O POVO
"O paradoxo impresso", copyright O Povo, 22/6/03
"Há cerca de uma semana O Povo publicou matérias sobre a prostituição em Fortaleza e suas conexões internacionais. Os textos, resultantes de apurada investigação do Núcleo de Cotidiano, tinham pelo menos três qualidades: mostraram a degradação imposta a quem se prostitui; estimularam a discussão do tema pela sociedade; e apontaram soluções. Registre-se ainda o fato de o assunto ter ganho o Editorial do jornal no último dia 14 ? quando se abordou a rede que traficava mulheres cearenses para a Espanha, onde serviam de escravas sexuais. Existe, então, uma real preocupação da instituição com o problema. Mas, enquanto retrata em reportagens um quadro produzido pela miséria e pela falta de oportunidades, O Povo mantém no caderno Populares a seção ?Termas e acompanhantes?. É um espaço dedicado justamente à prostituição.
O serviço é bem sortido: atende preferências e condições financeiras várias. Homens, mulheres e travestis. O principal concorrente do O Povo, o ?Diário do Nordeste?, também oferece em seu caderno de pequenos anúncios seção semelhante. A diferença é que há cerca de dois anos O Povo exerce maior controle sobre os textos ? recusando-se a publicar os mais ousados. No ?Diário?, não parece haver tal controle. Mas, a rigor, a distinção é desprezível, é de somenos importância. O que conta é a essência de um problema reconhecidamente grave e mais extenso. Uma efetiva contribuição que a imprensa poderia dar para minimizá-lo ? ainda que pequena, considerada a complexidade do tema ? seria eliminar essas seções. Perde-se alguma verba publicitária, mas pode-se obter um lucro institucional maior, capaz de multiplicar o respeito dos leitores. Um lucro de credibilidade.
Entre o dizer e o ouvir dizer
Conferir informações antes de publicá-las é procedimento básico do jornalismo. Não basta ao jornalista confiar nas fontes, até porque essa relação pressupõe uma série de fatores. É preciso, invariavelmente, analisar interesses e ouvir contrapontos. Já abordamos o tema antes, mas há razões para retomá-lo. Até porque no O Povo casos se repetem com freqüência preocupante. Vamos a alguns exemplos, todos pinçados da coluna Sônia Pinheiro. No dia 12 último, o deputado estadual João Jaime Marinho (PSDB) ocupou parte da coluna para contestar uma nota. No dia 13, o prefeito de Sobral, Cid Gomes (PPS), usou do mesmo direito. Domingo, 15, foi a vez do deputado estadual José Guimarães (PT). Segunda-feira, o deputado federal Moroni Torgan (PFL) utilizou igual recurso. Uma seqüência impressionante de erros ? democraticamente distribuídos, diga-se.
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros define que o profissional deve ?ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas objeto de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas?. Quando isso não é possível, O Povo e outros veículos têm explicado ao público por que não se conseguiu o contraditório. O que não se pode, nem se deve, é publicar a informação e aguardar uma defesa para depois. O Código também diz que ?o jornalista deve permitir o direito de resposta às pessoas envolvidas ou mencionadas em sua matéria, quando ficar demonstrada a evidência de equívoco ou incorreções?. Pelo menos isso, embora de modo vexatório, a coluna faz.
O pai da criança
A propósito da falta de apuração, vale citar um fato da semana passada. Sob o título ?Happy?, uma nota na coluna Sônia Pinheiro de terça-feira anunciava: ?De bem com o horóscopo, o senador Reginaldo Duarte festeja conquista sua: aprovação (pela Câmara Alta) do pagamento das aposentadorias até o quinto dia útil do mês. Antes, os pensionistas tinham que esperar até o 10??. Erro após erro. Primeiro: a mudança de data estava, na verdade, prevista na Medida Provisória que aumentou o salário mínimo de R$ 200 para R$ 240 a partir de 1? de abril. Segundo: a alteração só será implementada em abril de 2004. Terceiro ? sobre a paternidade da idéia: o site do Senado informa o DNA é do senador Paulo Paim (PT-RS).
Clone? Não
Produtos concorrentes, capas iguais. O caderno ?Zoeira?, do ?Diário do Nordeste?, trouxe na capa de quarta a modelo Sabrina Sato. A mesma foto ilustrou a capa do Buchicho de quinta-feira. ?Clonagem??, perguntaram alguns leitores. Não. Coincidência. O Buchicho, por razões industriais, é concluído dois dias antes da publicação. Ou seja, quando o Zoeira de quarta estava sendo feito, o Buchicho de quinta também estava em fase de produção.
Cai o pano
O Theatro José de Alencar é um dos mais importantes bens culturais tombados pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Ceará. Terça-feira completou 93 anos. O Povo não dedicou uma linha sequer ao assunto. Não houvesse uma ampla programação definida pelo Theatro para marcar o aniversário, poderia até ser aceita a tese de que a data é inexpressiva ? como se alegou com os 89 anos do Ceará Sporting Club. Mas durante todo o dia houve no TJA apresentações artísticas, debates, a instalação de uma criação coletiva com espelhos e outros eventos comemorativos. Uma omissão incompreensível.
Boa nota
Merece nota o uso do O Povo como texto-básico da prova de Conhecimentos Gerais do vestibular para Administração na Faculdade Farias Brito ? aplicada segunda-feira. Destaca-se nessa opção o reconhecimento à tradição e ao investimento em qualidade."