Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Roberto Maciel

O POVO

"Contas públicas e guerra fiscal", copyright O Povo, 27/7/03

"?O Estado do Ceará ficou mais endividado no ano passado. Teve um orçamento deficitário, gastando mais do que arrecadou. Deixou de cumprir o art. 210 da Constituição estadual que manda aplicar 50% dos investimentos no interior do Estado. Gastou menos com a Segurança Pública que no exercício de 2001 e fez mais da metade de suas compras com dispensa ou inexigibilidade de licitação. Tudo isso consta do relatório aprovado pelo Tribunal de Contas do Estado, quando do exame da prestação de contas do Governo do Ceará, referente ao ano de 2002?.

O texto com que abro a coluna não foi publicado no O Povo. É do ?Diário do Nordeste?, edição do dia 15 de junho, um domingo. Talvez seja uma das mais bem postas pistas sobre as dificuldades financeiras que o Estado enfrenta atualmente. O Povo não tratou do relatório do TCE, embora tenha mostrado aos leitores, desde que foram adotadas, as recentes medidas de contenção de gastos determinadas pelo governador Lúcio Alcântara.

Sabe-se que crises financeiras não surgem do nada. Há indutores externos ou internos para balanços desequilibrados. O que explica, então, as dificuldades vividas pelo Governo do Ceará? O Povo não cuidou ainda de buscar respostas para a questão e de apresentá-las aos leitores. E há um ponto crucial no qual o jornal também não tocou: em que situação estavam os cofres do Estado quando o comando foi passado de Beni Veras para Lúcio Alcântara? Ao público, têm restado versões oficiais, como a de que as dificuldades são generalizadas e comuns a todos os estados, ou a de que a União também determinou medidas para reduzir despesas. Domingo passado, com a manchete ?Cearáaacute; – Guerra fiscal perde força?, O Povo mostrou apenas uma das faces do problema, em uma seqüência de matérias na Editoria de Economia sobre a concessão de incentivos fiscais para alavancar investimentos industriais – uma estratégia que hoje se aponta como ultrapassada, frustrada ou ineficiente, dependendo do ponto de vista. Cabe aqui mais uma reprodução, desta vez do próprio O Povo: ?O fato é que as indústrias vieram, geraram empregos, mas não conseguiram mudar como era esperado o problema da concentração de renda e da falta de qualificação da mão-de-obra?.

Brancas nuvens

Apesar da manchete de domingo, e do (quase sempre) atento acompanhamento da questão dos incentivos fiscais, O Povo não cobriu um importante momento da nova realidade da economia regional: a abertura do 2? Encontro de Secretários da Indústria e Comércio do Nordeste, na quinta-feira passada, no Centro Administrativo do Banco do Nordeste, em Fortaleza. Mais do que a representação solene da reunião, foi anunciada uma ação de relevo – a decisão de se buscar uma política de atração de empreendimentos compartilhada. Ou seja, uma trégua na disputa travada à base da isenção de impostos. Os outros dois jornais locais, em suas edições de sexta-feira última, deram o devido destaque ao fato. Enfim, a guerra fiscal que perde fôlego no Ceará também arqueja nos estados vizinhos. A falta de munição é comum. Mas O Povo não tratou do assunto com uma linha sequer, nem na Editoria de Economia nem na coluna Vertical S/A. Somente no sábado abordou o assunto.

Uma voz pela Alca

Ainda no domingo passado, a Editoria de Política do O Povo publicou uma ampla entrevista com o título ?Ricardo Caldas – ?É melhor um acordo ruim que ficar fora da Alca?. Trazia as opiniões do cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília, sobre a possível inserção do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), bloco comercial articulado pelos Estados Unidos. Observei para a Redação que, apesar da autoridade de Ricardo Caldas sobre o tema, a matéria tinha ares de press release – texto de divulgação distribuído para as redações por assessorias de imprensa. E que deveria ter sido tratada como tal. Justifiquei: foi produzida e repassada pela Agência Brasil, um dos braços da área de Comunicação do Governo Federal.

Os críticos da Alca apontam nesse tratado o objetivo do governo dos EUA de subjugar política e economicamente países latino-americanos. Ainda assim, e contrariando o que se defendia antes, parte dos integrantes do Governo brasileiro mostra-se agora simpática à adesão. Em resumo, considerei que a análise de Caldas, colhida e passada adiante por uma agência noticiosa estatal, tende a contemplar uma visão que existe entre gente do Governo. E, apesar de conter críticas ou avaliações desfavoráveis à política externa da gestão Lula, estas mais contribuem com os que desejam a adesão à Alca.

A Redação discordou da minha análise. Em primeiro lugar, usando um dos meus argumentos – o de que o entrevistado tem o devido respaldo técnico para abordar a questão. Depois, porque se avalia que a Agência Brasil, mesmo sendo um apêndice da estrutura de comunicação do Governo, tem assumido diretrizes cada vez mais independentes – isso, admita-se, é um fato perceptível na nova gestão. Nesse caso específico, acredito que a entrevista poderia, então, ter servido como referência e que O Povo poderia ter, de motu proprio, desenvolvido uma pauta específica e tentado entrevistar Ricardo Caldas. Aliás, é esse o procedimento recomendado aos jornalistas quando recebem material de divulgação, seja de órgãos públicos ou de empresas privadas.

Santa casa

Texto intitulado ?Santa Casa de Sobral – Inquérito policial investiga mortes?, publicado quarta-feira, ignorou parte vital do episódio em que foram acusadas 236 mortes por falta de UTI na Santa Casa de Misericórdia de Sobral: a auditoria da Secretaria de Saúde daquele município que constatou que a denúncia, feita em nota assinada por médicos do hospital, mas de autoria ainda ignorada, era falsa.

Aos leitores

Na semana passada, o computador que uso no O Povo ficou sem conexão com a Internet e com a rede interna do jornal. Isso limitou meus contatos com os leitores, já que precisei fazer as análises diárias e enviá-las para a Redação de casa. Também foi de casa que respondi a quem se manifestou por e-mail. O problema já foi detectado e, espero, deverá ser resolvido esta semana."