SBT vs. GLOBO
"A TV do Silvio Santos vai passar a Globo. Logo, logo?", copyright Folha de S. Paulo, 23/12/01
"Jacinto Figueira Júnior, 72, cultiva a imagem que o tornou mito televisivo. Recebeu a reportagem da Folha, no prédio onde mora em São Paulo, calçado com seus inconfundíveis sapatos.
?O Homem do Sapato Branco?, programa e personagem, surgiu em 1966 e passou por Cultura, Bandeirantes, Globo e SBT. A última aparição foi no ?Aqui Agora?, jornalístico do canal de Silvio Santos exibido entre 1991 e 1997.
Hoje, Jacinto vive de uma aposentadoria de R$ 700 e diz não ter mais esperanças de voltar à TV. Vítima de um derrame no início deste ano, tem problemas de locomoção e ouve com dificuldade.
Criador do estilo levado adiante por Ratinho, Márcia e João Kléber, não vê qualidade nesses, que chama de imitadores. ?Eu boto eles no chão?, disse Jacinto na entrevista cujos principais trechos você confere a seguir.
Como surgiu o sapato branco?
Eu lia Friedrich Nietzsche e Schopenhauer e vi, em vários trechos, os homens que usavam sapato branco. Você sabe que não é fácil entendê-los, mas eu entendi. E os homens de sapato branco eram dentistas, médicos, enfermeiros, pessoas que, realmente, desejavam o bem dos outros. Então, eu botei o nome ?O Homem do Sapato Branco?.
O programa tratava de casos policiais?
De tudo. Ele era uma peneira, o que caísse de bom eu colocava no ar. Hoje, sou imitado por três ou quatro. O Ratinho é um que me imita. Se fosse nos Estados Unidos, estavam todos presos, pois lá não pode. Eles estão me copiando.
Além do Ratinho, quem o senhor acha que o imita?
Tem a Márcia, tem o João Kléber, que agora também começou a me imitar. Tem um outro cara de Curitiba que também está me imitando.
O Alborghetti?
Não, o Alborghetti até que é um bom cara, porque ele falou: ?Não esqueçam que quem começou tudo isso foi o Jacinto Figueira Júnior?. Mas o senhor Ratinho, o que fez? Pegou o ?Sapato Branco? e o Alborghetti e fez um programa para ele, ganhando a fábula que ele ganha. E não está certo. Fui imitado e sou imitado até hoje, mas só que eu não consigo mais espaço na TV. Eles não me querem de volta de jeito nenhum.
Por quê?
Eu boto eles no chão. Posso fazer o ?Sapato Branco?, mas diferente. Não faço o ?Sapato Branco? igual a eles. E seria o primeiro lugar novamente. Mas estou barrado e não acredito que vá conseguir mais nada. Não por causa dos donos, mas pelos produtores e pelos colegas.
Então tudo se resume a uma questão de medo da concorrência?
Lógico, concorrência. O medo deles é exatamente esse. Pô, esse cara aparecendo outra vez vai ser um problema terrível para nós. Não pode.
O senhor se considera injustiçado?
Com o quê?
Por estar hoje sem emprego, após sua carreira na TV. O senhor diz ter ajudado a Globo a ser líder no ibope…
Mas quem falou isso não fui eu. Foi o Walter Clark [1936-1997]. Em todas as entrevistas que deu e até em livro. Ele disse: ?Quem botou a Globo em primeiro lugar foi o ?Sapato Branco?. Todo mundo sabe disso, mas esqueceram, não interessa, porque era um programa popular. Mas a Globo vai acabar caindo nessa de popular outra vez, porque televisão hoje é isso. A Tupi foi a maior do Brasil. Acabou. Aí ficou quem? A Record. Quem acabou com a Record? Eu. Pois ela estava em primeiro lugar, em segundo estava a Tupi, em terceiro estava a Globo. Quando eu cheguei lá [à Globo] eu dava 60 de audiência. Então, eu a coloquei em primeiro lugar. Quando ela ficou em primeiro e não precisavam mais de mim, acabou o contrato. É um ciclo. A TV do Silvio Santos vai passar a Globo. Logo, logo. E ela terá de voltar a ser popular para conseguir sobreviver."
***
"Fãs fazem seu próprio ?domingo legal?", copyright Folha de S. Paulo, 23/12/01
"Eles não vão topar tudo por dinheiro nem viver um dia de princesa (ou príncipe). Mas, aos domingos, deixam a TV desligada e se dirigem ao SBT. Para a portaria da emissora, mais exatamente. Buscam um contato próximo com os ídolos da programação do canal de Silvio Santos e seus convidados, que chegam e saem da sede do SBT à margem da via Anhanguera, em Osasco (SP).
Fernando Luz Machado, 11, afirma ir todo domingo. Não é difícil de acreditar (nas duas vezes em que a reportagem esteve no local, o garoto compareceu).
Desinibido, puxa conversa com todo mundo e é uma espécie de ?guia de programação? da portaria: sabe quais os carros dos artistas, em que horários eles costumam chegar, quando os programas entram no ar.
A insistência tem um motivo: conhecer o apresentador do ?Domingo Legal?, Augusto Liberato, o Gugu. ?Não quero dinheiro, casa, carro. Só quero dar um abraço nele?, diz Fernando, que fica desacompanhado na frente da emissora, mas afirma ter o consentimento dos pais em suas aventuras dominicais.
Mais ?participativa?, Maria Aparecida Franco Cybis, 49, costuma ir com as filhas, Michelly (10) e Suelen (15). O objetivo delas era ver os rapazes do grupo KLB, que estariam no ?Domingo Legal?.
Para Maria Aparecida, a visita funciona como um ?programa? de final de semana. ?Almoçamos e depois viemos para cá. Aqui é o melhor lugar para conseguir falar com eles [os artistas?, disse.
As três também levaram para o passeio Kika, uma calopsita -espécie de periquito- que é a ?filha do Kiko?, o ?k? do KLB, nas palavras das meninas.
Outra fã do trio pop, Danielly Martinês, 17, afirma que é melhor estar na portaria que no estúdio de gravação. ?Aqui dá para abraçar, conversar?. Quanto ao calor, falta de lugar para sentar e de abrigo em caso de chuva, ela diz: ?No começo é ruim, mas depois você se acostuma. Quando o KLB vem, estamos aqui?.
Entretanto, muito além da ?devoção? ao trio, o que parece importar mesmo é ?tietar?. Prova disso foi o tumulto gerado pela chegada da cantora Wanessa Camargo -a única a parar o carro e baixar o vidro para falar com os fãs durante o período em que a reportagem esteve diante da entrada do SBT.
Portaria do SBT é espaço para a reunião de fãs em busca da atenção de seus ídolos; local ainda serve como ponto de encontro de desesperados à espera de ajuda
Mães, adolescentes e até quem há pouco afirmara ter os meninos do KLB como ídolos únicos se espremeram contra a porta do veículo para chegar perto da filha de Zezé di Camargo.
Todas as idades Engana-se quem acha que esse ?programão? dominical é coisa só de adolescentes (e seus acompanhantes). Há uma presença considerável de donas-de-casa, mães de família, na portaria da emissora. Já o número de homens é quase nulo.
?O [cantor sertanejo] Daniel é a minha paixão. Já vim outras vezes para vê-lo e é uma diversão?, diz Silvana Godói Garcez, 31. Ela deixou os três filhos em casa, com o marido, para tentar ver seu ídolo.
Elisabete Canossa, 42, também queria ver o sertanejo Daniel e o grupo KLB. Ela afirma morar a cinco minutos de caminhada da sede da emissora e ser frequentadora assídua da portaria.
Diz ainda que o marido é ?liberal? e não se importa com as escapadelas dominicais. ?Mas aqui ele não vem, não.?
Acompanhada pela filha Viviane, 20, foi uma das poucas a não se abalar com a chegada de Wanessa Camargo, mas elogiou a atitude da cantora. ?Se tem quem gosta deles aqui, eles devem parar.?
Quero entrar Claro que algumas pessoas não se contentam simplesmente com o entra-e-sai de celebridades.
As amigas Branca Maria, 23, e Lídia Lima, 24, viajaram de ônibus de Belo Horizonte (MG) a São Paulo para tentar participar de algum dos programas realizados ao vivo no SBT. Chegaram à capital paulista no sábado, se hospedaram em um hotel e, domingo, tentavam uma chance na portaria da emissora.
?Já ligamos várias vezes e não conseguimos vaga. Achamos que pessoalmente seria mais fácil, mas não funcionou. Agora, volto para casa desiludida e não tenho a menor vontade de tentar de novo?, afirmou Branca.
Mas, se a possibilidade de não conseguir entrar sem ter combinado a visita antes era grande, por que arriscar? ?É uma aventura vir para cá, ter alguma chance de conhecer os estúdios, ver os artistas?, responde a mineira."
***
"Assistencialismo é outro atrativo", copyright Folha de S. Paulo, 23/12/01
"Além da ?tietagem?, problemas financeiros e de saúde movem um sem-número de pessoas até a porta do SBT (e, certamente, de outras emissoras).
Um rapaz diz não transpirar e afirma necessitar da ajuda de Gugu para viver; a dona-de-casa perdeu o 13? salário do marido no bingo e pretende recuperar o dinheiro através da TV; um ex-presidiário acredita que conseguirá no canal o emprego negado em outros lugares.
Em comum, todos têm a esperança de um auxílio quase milagroso, alimentada pelo caráter ?assistencialista? de parte da programação.
Excepcional, pelo rocambolesco, é o relato de Lenice Tavarez Batista, 39. Ela deixou o marido doente em Feira de Santana (BA) e enfrentou 28 horas de viagem de ônibus. O valor da passagem (R$ 108), conseguiu em uma ?vaquinha? feita por vizinhos. Para se manter em São Paulo, arrecadou mais um pouco entre os passageiros, durante a viagem.
Sem ter onde ficar, Lenice disse ter contado com a solidariedade de uma companheira de ônibus, até então uma estranha, para obter hospedagem. Ainda assim, afirmou ter passado uma noite na estação Barra Funda do metrô, após perder o horário de funcionamento dos trens depois de uma visita à Record.
?Meu marido era motorista, mas tem glaucoma, deixou de enxergar direito e não sai mais da cama. Não conseguimos concluir a reforma da nossa casa, e o moço da loja de material de construção já ameaçou a gente por causa da dívida?, contou ela, que vende caldo-de-cana.
Além das roupas, Lenice trouxe de Feira de Santana uma lista com telefones e endereços das emissoras Record, Bandeirantes, Rede TV! e, claro, SBT.
?Eu só volto quando conseguir o que vim buscar. Alguém aqui tem de resolver meu problema?, disse Lenice."
"Poder pode tirar hegemonia da Globo mais que sucesso dos rivais", copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 24/12/01
"Não será surpresa para esta coluna se o episódio Casa dos Artistas for mesmo o ponto de inflexão da velha hegemonia da Rede Globo. Quem viver, verá.
Sem querer comparar as, vá lá, virtudes e os defeitos de acordo com as leis do entretenimento, o que inflou a audiência do SBT desde o início foi um fator clandestino, insidioso, cuja ficha ainda não caiu para a Vênus Platinada. Chama-se poder.
A Globo tem o requinte técnico de um atacante à moda do Luís Figo, mas entra em campo chutando canelas ao estilo de um Chicão.
A guerra de liminares (as da Globo, providenciadas junto a um juiz em Osasco) configurou um conflito do tipo Golias versus Davi.
O espectador não entrou no mérito: tanto fazia que alguns remotos holandeses tivessem formatado o programa antes.
Ficou feio para a emissora dos Marinho, que já tinha fama de jogar bruto toda vez que se vê diante de um competidor à altura.
Ficou feio perceber, de repente, que é assim, sempre foi, a cultura da Rede Globo, mistura de competência com arrogância, no melhor espírito do para nós, o privilégio, para os inimigos, a lei.
Não dá para entender – para continuar na metáfora – que os verdadeiros donos do futebol tenham sido poupados na CPI do futebol. Senadores e deputados morrem de medo do poder dos telejornais. O povão, talvez já não.
Um detalhe a mais: o que a Globo conseguiu com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, prorrogando seu contrato, foi deixá-lo de quarentena um pouquinho mais.
O Boni é hoje declaradamente amigo dos inimigos de quem paga seu milionário holerite. Imaginem o dia em que, proclamada sua alforria, o Boni anuncie que vai fazer dobradinha com Sílvio Santos. É possível que não fique um só televisor ligado na Rede Globo."