"Uma rebelião sem armas na Internet chinesa", copyright O Globo, 15/10/00
"Uma rebelião silenciosa, formada de bits e dados percorre a China. Ela não está nas praças ou nas ruas, mas nos computadores, pelos quais os usuários da Internet tentam furar o bloqueio do Governo para ter acesso aos mais diferentes tipos de informação.
Hoje existem aproximadamente 17 milhões de internautas na China, mas até o final do ano deverão ser 20 milhões. E embora a ciberpolícia (agentes que trabalham exclusivamente com a Internet) procure vigiar o que aparece nos sites ou na correspondência eletrônica dos chineses, dificilmente consegue observar todos, todo o tempo.
– Tecnicamente, é possível vigiar os usuários. Mas o volume do tráfego de informações torna essa prática inviável – avalia Ivan de Moura Campos, representante do Brasil na International Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), o órgão administrativo mundial da Internet.
As formas de burlar a vigilância são muitas. Se o Governo vigia os provedores chineses, os dissidentes buscam endereços eletrônicos estrangeiros, fora do alcance da vigilância. Segundo um relatório da Embaixada dos EUA em Pequim, milhares de boletins eletrônicos com conteúdo político são enviados mensalmente, sempre tomando o cuidado de mudar constantemente o computador de origem para evitar a localização. Outro método utilizado é o de redirecionamento de conexões e a criptografia (escrita em código, proibida pelo Governo).
– É difícil prever se a Internet ajudará a promover mudanças políticas na China – diz Mickey Spiegel, consultora da Divisão Asiática da organização de direitos humanos Human Rights Watch. – Mas ela permite o acesso a livros e outros materiais do exterior que jamais chegariam à China.
Se o impacto da Internet na política chinesa ainda é uma incógnita, no comportamento já começa a ser observado, causando modificações na maneira de comprar, vestir e no relacionamento entre as pessoas.
– Essa geração que nasceu após 1974, conhecida como Xtay, tem mais acesso à informação e uma visão muito mais ampla da sociedade. O chinês é muito convencional. Até a aproximação para o namoro parece ter ficado mais fácil – conta Li Weigang, professor de ciência da computação na Universidade de Brasília (UnB), que vive no Brasil há 11 anos e visitou a China em 1998.
Para tentar controlar o que os internautas vêem na rede, o Governo chinês lançou no mês passado uma série de medidas reguladoras que proíbem a veiculação de crenças religiosas e de qualquer material considerado subversivo ou pornográfico. Além disso, provedores serão responsabilizados pelo conteúdo das páginas e do correio eletrônico de seus clientes.
– Isso é um estímulo para os provedores vigiarem o que seus clientes estão fazendo e relatarem às autoridades chinesas – acredita Mickey Spiegel. – Isso também dificultará a comunicação entre organizações rebeldes em regiões isoladas do país.
Mesmo sem poder vigiar todos os internautas, a ciberpolícia já prendeu diversas pessoas acusadas de subversão. Num dos casos mais famosos, Lin Hai se tornou o primeiro prisioneiro da Internet, em março de 1998. Ele foi preso por disparar milhares de e-mails com idéias pró-democracia e sua homepage, Free.china, fechada.
Mais recentemente, Xi An Chang também foi preso. Ele escreveu o livro ‘Colapso da China’ e resolveu tornar disponíveis alguns capítulos pela rede. Em outro episódio, a polícia descobriu em junho o site de Fon Xi, de Sichuan, com homenagem aos mortos no massacre da Praça da Paz Celestial.
Entre os sites bloqueados, no país e no exterior, estão principalmente as páginas sobre direitos humanos, o Tibete e sobre a Falun Gong, um movimento de meditação e de exercícios, que já tem de 70 milhões a cem milhões de praticantes na China.
Liping Yang deixou a China há quatro anos para cursar doutorado em engenharia industrial na Universidade de Stanford, nos EUA. Praticante da Falun Gong, formou um grupo de estudos para divulgar o movimento. A Falun Gong encontrou na Internet uma ferramenta para alcançar os praticantes chineses, onde é perseguida.
– As medidas do Governo chinês podem dificultar a comunicação, mas certamente vamos furar o bloqueio à Internet – disse ele ao GLOBO, numa entrevista pelo telefone.
A China já provou que poderia se abrir para a economia de mercado sem abrir mão do comunismo. Agora enfrenta o desafio de implantar a grande rede, mas mantê-la sob seu controle. Uma das medidas decretadas pelo Governo é que a participação do capital estrangeiro nas empresas.com não excederá 49%.
– O Governo sabe que precisa de capital estrangeiro para crescer, mas quer estimular a iniciativa local. A China investiu US$ 110 milhões na criação de linhas telefônicas nos últimos dez anos. Ela tem muito interesse na Internet – explica o ex-embaixador Amaury Porto de Oliveira, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP)."
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