Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Roberto Maciel

O POVO

"Como criar um currículo soft", copyright O Povo, 21/9/03

"Do Inglês para o Português, traduz-se soft como suave. Soft é, também, parte do nome ?artístico? ? confesso-me incapaz de achar outra palavra cabível ? de uma dançarina de strip tease local, estrela de espetáculos de sexo explícito. Dos palcos de boates mal iluminadas Débora Soft passou, no dia 7 deste mês, domingo, para a página 2 do caderno Buchicho. Fotografada com o parceiro, Jonas Ferraz ? listado entre os depoentes da CPI da Prostituição Infantil, da Câmara Municipal ?, ela anunciou que ambiciona a carreira política: quer ser vereadora. Pelo que já foi informado sobre Débora Soft pelo O Povo, o Buchicho traz contradições. Vamos enumerá-las:

1) Em 4 de novembro de 1998, o Vida & Arte publicou matéria intitulada ?Obscuro objeto do desejo?. Informava-se ali que Débora tinha 18 anos e era catarinense. No Buchicho, conta-se outra história: a dançarina teria hoje 21 anos, e não 23, e é pernambucana;

2) Há quase cinco anos, a moça declarou o seguinte, completando a informação de que trabalhava com Jonas havia pouco mais de um mês e que o conhecera em uma boate em Santa Catarina: ?O Jonas assistiu a um show e me convidou para vir trabalhar com ele em Fortaleza. Eu atuo como stripper há dois anos, mas essa é a primeira temporada em que faço sexo explícito?. Detalhe: ela teria 16 anos ao começar ? menor de idade, portanto, num flagrante desrespeito à lei. No Buchicho, outra versão: Débora tinha 13 anos quando conheceu Jonas, em Fortaleza. ?Ele estava passando pela avenida Bezerra de Menezes (…) quando aquela menina jeitosa chamou sua atenção em meio a uma blitz promocional?.

Não se pode julgar que o assunto não interessa ao público do O Povo. É possível haver quem dê atenção a figuras assim. O que não se entende é como um texto com ares ficcionais ? qual dos dois? ? ganha espaços sem a devida apuração. Débora, que diz se sentir ?maravilhosa transando em público?, pode ter obtido uma nova e mais suave (ou ?soft?) biografia para sua campanha em 2004. Resta saber se os eleitores se portarão como o público que a vê em ação, para o qual ela tem uma definição: ?Aqui, o povo gosta é de assistir, ficar olhando?.

Notícia vs. espetáculo

O episódio não chega a surpreender pelo nível a que desceu a programação da TV aberta no País, mas serve como alerta à sociedade. O Brasil viu-se nas últimas semanas frente à acusação de que uma entrevista no programa ?Domingo Legal?, apresentado por Augusto ?Gugu? Liberato no SBT, era uma empulhação. A gravação mostrava dois encapuzados que se diziam da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), armados, falando de uma suposta tentativa de seqüestro do padre Marcelo Rossi e ameaçando o vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo (PT), e outros apresentadores de TV ? todos de programas que exploram o mundo cão. A reação bateu às portas da Polícia e da Justiça. Pressionado, Gugu foi ao programa Hebe Camargo segunda-feira última e, em lágrimas, pediu desculpas públicas ? inclusive por, a ser verídica a entrevista, ter levado ao ar dois bandidos. Ele não assumiu responsabilidade pelo erro nem admitiu que era uma encenação. Mas adiantou que o autor da entrevista, o jornalista Wagner Mafezzoli foi afastado das funções. A típica transferência de culpa.

A gravidade do caso se nivela à do episódio envolvendo o jornalista norte-americano Jayson Blair, que há cerca de três meses abalou a credibilidade do ?The New York Times? ? um dos mais conceituados jornais dos Estados Unidos ? ao ser pilhado no deletério ato de inventar reportagens. Um aspecto é diferencial: o SBT é uma rede de emissoras que, como as demais do Brasil, funciona sob concessão do Estado ? é um serviço público explorado por empresa privada. Tem, assim, compromisso contratual com a educação, a cultura e a cidadania. A entrevista, se constatado o logro, fere a lei por configurar crimes de ameaça e de apologia do crime. Para quem consome o que se produz em jornalismo ? ou acha que o que consome é jornalismo ? fica uma lição: a informação não pode ser espetacularizada. Deve, sim, ser tratada sem sensacionalismo, com responsabilidade plena. E fica também a lição para que as empresas de comunicação ? as sérias, sejam do meio impresso ou do eletrônico ? estabeleçam filtros que excluam gente que não hesita em pisar na ética.

Nome aos bois

Os deputados federais Léo Alcântara, Arnon Bezerra, Bismark Maia, Manoel Salviano, Rommel Feijó, Ariosto Holanda e Vicente Arruda, todos do PSDB, votaram a favor da Reforma Tributária. No dia 4 deste mês, eles e mais Eunício Oliveira, Aníbal Gomes, José Gerardo Arruda e Mauro Benevides (PMDB), Inácio Arruda (PCdoB), João Alfredo e José Pimentel (PT), Leônidas Cristino (PPS), Almeida de Jesus (PL) e pastor Pedro Ribeiro (PTB) deram sim à proposta do Governo Federal. Só que a Reforma Tributária não se resolverá só em uma sessão. Outras votações, as de destaques e de emendas, foram no primeiro turno, encerrado quarta-feira última, e serão realizadas ao longo desta semana, no segundo turno. Mas O Povo não atentou para isso. Sábado, a coluna Política assinada por Fábio Campos foi aberta assim: ?Atenção, atenção. Do jeito que foi aprovada na Câmara dos Deputados, a reforma tributária é muito boazinha com o rico São Paulo e terrivelmente malvada com o pobre Ceará. O texto perpetua a injustiça tributária. Menos dinheiro para os pobres, mais dinheiro para os ricos?. Mais abaixo, uma nota informava um momento de alteração emocional do senador Tasso Jereissati: ?Ariosto Holanda foi o único deputado federal do PSDB do Ceará a votar a favor da reforma tributária. Na noite de quinta-feira, no Aeroporto de Brasília, na hora do embarque, o tucano foi duramente cobrado pelo senador Tasso Jereissati?.

Como se vê, há erros. Primeiro, a Reforma Tributária não foi aprovada ainda. Segundo, Ariosto Holanda não foi o único tucano a votar com o governo Lula ? na verdade, ele foi, sim, o único da bancada cearense do PSDB que no dia 10 votou em uma emenda que dividia recursos do Nordeste com parte do Rio de Janeiro, Minas e Espírito Santo. No domingo, 14, os erros se repetiram: ?É a hora de perguntarmos aos deputados federais do Ceará sobre a reforma tributária. Indagações também devem se dirigir para aqueles que defendem o texto entre nós em artigos inócuos. É de se supor que a maioria nem tinha plena noção das más conseqüências para o Ceará nos fundamentos dos textos aprovados às 23h55mim de quarta-feira. Vamos dar a eles o benefício da dúvida. Na verdade, não deveríamos ser tão generosos, afinal um deputado que se presta a votar a favor de uma emenda à Constituição que não conhece não merece o respeito de seus representados. Eunício Oliveira, Inácio Arruda, João Alfredo, José Pimentel, Ariosto Holanda, Mauro Benevides, Leônidas Cristino, José Gerardo Arruda, Almeida de Jesus, pastor Ribeiro e Aníbal Gomes devem ser cobrados pela consciente opção que fizeram?.

O puxão de orelhas é duro. E é injusto. É injusto porque não foram só os nominados que apoiaram o Governo ? descarto aqui se acertadamente ou não, já que esse não é o mérito da minha análise. Outros tucanos ? o filho do governador, inclusive ? acataram no primeiro momento a proposta do Planalto. Mas injustiça não atinge só os deputados espinafrados. Atinge também o leitor, que ficou sem a informação precisa."