O POVO
"Um botão faz a diferença?", copyright O Povo, 2/3/03
"Nesses dias de Momo, a cobertura do novo escândalo em que se meteu o senador baiano Antônio Carlos Magalhães (PFL), o dos grampos telefônicos, abrirá alas para festivas escolas, sonoros trios elétricos, batuques de maracatus e até para jazz e blues. Nada, no entanto, com enredo tão desconcertante quanto a bisbilhotagem da vida alheia – herança do autoritarismo que, com o tempo, se ampliou e se sofisticou à custa do empenho de arapongas e de mais gente inescrupulosa. ACM é acusado de mandar gravar conversas de adversários e até de uma advogada, com a qual teve um romance, e do marido dela. Para tanto, segundo as denúncias, usou a estrutura dos órgãos de segurança da Bahia e patrocinou fraudes em documentos encaminhados à Justiça. O senador teria confirmado a um repórter da revista IstoÉ as manobras, o que foi publicado pela revista na semana passada, com ampla repercussão em veículos de comunicação de todo o País.
Eis aí um nó. O relato de ACM, por ter sido feito off the record (ou em off, jargão da imprensa que define informações dadas sem gravação), poderia ter sido levado aos leitores? Os repórteres desprezaram a ética ao romper um pacto de silêncio com o senador? É de se imaginar o dilema dos jornalistas, sabendo que conversas em off são, geralmente, fundamentadas nas relações de confiança entre fonte e entrevistador. Mas é de se considerar também a gravidade de declarações como essa: ?O que eu vou lhe dizer você não pode publicar. Eu mandei grampear o Geddel. Gravei quase 200 horas de conversas vergonhosas dele, inclusive com o presidente da República?. Geddel é o deputado federal Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), inimigo político de ACM. No balanço de perdas e danos, não há como impor aos repórteres nenhuma culpa por desrespeitar o sigilo pedido. Nesse caso, o botão de gravação não fez diferença. Afinal, quem ganhou foi a sociedade.
Tititis e zunzunzuns
Se o off é um recurso para o repórter e para a fonte, vez por outra converte-se em armadilha. E pode tornar-se instrumento de toda sorte de interesses. Nesses casos, se o jornalista não cria filtros rigorosos corre o risco de se enredar, ainda que involuntariamente, em redes de intrigas. Os jornais locais, O Povo inclusive, têm exemplos disso. Vamos a dois. Domingo passado (23), a coluna Sônia Pinheiro publicou a seguinte nota, com o título ?Tom & Jerry?: ?Não convidem para a mesma mesa os deputados Artur Bruno e Inácio Arruda. É que a dupla em questão anda encarando uma Babel desde que Bruno fez críticas a Inácio. Tipo assim: como Inácio é comunista, jamais vencerá as eleições para prefeito… Resuminho da opereta: vale, realmente o dito de que as esquerdas não se unem jamais?.
Na edição de quarta (26), a resposta, intitulada ?Que Tom & Jerry…?: ?…que nada! Pelo fio o deputado petette Artur Bruno jurou, ontem, à coluna continuar unha-&-cutícula com Inácio Arruda, dissipando, assim, o tititi de que a dupla andava malzinha da Silva por conta de declaração do primeiro, informando que o segundo teria dificuldades em se eleger alcaide da cap por ser comunista – ‘desmerecer a ideologia de Arruda, seria uma contradição ao meu posicionamento de esquerdista’. Acrescenta Bruno: Inácio e eu sempre fomos amigos, o que se consolidou, ainda mais, quando figurei como seu vice na disputa pela Prefeitura em 2000. Quanto ao pleito de 2004, diz defender a sintonia das esquerdas, apostando em que, ‘unidos, temos amplas condições de vitória. Principalmente por dispormos de nomes de expressão, a exemplo de Inácio Arruda, Eudoro Santana, Mário Mamede, Luizianne Lins e eu, inclusive (…)?.
O outro caso tem igual gravidade. Segunda-feira (24), a coluna publicou a nota ?Barraco?. O texto: ?… E a mais nova dupla de Tom & Jerry é formada pelos Edis Walter Cavalcante (PMDB) e Régis Benevides (PL), que, segundo o zunzunzum circulante no weekend, encararam literalmente sessão medição de forças, com direito à muita distribuição de tapas, no estacionamento da CMF. No capítulo: a troca de ‘afagos’ teve start quando Benevides disse, em plenário, ‘não aceitar críticas de um político como Walter: sem escrúpulos e sem caráter. Que na frente de Juraci Magalhães o elogia e, nas mesas de restaurantes, critica-o’. Cavalcante andava torpedeando Régis por conta das CPIs das Licitações e da ABCR. Em tempo: por haver atacado a moral de Walter Cavalcante, em plenário, Regis Benevides terá que encarar a Comissão de Ética da Casa, probabilidade que já lhe valeu o comentário: – Garanto que mais gente irá comigo!?.
Terça-feira, a coluna publicou o que ficou intitulado como ?Pingos nos ii?. Um – mais um, aliás – desmentido: ?Os edis Régis Benevides e Walter Cavalcante ne-gam (!) que tenham trocado tapas no estacionamento da CMF. Fala Régis: ‘jamais disse que levaria comigo mais gente para a Comissão de Ética. Eu e Walter, aliás, tivemos uma boa conversa, no fim de semana, presenciada pelo deputado Almeida de Jesus, quando apertamos as mãos, selando um pacto de não-críticas um ao outro’. Conclui Walter: ‘na sessão de amanhã (hoje) (nota: no caso, terça-feira), inclusive, Régis pedirá, formalmente, desculpas a mim pelo que declarou em plenário. Já estamos em paz’, endossando, inclusive, o que afirmou Benevides: não nos agredimos fisicamente’?.
Ocorre, e uso aqui expressões de Sônia, que jornalismo não se faz com ?tititis? e ?zunzunzuns?. Procurada pelo ombudsman, ela explicou que tem ?confiança? em suas fontes e que, sempre que necessário, dá espaço a pessoas que se sentem incomodadas com notas ou que apresentam alguma correção. ?Políticos sempre esperam que você dê notícias boas para eles. Quando você mexe com algo que pode ser inconveniente, sempre se melindram, tentam atenuar?, disse. O problema, no caso, não é o melindre, mas a informação errada ou sem a verificação necessária. E, mais grave ainda, o risco a que a ?confiança nas fontes? submete a credibilidade do jornal e do jornalista."