Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Roberto Romano


‘O presidente da República usa o tempo que lhe resta para atacar a imprensa. É sintomático que ele só tenha concedido uma entrevista coletiva (com espartilhos nos jornalistas) em todo o seu governo. Ele prefere o monólogo e a propaganda e acusa os profissionais da notícia que ousam levantar o véu que até pouco tempo atrás escondia o segredo de seu partido.


Recordemos o que diz um dos mais importantes teóricos da manipulação das massas: ‘O silêncio pressupõe um conhecimento exato daquilo que não se diz. (…) Silencia-se o que melhor se conhece. É algo mais preciso e também mais precioso. O silêncio não serve apenas para proteger essa coisa mas também para concentrá-la.’


E. Canetti ajuda a entender o ethos petista. Durante anos, os ‘companheiros’ caluniaram o Estado e a sociedade. E montaram um partido para arrebatar o poder. Mas hoje nada dizem, nada sabem, nada viram, nada ouviram, nada perceberam, nada degustaram, no agrupamento que apresentaram aos eleitores, afiançando a sua integridade. Eles calam o que fizeram e ameaçam quem denuncia os seus atos nefastos.


O silêncio do PT equivale à omertà dos inimigos da lei. É má-fé e desonestidade intelectual jogar sobre a imprensa as culpas da liderança petista. Ela sempre desprezou a mídia, daí a gênese do Conselho Federal de Jornalismo. Em 1986 (‘Segredo e Democracia’, Folha), nela indiquei o duro ódio pela imprensa: ‘Silêncio obsequioso em face dos mais fortes ad intra, arrogância reservada aos adversários. (…) O intelectual empenhado é livre apenas para desmascarar os inimigos. Quando o seu líder fala, decreta a infalibilidade do locutor. O erro, por definição, está no ouvido de quem discorda ou na pena dos nefandos jornalistas. Sacrifício do intelecto: autoviolência praticada pelos ideólogos que um dia quiseram pensar de forma autônoma.’


Disse mais: ‘O seu monopólio da mentira santa é intocável’. Encerrei dizendo que ‘os adversários da vida livre odeiam a discussão pública. Sem o segredo, o seu mando pode ser, a todo instante, abalado. Só o silêncio possibilita a simulação e a dissimulação, técnicas empregadas pelos que defendem posições e por quem as cobiça’.


Em entrevista antiga, o presidente agora surdo, mudo, cego, sem tato ou paladar para as falcatruas dos companheiros mostrou sua alma real ao enunciar como via o Congresso: ‘Não achamos que o Parlamento seja um fim, ele é um meio. E vamos tentar utilizá-lo até onde for possível. Na medida em que a gente perceber que, pela via parlamentar, pela via puramente eleitoral, você não conseguirá o poder, eu assumo a responsabilidade de dizer à classe trabalhadora que ela tem de procurar outra via’ (entrevista à Folha, 1985).


Digam agora: quem pratica semelhante realismo recuaria diante dos mensalões ou diarinhas aos parlamentares? E ‘os 300 picaretas’? Temos diante de nós um dirigente que, em 1985, imaginava impossível chegar legalmente ao comando do país. E ameaçou a população com a luta armada.


O líder rosna contra a imprensa porque ela não garantiu alguns segredos como os tratos com Roberto Jefferson, as negociatas de Marcos Valério, os presentes de Silvinho, os depósitos nas contas de parlamentares. Um petista teve seu auxiliar direto pego com dinheiro nas cuecas. Pediu-lhe silêncio em nome da raison d’État… A boa imprensa, pensam os ‘companheiros’, propaga apenas virtudes do governo.


Na entrevista citada, a bazófia de Lula é clara: ‘Quero que me dêem meia hora para mim na televisão (…). E vamos ver quem tem condições de convencer a opinião pública’. Ele tem milhares de horas na mídia, mas cala sobre o que fizeram os auxiliares de sua plena confiança. Uma dupla farsa chega ao fim. Líder e partido mostram a face verdadeira. O segredo corrupto, escondido sob a máscara da ética, foi desvelado pela imprensa.


Imaginei que o governo inepto deveria ser tolerado até as eleições. Com as mentiras oficiais contra a imprensa, revejo minha atitude. Hegel diz que o chefe de Estado só coloca o ponto na letra i, mas o ‘nosso’ presidente idolatra o analfabetismo. Como não sabe colocar o ponto certo no seu partido e governo, deixe tal missão para quem sabe. Como Lula adora metáforas futebolísticas, afirmo: se não percebe o ponto do i no Estado e o confunde com uma esfera que rola na granja do Torto, ele merece receber o apito que apontará o seu impedimento.


Roberto Romano, 59, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de, entre outras obras, ‘Moral e Ciência – A Monstruosidade no Século 18’ (ed. Senac/São Paulo).’



O Estado de S. Paulo


Planalto contesta foto do ‘Estado’‘, copyright O Estado de S. Paulo, 9/09/05


‘A Assessoria de Imprensa da Presidência enviou ao Estado e-mail em que questiona a autenticidade da foto de Primeira Página publicada ontem pelo jornal. A seguir, a carta:


‘O uso de lentes especiais e a edição da fotografia do desfile de 7 de Setembro que estampou (sic) a primeira página deste jornal na edição de quinta-feira desinformaram o leitor, induzindo-o a imaginar uma cena que não ocorreu. Diferentemente do que aparenta a fotografia, a frente do palanque presidencial não foi ocupada por espectadores ou manifestantes, e a bandeira retratada, que se encontrava em outra área, foi superdimensionada pelo recurso fotográfico utilizado. A frente do palanque era composta por uma avenida com seis faixas de rolamento, por onde desfilaram os participantes do evento, e seguida por um amplo gramado, onde foi instalado um dos tablados usados pelos jornalistas e foram estacionados carros de combate ocupados por comandantes militares. O local onde a foto foi tomada, localizada atrás da área dos jornalistas, encontra-se a 60 metros de distância do espaço das autoridades, fora da área central do desfile. Os milhares de espectadores que foram prestigiar o evento tiveram à disposição arquibancadas instaladas ao longo de toda a Esplanada dos Ministérios, de onde puderam acompanhar de perto o evento.’


Jose Ramos Filho, secretário-adjunto de Imprensa


N da R: Salvo melhor juízo, esta é a primeira vez na história da imprensa em que se tenta desmentir uma foto’



TODA MÍDIA


Nelson de Sá


‘O fim da linha’, copyright Folha de S. Paulo, 9/09/05


‘A entrevista veio após um dia inteiro de suspense, da TV à internet.


A Globo News, ao anunciar que o empresário prometia ‘contar tudo’ dali a pouco, fez até comentário em sua barra de informações, ‘Bom demais para ser verdade’.


A Globo News foi a única a mostrar ao vivo, além de portais como UOL. Band News e redes que antes transmitiam horas não deram.


E começou. Anunciando que não estava ‘acostumado a esta vida de estrelato’, Sebastião Buani passou a detalhar toda a suposta extorsão.


Um trecho selecionado pela Globo, depois:


– Um belo dia eu recebo um telefonema, para comparecer ao gabinete de apoio do primeiro-secretário, Severino Cavalcanti. Aí surgiu o que eu não esperava: ‘Estamos em ano de eleições e eu sou um homem que não tem empresas, sou só parlamentar, e neste ano a gente precisa de uma ajuda. Gostaria de saber o que você pode ajudar.’


Foi muito além a descrição do suposto achaque, com conflito por valores etc.


Em entrevista carregada de drama, o dono do restaurante até chorou, na cena que tomou as escaladas do ‘SBT Brasil’ ao ‘Jornal da Band’. Na manchete dos sites e por toda parte, um só enunciado:


– Empresário confirma a propina a Severino.


Os blogueiros se dedicavam ao suspense desde a manhã, com mensagens na linha ‘Contagem regressiva’.


Mal ele abriu a boca e diziam, caso de Cesar Maia, ‘Explode Severino!’.


E Fernando Rodrigues, no UOL, ‘Severino está destruído’. E Ricardo Noblat, que fez ‘live blogging’, ‘é o suficiente para abrir processo’.


Entrando pelos telejornais, Boris Casoy comentou que ‘o mandato de Severino começou a baixar sepultura’, na Record. E Ana Paula Padrão sentenciou, no SBT, que era ‘o fim da linha para Severino’.


Mas Claudio Weber Abramo, no blog, quer mais:


– Mirem-se em Buani… Se mais empresários fizerem o mesmo, fica mais difícil praticar corrupção.


RESTAURE-SE A DIGNIDADE


Mário Soares, 80, e FHC, 74, em Portugal e na cobertura da TV Globo


Foi até manchete de telejornal, na Band:


– Nos bastidores, pelo menos dez deputados já se apresentam como sucessores.


É a disputa pela vaga de Severino, que caminha para um petista. O Blog do Moreno lançou lista encabeçada por José Eduardo Cardozo, depois Sigmaringa Seixas. No Globo Online, Eduardo Paes saiu dizendo que ‘tanto Sigmaringa quanto José Eduardo seriam boas escolhas’. No Blog do Noblat, Raul Jungmann elogiou ambos, mas ACM Neto preferiu Cardozo. O Blog do Cesar Maia fez mais por Cardozo: postou que a eleição de Sigmaringa ‘foi apoiada pela Novadata, amiga de Lula’.


Eliane Cantanhêde, no SBT, comentou que deve ser ‘alguém do tipo Sigmaringa ou Zé Eduardo mesmo, que são petistas, o PT tem a maior bancada, mas que não vão ser tropa de choque nem a favor nem contra o governo’. A Globo, por fim, não especulou, mas destacou Cardozo para dar a opinião petista do dia.


Franklin Martins deu bronca geral, no ‘JN’:


– Espera-se que os partidos, pelo menos os sérios, compreendam a gravidade. Nada de surfar na crise, de politiquice. A imagem da Câmara não pode descer mais um milímetro. Que se ache um nome acima de qualquer suspeita, aceito por governo e oposição, para liderar sua recuperação moral e política. Outra lambança, como a da eleição de Severino, não dá.


Boris Casoy acrescentou, na Record:


– Se conduzir um processo despoluído, é a grande oportunidade da Câmara para se reerguer, escolhendo alguém que restaure a dignidade.


SEMELHANÇAS


Enquanto isso, no ‘Jornal da Globo’ e no ‘Bom Dia Brasil’, lá estavam FHC e o português Mário Soares, em tertúlia na embaixada em Lisboa. Da Globo:


– Eles são amigos desde a década de 70. Enfrentaram o exílio e foram presidentes. Soares é de novo candidato, mas aí terminam as semelhanças…’