O POVO
"Nomes e normas", copyright O Povo, 13/7/03
"?Respeitar o direito de cada indivíduo à sua privacidade, salvo quando esse direito constituir obstáculo à informação de interesse público?. Este, entre os dez preceitos estabelecidos pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ), sobre os quais têm um compromisso de cumprimento as empresas filiadas, é um dos mais caros à cidadania. Em relação a isso, e também em respeito à lei, O POVO adotou como norma não citar o nome de pessoas envolvidas em situações que possam lhes causar constrangimento. Vítimas de seqüestro, por exemplo. No caso específico de menores de 18 anos, vale reproduzir o que consta do Guia de Redação e Estilo do jornal, no capítulo ?Normas jornalísticas do O POVO?: ?A Lei fixa penas para quem divulgar, sem autorização judicial, nome, ato ou documento referente a procedimento contra menor ou publicar fotografia de menor em situação irregular, autor ou vítima de crime. A referência a menores, nessa situação, deve ser feita sem citar o nome, mas apenas as iniciais seguidas de ponto e sem espaço. Em vez de usar a palavra menor, em texto de notícia, é preferível usar criança ou adolescente?.
Que se faça um reconhecimento: trata-se de um dos procedimentos observados pelo O POVO com mais rigor. Mesmo o nome do rapaz seqüestrado quando criança em Goiânia, que ganhou manchetes nacionais e que nem sempre é mantido sob reserva, tem no jornal a necessária preservação. Contudo, domingo passado, contrariando não só o Guia de Redação e Estilo, mas também o que define a legislação e o próprio histórico do jornal, O POVO publicou em sua manchete principal o nome completo do adolescente D.G.F.S., vítima de seqüestro na semana anterior. Dois procedimentos padronizados – ambos com o objetivo de evitar constrangimentos ao cidadão – foram descumpridos: a preservação do nome de menor vítima de crime e a preservação do nome de vítima de seqüestro. O problema não se restringiu ao O POVO. O ?Diário do Nordeste? também informou o nome do rapaz, embora tenha se limitado às iniciais na chamada de capa.
Não foi só a vítima exposta pelos jornais. Um motorista de ônibus L.J.F.L., acusado de ter transportado o adolescente ao cativeiro, foi preso pela polícia na tarde de segunda-feira. Na terça, já tratando o adolescente pelas iniciais, O POVO publicou o nome completo de L.J., embora ele estivesse ainda na condição de suspeito – não havia, pois, crime comprovado. Além do mais, a prisão foi feita sem ordem de juiz e sem a caracterização do flagrante. Devido à falha da Polícia, que só após deter o suspeito enviou à Justiça o pedido de prisão preventiva, ele foi libertado por determinação judicial. Na matéria de terça, além do nome do motorista, foram publicadas duas fotos de L.J.F.L.: uma na delegacia, algemado e cobrindo o rosto, e uma reprodução de documento de identidade. O ?Diário do Nordeste? agiu da mesma forma. Já na quarta, ao noticiar a liberação do motorista, O POVO usou as iniciais.
Sexta-feira, nova notícia de seqüestro e o mesmo deslize. Em Forquilha, cidade próxima a Sobral, um rapaz teria sido seqüestrado por dois policiais militares e sua família extorquida. O POVO, mesmo com a proximidade dos fatos, as observações que fiz no comentário interno e a admissão do erro anterior, informou o nome da vítima. No caso, não um menor de idade, mas um rapaz de 22 anos. O constrangimento a que pode ser submetido, no entanto, é o mesmo.
Esses episódios, mais do que apontar o desconhecimento por repórteres e editores – involuntário ou não – de normas gerais da sociedade e específicas da empresa, deixam à mostra uma imensa dificuldade de se abordar questões delicadas como as das coberturas policiais. O problema, ressalte-se, não é só do O POVO, do ?Diário do Nordeste? ou da imprensa regional – que em muitos casos recende a província, embora regionalidade e provincianismo não estejam necessariamente vinculados. É nacional. Que se tome como exemplo o caso da Escola-Base, em São Paulo, cujos donos foram condenados pelos meios de comunicação, que se basearam em acusações de abuso sexual contra alunos sem nenhuma procedência, como se viu depois. Ou os programas, locais e nacionais, que exibem na TV cenas sangrentas em horários os mais disparatados. O desafio real é fazer com que novos conceitos finalmente subjuguem arquétipos ultrapassados. É fazer com que os boletins de ocorrência deixem de ser as principais fontes de matérias. É romper com o tempo em que ?meliantes?, ?elementos?, ?doutores delegados?, ?magarefes? e ?amásias? protagonizavam o noticiário.
A triste partida
Patativa do Assaré é um dos maiores símbolos da arte popular nordestina. Em 1999, foi homenageado pelo O POVO com um caderno comemorativo aos seus 90 anos de vida. A qualidade do trabalho rendeu ao jornal o prêmio de melhor texto da Sociedade Interamericana de Imprensa e duas indicações para o prêmio Esso – Criação Gráfica e Regional. Apesar desta relação, movida pelo sincero reconhecimento do valor da obra e do homem, nenhuma linha foi dedicada a Patativa no dia em que se completou um ano de sua morte, 8 de julho.
Para inglês ver
Sexta-feira, a Editoria de Esportes publicou uma pequena notícia que pode ter soado incompreensível a quem não domina o Inglês. O título, aliás, já incluía palavra alienígena: ?Atletas inauguram megastore esportiva?. No fim do breve texto, uma lista de termos que poderiam muito bem ter sido substituídos por correspondentes em Português: ?adventure? (esportes de aventura), ?racket games? (jogos com raquetes), ?fishing? (pescaria), ?indoor games? (jogos em espaços fechados), ?body? (ginástica ou até malhação), ?bike? (bicicleta ou ciclismo), ?board? (prancha) e ?running? (corrida), além de um intrigante e genérico ?active?. Não erra só quem escreve um texto de divulgação anabolizado pelo jargão mercadológico – que é contaminado por anglicismos, como se fosse grande vantagem oferecer beach soccer em vez de futebol de praia ou off road em vez de fora da estrada. Erra muito mais quem, nas Redações, se deixa encantar pelo recheio afetado."