O POVO
"A barbárie e a falta de atenção", copyright O Povo, 23/11/03
"A manchete do jornal ?Diário do Nordeste? de segunda-feira noticiava um dos muitos sinais da brutalidade que se avolumam na cidade: ?Crime bárbaro ? Estudante morto por espancamento em Fortaleza?. Tratava-se do assassinato de Alexandre Pereira da Costa, após uma discussão em um bar na avenida Carneiro de Mendonça, no bairro da Parangaba. Alexandre, 17 anos, foi massacrado por chutes e socos desferidos, segundo testemunhas, por cerca de 20 pessoas. Um linchamento, literalmente. Naquele dia, por pouco O Povo não deixava de informar o caso. Não fosse a lamentável mas clássica política de ?boletim de ocorrências? que predomina nas editorias de Polícia dos jornais, pela qual, após alguns retoques, os registros do Centro Integrado de Operações Policiais (Ciops) se tornam matérias, o fato passaria batido. E se foi publicado o foi de forma capenga, negligente.
Vale reproduzir o trecho da matéria ?Duas mulheres assassinadas?, coordenada à manchete da página 10 do O Povo, que incluiu o caso de Alexandre Pereira da Costa: ?A Polícia foi chamada também sábado à noite, por volta das 23 horas, até a avenida Carneiro de Mendonça, no Pici, onde um homem foi encontrado morto por espancamento. O corpo deu entrada como indigente no IML e até o final da tarde de ontem ainda não havia sido identificado?. Nada mais. Pior: a informação de que ?até o final da tarde? o corpo ?ainda não havia sido identificado? não procedia. A família o reconheceu, sim. Outro dado desmontava a afirmação ? o ?Diário? publicara uma foto, feita à luz do dia, do local onde o adolescente foi morto. Além de mal informado, O Povo não apurou corretamente a notícia.
Lá e cá
A propósito de apuração mal conduzida, domingo passado foi o ?Diário do Nordeste? que tropeçou. E o deslize se referia ao mesmo assunto que O Povo trazia como manchete, um acidente com um caminhão em Guaramiranga. O ?Diário? relacionava seis mortos e 43 feridos entre as vítimas. O Povo informava acertadamente que havia quatro mortos e cerca de 50 feridos. A comparação das duas capas, exibidas pelos gazeteiros ou nas bancas de revistas, deve ter deixado muitos leitores incomodados ? dois me enviaram e-mails perguntando o porquê da diferença e quem havia errado. Segunda-feira, sem maiores explicações, a falha foi atribuída pelo ?Diário? ao IML. Na chamada de capa, um trecho dizia que ?O IML informou errado à reportagem o número de óbitos publicado na edição de ontem?, enquanto na página 15 estava registrado somente que ?Um erro de informação no IML, de que o ?rabecão? saíra para apanhar dois corpos no IJF, sábado à tarde, provocou o equívoco no número de vítimas, publicado ontem?. Para a cobertura policial, e isso é corriqueiro em toda a nossa imprensa, mais uma vez a informação oficial bastou. E o erro subjugou a imprescindível apuração.
Michael Jackson e a maquiagem do o povo
O cantor Michael Jackson voltou à pauta da imprensa na semana passada. Algemado, inclusive. Terça-feira de manhã, o rancho onde mora foi vasculhado pela polícia de Los Angeles (EUA). Uma denúncia de que o artista teria molestado sexualmente um garoto de 12 anos seria o motivo da operação. Quarta, O Povo publicou matéria sobre o assunto, na página 2 ? reservada para as últimas notícias chegadas à Redação. Só que o texto, produzido pela Agência Folha, havia sido disponibilizado às 20h30min no horário de São Paulo. Ou seja, às 19h30min em Fortaleza. Por si, isso já inviabilizaria a inserção naquela página.
Contudo, não é esse o único nem o mais grave problema. A matéria teve cortados trechos essenciais relacionados a horários. Não foi simplesmente editada, mas, a bem da verdade, maquiada. Isso impediu que o leitor soubesse que o texto se referia a um fato ocorrido pela manhã em Los Angeles ? ou à tarde no Brasil ? e que de ?Últimas? não tinha nada. Eis os trechos do original que foram alterados. ?SÃO PAULO, SP, 18 de novembro (Agência Folha) ? Amparada por um mandado judicial, a polícia de Los Angeles fez uma busca hoje de manhã na mansão de Michael Jackson, chamada de Neverland (Terra do Nunca), localizada 160 km ao norte de Los Angeles. (…) A busca teve início às 8h30 (horário local ? 14h30 em Brasília). Mais de 20 policiais vasculharam o local, nas imediações de Santa Bárbara, avaliado em US$ 12 milhões e que abriga, entre outras coisas, um parque de diversões e um zoológico?.
Compare-os agora com o que O Povo publicou: ?Amparada por um mandado judicial, a polícia de Los Angeles, na Califórnia (Oeste dos EUA), fez uma busca ontem na mansão de Michael Jackson, 45 anos, chamada de Neverland (Terra do Nunca), localizada 160 km ao norte de Los Angeles (…). Mais de 20 policiais vasculharam o local, nas imediações de Santa Bárbara, avaliado em US$ 12 milhões e que abriga, entre outras coisas, um parque de diversões e um zoológico?. Editar matérias de agências é um procedimento técnico, pelo qual podem ser agregados detalhes (como se vê nesse caso, com as referências ao estado da Califórnia e à sua localização nos Estados Unidos) ou cortados trechos, com o fim de adequação ao espaço. É normal. O que não se pode é omitir dados fundamentais. Foi o que ocorreu: pó de arroz para justificar a publicação em Últimas.
No leito do erro
Com o título ?Outros leitos?, a coluna Vertical S/A, assinada pelo jornalista Jocélio Leal, publicou a seguinte nota na última terça-feira: ?O Hospital e Maternidade Santa Teresa, na Tibúrcio Cavalcante, fechou e, em breve, deverá se tornar uma pousada. Tinha como foco o público sem planos de saúde ? fazia partos em 12 vezes. Mudou de idéia?. A informação não correspondia aos fatos. Foi publicada sem a necessária conferência. No mesmo dia, a empresa a contestou. O hospital continua funcionando no local. Ou seja, não fechou nem mudou de idéia, ao contrário do que foi registrado. No dia seguinte, a coluna teve de admitir a falha: ?A informação foi publicada a partir de informações de uma fonte. A publicação gerou reação no mercado e a Coluna pede desculpas ao hospital e aos leitores pelo erro?.
Já observei neste espaço que o descompromisso com a apuração é algo comum às colunas da nossa imprensa. Comum e lastimável. ?Fontes confiáveis?, ?fontes fidedignas?, ?fontes limpas?, do jeito que as coisas vão, acabarão se tornando só figuras de retórica, adornos para discursos acadêmicos. E, de qualquer modo, por mais sérias e éticas que sejam as fontes, o máximo que podem gerar são informações a serem conferidas."