Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Robinson Borges

RESENHA / MÍDIA RADICAL

“Mídias radicais lutam para que a história continue”, copyright Valor Econômico, 13/02/03

“?Mídia Radical – Rebeldia nas Comunicações e Movimentos Sociais?, De John D.H. Downing. Editora Senac, 544 págs., R$ 45.

Fórum Social de Porto Alegre, em janeiro: ?Temos mídias com vários enfoques e propostas, que, muitas vezes antevêem os fatos?, afirma Downing

Há pouco mais de dez anos, o escritor nipo-americano Francis Fukuyama escreveu o epitáfio das alternativas anti-capitalistas com o seu livro ?O Fim da História e o Último Homem?, no qual argumentava que a dissolução da União Soviética significava o término de uma era. Em seu livro ?Mídia Radical – Rebeldia nas Comunicações e Movimentos Sociais?, que acaba de ser publicado no Brasil, o ensaísta americano John. D. H. Downing volta à tese de Fukuyama, dizendo que o adeus à potência socialista implicou o encerramento de um período, mas não teve como conseqüência o silêncio diante do pensamento único.

Bons exemplos de resistência e da sobrevivência de uma ?utopia ampliada? são viabilizados no mundo globalizado, segundo Downing, pelas mídias radicais alternativas, que ganharam força nos protestos contra a Organização Mundial do Comércio, em Seattle (1999), e numa infinidade de outros movimentos, agora potencializados com a iminência de uma guerra dos EUA contra o Iraque. Nesse cenário, o Fórum Social Mundial tem papel de destaque e frases como a da escritora indiana Arundhati Roy soam como mantra revolucionário: ?Um outro mundo não só é possível como está a caminho?, disse a autora, em janeiro, numa mesa em Porto Alegre.

?Na época da Guerra Fria, havia um problema grave de compreensão da mídia. Havia a idéia de que o único meio alternativo era o produzido pela União Soviética em virtude da dicotomia ideológica. E isso não era verdade. Hoje, vivemos um momento de muita diversidade?, disse Downing, em entrevista ao Valor, por telefone. ?Temos mídias com vários enfoques e propostas, que, muitas vezes, antevêem os fatos, o que é fundamental para enfrentar a hegemonia americana, com suas ?majors? dominando o mundo?, continua.

O autor considera que a ação militar iminente dos Estados Unidos contra o Iraque é um exemplo apropriado da supremacia e do unilateralismo da grande mídia americana. ?Nos Estados Unidos, os meios de comunicação são totalmente favoráveis à guerra e, na Grã-Bretanha, o único órgão de imprensa que é contra uma ação militar é o ?Independent?, analisa. Ele destaca, porém, que não é preciso um conflito para que a postura parcial dos meios de comunicação seja realçada.

?O maior problema desse sistema midiático dos países centrais é a recusa em conhecer as opiniões do resto do mundo. Eles basicamente seguem as orientações da Casa Branca e de Wall Street. Funcionam como uma orquestra em que, ocasionalmente, apenas um ou dois instrumentos são ouvidos e os outros não têm como se expressar?, afirma. ?Não quero dizer que todas as coisas que a grande mídia produz são negativas. A falha é que ela não preenche lacunas que deveriam preencher?, prossegue.

Nesse contexto, o autor propõe que, ao contrário do que observava Fukuyama, o capitalismo deixou brechas e permitiu que ocorresse uma discordância entre os vários segmentos sociais excluídos do processo de integração das economias. De um lado estaria o mundo das corporações e na contramão estariam os representantes de vários segmentos de um mundo cada vez mais fragmentado. ?Não quero dizer que para toda ação há uma reação. Mas quando as pessoas percebem alguns valores se esvaindo, muitas delas vão se opor e vão desenvolver a oposição por meio da comunicação. Essa é a dinâmica atual?, diz.

O ponto de partida do autor para definir as mídias alternativas radicais é bastante heterodoxo. Segundo Downing, o conceito de meios de comunicação não se restringe aos tecnológicos, como rádio, TV, jornal e cinema. Na visão do escritor, as mídias radicais fogem da esfera hegemônica da indústria cultural e têm como caráter essencial algum tipo de intervenção crítica às posições dominantes. Ou seja, se encaixam na categoria midiática as canções populares, o grafite executado pelas gangues de jovens, o vestuário – as mídias têxteis-, o rock de garagem, o teatro de rua, os cartuns satíricos, a pornografia política, os vídeos caseiros, a internet, as rádios livres e outras expressões.

O fundamental para ele é que a comunicação seja sempre realizada entre pessoas ativas – ao mesmo tempo emissores e receptores -, que dão sustentação a tais meios. ?A mídia radical não tem o objetivo de ser ?mainstream?, de atingir milhões e milhões de pessoas – embora possa chegar a ser. Tem, muitas vezes, uma perspectiva local, com operações comunitárias. O que importa é que essa mídia se comunica dispondo de exemplos mais próximos de seu grupo e fala de necessidades que nem sempre estão na agenda das grandes corporações de comunicação?, comenta.

Em comum, os meios radicais alternativos têm o poder de romper regras, embora raramente ?quebrem todas elas, em todos os aspectos?. Essas mídias também são tipicamente de pequena escala e dispõem de poucos recursos. Downing aponta ainda que os radicais têm dois propósitos fundamentais. O primeiro é expressar verticalmente, a partir dos setores subordinados, oposição direta à estrutura de poder e seu comportamento. O segundo é obter, horizontalmente, apoio e solidariedade e construir uma rede de relações contrária às políticas públicas. ?Existe também uma tendência na organização interna de tentar ser mais democrática do que a mídia estabelecida?, observa.

O autor destaca como fenômeno recente os centros independentes de mídia. Trata-se de uma rede sem uma central de organização, que teve início em Seattle. Hoje já existem entre 80 e cem ao redor do mundo. A maioria está nos Estados Unidos e no Canadá, mas há alguns na América Latina e no Brasil. ?Esses centros oferecem informações e os profissionais fazem uma cobertura de assuntos nacionais e internacionais. Mas ali é possível obter conhecimento menos ideológico sobre o que ocorre no Oriente Médio, por exemplo. Essa é uma alternativa internacional e pública de mídia?, comenta Downing.

Mas há ressalvas. Mídia alternativa não é sinônimo de ações contra a hegemonia dos meios de comunicação nem de uma perspectiva progressista. Downing adverte que há muitas manifestações de mídia radical do tipo fundamentalista, racista ou fascista, que representam forças negativas e podem levar a sociedade a retroceder. ?O conceito de mídia alternativa não está ligado a uma ação positiva ou negativa. Mas, muitas vezes, ela pode ser uma saída importante para os que estão à margem?, diz.

Segundo Downing, a mídia alternativa radical não é um fenômeno recente, mas com o fim da dicotomia ideológica da Guerra Fria, tornou-se mais claro seu potencial de ação tanto hoje como no passado. ?Na verdade, eu recupero um ideal que nasceu nos movimentos de contra-cultura dos anos 60 e 70, como as rádios livres e o cinema marginal, mas o observo sob um viés mais libertário ideologicamente?, justifica.

Ao olhar para a história das mídias radicais, Downing resgata algumas passagens importantes, que nasceram de movimentos sociais com meios alternativos. De tais caldeirões podem emergir mudanças sociais e culturais em muitas direções: as revoluções de 1848 na Europa; a turbulência na Rússia no início do século XX; a República de Weimar; o movimento de libertação da Índia do domínio inglês e a efervescência internacional dos anos 60 e 70. ?Sem esses caldeirões, há estagnação, que pode levar, de fato, ao fim da história?, conclui o autor.”

 

CRÔNICA ESPORTIVA

“Calazans critica comentário de Alexandre Garcia”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 13/02/03

“Um comentário do jornalista Alexandre Garcia no programa ?Espaço Aberto?, da Globo News, provocou críticas de Fernando Calazans, em sua coluna publicada no jornal O Globo na terça-feira (11/02). Calazans disse que Garcia foi preconceituoso durante entrevista com o ministro da Educação, Cristovam Buarque. Eles conversavam sobre a leitura mais adequada para quem aprendeu a ler há pouco tempo. Para o ministro, o jornal pode ser uma leitura sofisticada para quem foi alfabetizado há não muito tempo, mesmo que a pessoa seja adulta. ?Mas quem sabe ele pode ler o esporte ou a polícia?, disse Garcia.

?Pois é: os tempos passam, mas o preconceito dos próprios jornalistas continua o mesmo?, escreveu Calazans sobre o episódio. A indignação foi tamanha que o colunista chegou a lembrar que, entre os muitos profissionais que escrevem nas páginas esportivas, estão poetas, dramaturgos, escritores e intelectuais. ?Podia também citar nomes de colunistas e repórteres que passaram e continuam passando pelo esporte (assim como pela polícia)… mas… pensando bem… pensando bem mesmo…. é melhor não perder o meu tempo?, disse Calazans.

Garcia disse a Comunique-se que não fará reparos ao que escreveu o colunista. ?Eu mesmo cobri esporte e polícia, no JB, antes de chegar à economia e depois à política. Não se trata de preconceito, mas de constatação. Nos jornais, o povo prefere a página esportiva e depois a página policial?, rebateu o jornalista da Globo.

?Não há diferença entre o mau uso da língua portuguesa. Assim como muitos dos coleguinhas de esporte, boa parte dos que cobrem política não foi apresentada à língua de Camões. O próprio Ministro da Educação, na entrevista citada, reclama que alguns articulistas são incompreensíveis?, comentou Garcia.

Procurado por Comunique-se, Calazans explicou que sua intenção não era fazer uma crítica a Alexandre Garcia, apesar de julgar sua declaração infeliz, e sim mostrar que esse preconceito contra as editorias de Esportes e Polícia ainda persiste em algumas redações. ?As outras editorias consideram que o Esporte é menor e que quem trabalha ali é menos instruído. É bom lembrar que alguns dos mais brilhantes textos, escritores e jornalistas nasceram da editoria de Esportes, como é o caso de Armando Nogueira e Sérgio Noronha?, exemplifica.

Leia o trecho do artigo de Fernando Calazans, publicado em 11/02 no jornal O Globo, intitulado ?Troca de papéis?, em que o autor critica a declaração de Alexandre Garcia:

?Alexandre Garcia estava entrevistando o ministro Cristovam Buarque no programa ?Espaço aberto?, da GloboNews.

Conversavam sobre alfabetização de adultos e sobre o tipo de leitura adequada para quem aprendeu a ler há pouco tempo. O jornalista mencionou a leitura dos jornais. O ministro fez uma pequena restrição:

– O jornal pode ser uma leitura um pouco sofisticada para quem foi alfabetizado há pouco tempo, mesmo sendo adulto.

Alexandre Garcia não hesitou:

– Mas quem sabe ele pode ler o esporte ou a polícia…

Pois é: os tempos passam, mas o preconceito dos próprios jornalistas continua o mesmo.

Eu podia enumerar aqui para o Alexandre Garcia, jornalista mais versado na política, a quantidade de escritores, dramaturgos, poetas, intelectuais que escreveram e escrevem nas páginas esportivas (assim como nas de polícia), e que, além disso, têm livros inteiros com textos sobre esportes. Podia também citar nomes de colunistas e repórteres que passaram e continuam passando pelo esporte (assim como pela polícia)… mas… pensando bem… pensando bem mesmo… é melhor não perder meu tempo.

Se bem que, a julgar pelo que li ontem num bravo jornal esportivo – jornal cuja leitura, aliás, faz parte do meu dia-a-dia – pode ser que o Alexandre Garcia esteja mesmo com razão.?”