudanças.

O presidente da agência, Michael Powell, que é filho do secretário de Estado, Colin Powell, afirma que as regras atuais foram ultrapassadas pelas novas tecnologias, que tornaram as barreiras vigentes fictícias.

Segundo ele, as limitações ?impedem o crescimento e competição num mundo transformado pela tevê a cabo, as transmissões de televisão via satélite e de imagens e notícias pela internet?. A realidade, porém, é que, apesar do crescimento da internet, a televisão e os jornais continuam a ser as mais importantes fontes de informação dos americanos: 57% recebem notícias pela tevê e 23% pelos jornais.

Ted Turner, o criador da CNN e um dos principais acionistas da AOL Time Warner, resumiu os argumentos da oposição em artigo no Washington Post, reproduzido ontem pelo Estado. Para Turner, a crescente concentração do controle de empresas que produzem e distribuem informação ?limitará o debate público, inibirá novas idéias e fechará as pequenas empresas de comunicação?.”

 

“Murdoch vira vilão no debate sobre regras de mídia”, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 30/05/03

“Opositores da desregulamentação da mídia estão levando ao ar peças publicitárias retratando o magnata da mídia Rupert Murdoch como a face carrancuda da consolidação do setor. A iniciativa inclui anúncios exibidos ontem no Fox News Channel, que pertence a Murdoch.

Os ativistas que estão por trás dos anúncios, MoveOn.org, Common Cause e Free Press, disseram que estão concentrando sua atenção na figura de Murdoch numa tentativa de despertar a oposição do público à desregulamentação. A expectativa é que, em reunião na segunda-feira, a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) alivie algumas das restrições à propriedade de meios de comunicação, incluindo limites relativos a estações de TV e jornais locais.

A News Corp., controlada por Murdoch, é apenas uma das grandes empresas de mídia que estão a favor de mudanças nas normas e sua audiência é até inferior à de concorrentes como a Viacom, dona da CBS e da MTV. Além disso, Murdoch depôs recentemente perante o Congresso dizendo que sua empresa não planeja tirar vantagem de veículos que ficarem vulneráveis com a aprovação da nova regulamentação, comprando mais jornais ou estações.

Porém, o fato de a campanha centrar fogo em Murdoch reflete o aumento da importância do seu conglomerado, com o crescimento da Fox News e seu compromisso de adquirir o controle da empresa de TV por satélite DirectTV.

Alguns dos anúncios mostram o rosto de Murdoch em quatro telas de televisão, cada uma delas com as inscrições ABC, CBS, Fox e NBC, respectivamente, e com a legenda: ?Este Homem Quer o Controle do Noticiário nos EUA. A FCC Quer Ajudá-lo?.

A campanha inclui, também, publicidade nos jornais The New York Times, The Washington Post e na publicação do setor de entretenimento Daily Variety.

?Ele é a cara da consolidação da mídia?, disse
Chellie Pingree, presidente da Common Cause, comentando o alcance da holding
de Murdoch, que vai da produção à distribuição.
Nos Estados Unidos, a News Corp. controla os estúdios da 20th Century
Fox, a editora HarperCollins Publishers, o New York Post, a rede de televisão
Fox e o canal a cabo Fox News. ?Quem melhor para personificar quais são
as tendências do que Rupert Murdoch??”

 

“?Times? alerta para conseqüências da decisão”, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 30/05/03

“Há seis décadas, o governo sabiamente decidiu criar um sistema regulatório federal para garantir que nenhum barão da mídia pudesse dominar o fluxo de informações no país. Tudo mudou, exceto a importância de preservar um mercado competitivo. A Comissão Federal de Comunicações (CFC) se prepara para ajustar suas regras fundamentais. Argumentar que as atuais estão desatualizadas é fácil. A parte mais difícil é encontrar maneiras de preservar os valores centrais que garantem a diversidade de fontes de informação e entretenimento.

Espera-se que a CFC suspenda na semana que vem a proibição da propriedade de um jornal e uma emissora no mesmo mercado. As novas regras ainda não são conhecidas e a comissão poderá causar bastante dano se permitir concentração excessiva no âmbito local. A CFC provavelmente derrubará a proibição da propriedade de um jornal e uma emissora no mesmo mercado ? mudança pela qual a The New York Times Co. tem feito lobby.

Uma mudança mais controversa, foco da maior parte das atividades de lobby, envolve os limites ao direito das redes de TV de possuírem estações locais.

A atenção da CFC também deveria voltar-se para novas formas de concentração.

Estas incluem o acordo pendente de Rupert Murdoch para combinar seus empreendimentos da Fox com a DirecTV e o formidável casamento entre programação e força de distribuição forjado pelas gigantes a cabo.

A tendência rumo a distribuidores maiores, produzindo quantidade crescente de conteúdo, é ameaçadora. Estas regras de propriedade de mídia tratam da preservação de mercados competitivos que enriquecem a troca de informações e pontos de vista que está no coração de nossa democracia.”