Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Romance de uma vida

ARMAZÉM LITERÁRIO

Autores, idéias e tudo o que cabe num livro

MINO CARTA

Leneide Duarte

Castelo de âmbar, de Mino Carta, Editora Record, 400 páginas, preço não definido

Castelo de âmbar não é um acerto de contas com desafetos, garante o jornalista Mino Carta. Mas seu primeiro romance, lançado no fim de novembro no Rio e em São Paulo, é ácido e não poupa alguns personagens reais. Mino sabe ser cruel com jornalistas e políticos de quem não gosta. E essa arte ele exercita com uma competência absoluta, apoiada num primoroso texto de quem viveu toda sua vida de escrever, apesar de ter namorado, durante um tempo, com a carreira de pintor, com algum sucesso.

É bem verdade que Mino nunca escreveu um romance. Mas foi durante todos os seus 65 anos um jornalista brilhante, com uma carreira que teve início na cobertura da Copa do Mundo para o jornal italiano Il Messagero. Italiano nascido em Gênova, Mino diz que aprendeu jornalismo com seu pai, Giannino Carta, que trabalhou muitos anos no jornal O Estado de S.Paulo. Em sua carreira, Mino acumulou uma experiência que inclui a criação de vários órgãos da imprensa brasileira, entre eles as revistas Veja, Istoé, Quatro Rodas e o Jornal da Tarde, além da revista CartaCapital, que dirige atualmente.

No romance, Mino resolveu contar toda a sua experiência como jornalista e criar uma ficção que tem como base as histórias que viveu, num cenário que é uma cidade sem nome, num país que é mas não é o Brasil. É claro que todos os personagens correspondem a pessoas reais, vivas ou mortas. Os nomes trocados não enganam. As descrições do caráter ou da própria aparência física ajudam o leitor a identificar o jornalista ou o político de quem o autor está falando. Jânio Quadros, João Goulart, Sarney, Collor, Maluf, Lula e Fernando Henrique, todos estão lá. E há Geisel, Figueiredo e Golbery também. Há o lado obscuro da ditadura, o reino da tortura e dos torturadores como o delegado Fleury, e dos torturados, como o jornalista Vladimir Herzog. E há os jornalistas medíocres ou geniais com quem Mino teve a oportunidade de conviver. É claro, também, que nem todo leitor conseguirá descobrir os verdadeiros personagens que se escondem por trás de pseudônimos propositalmente pitorescos e, muitas vezes, nada sutis. Mas isso não vai comprometer em nada o prazer da leitura. Os que conseguirem vão achar mais graça, os que não identificarem o verdadeiro inspirador do personagem não deixarão de se deliciar com as histórias, muitas vezes comoventes, outras beirando o grotesco ou a farsa.

O livro é, pois, um roman à clef ; mas Mino prefere chamá-lo de sátira à clef, já que o tom é permanentemente satírico. Só há um momento em que o livro muda de tom. O registro romanesco-ficcional dá lugar a uma história sobre Mino Carta e seus antigos patrões, os Civita. Esse momento é uma espécie de adendo, bem no centro do romance, ao qual o autor dá o título de "Um conto, apenas". Nele, são narrados os dois anos críticos da crise da Veja, em 1974 e 1975, que resultou no pedido de demissão do jornalista.

Mino Carta diz que resolveu usar esse recurso do conto depois de ter lido um livro que ele reputa de daninho, Notícias do Planalto. Segundo ele, o livro de Mario Sergio Conti, que não é poupado em Castelo de âmbar, é uma tentativa de demonstrar "que o senhor Collor foi criado pelos jornalistas, quando na verdade o senhor Collor foi criado pela elite nativa. Os jornalistas, eventualmente, são os lacaios da elite nativa, mas ela é que manda", diz Mino. Ele resume seu livro como sendo sua visão de mundo, da política brasileira e do jornalismo dentro da política brasileira.

O jogo de descobrir quem é quem no Castelo de âmbar vai ser, sem dúvida, o passatempo da maioria dos jornalistas brasileiros nas próximas semanas.

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