TELEJORNALISMO EM CLOSE
Paulo José Cunha (*)
Uma pesquisa da Associação Americana de Jornais citada por Ricardo Noblat em seu A arte de fazer um jornal diário revela que, de 1997 a 2000, houve queda de 14% no índice de audiência dos telejornais nacionais e mundiais, denunciando uma espécie de fadiga do formato, fenômeno já identificado nas telenovelas brasileiras e programas de entretenimento.
Na verdade, pouco tem sido feito para trazer brisa nova ao formato telejornalístico padrão que se realiza no Brasil e no mundo. Claro que a fórmula do âncora no estúdio chamando reportagens de telerrepórteres que narram acontecimentos em off com ou sem passagens ao vivo é um sucesso. Só que mesmo o sucesso cansa, pesa, enfada e, o que é pior, afugenta audiência ? quer dizer: anunciantes, quer dizer: faturamento, quer dizer: mercado de trabalho. Além de oferecer uma sensível contribuição à alienação da opinião pública, pela migração inevitável via zapping para os nichos de entretenimento.
Boa parte da culpa pelo quadro pode ser debitada à conta de todos os que fazemos telejornalismo. O mea-culpa começa pelas concessões descaradas e perigosas ao entretenimento em desfavor da boa, velha e insuperável reportagem. Concessão que se estende ao fascínio infantil pela tecnologia, como se ela, por si só, superasse a crise de conteúdo de credibilidade nos telejornais que rola por aí. Um bom exemplo é a desenvoltura com que âncoras e repórteres se embevecem com as engenhocas eletrônicas e os efeitos especiais (este trecho é para ser lido sob imagens de Vinícius Dônola sobre o mapa virtual do Oriente Médio).
Sem falar na crise da ousadia. Há um terror pânico de ousar, um receio aterrador da possibilidade de errar, mesmo que o risco de errar envolva a possibilidade de acertar pelo rompimento de paradigmas e a criação de novos formatos. Ou seja: ninguém está querendo errar, nem que seja errar para melhor. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Mas todo dia enjoa. E em televisão, como se sabe, se alguma coisa está dando certo é porque precisa mudar. E quando alguma coisa começa a não dar mais certo está causando prejuízo.
Aulinhas maneiras
O que vem acontecendo é que, em lugar da boa, velha e insuperável reportagem ? uma atividade um tanto dispendiosa e arriscada, mas que se renova por si mesma ? a preferência vem recaindo no caldo de galinha das fórmulas "consagradas". Ou, o que é pior, para suprir a lacuna aberta com a ausência da reportagem, apelou-se para o marketing de vendas. Nos jornais, este marketing se concretiza nos brindes anexados às edições para botar um gás nas baixas tiragens; na televisão são os brothers com seus prêmios milionários, deslocando inclusive repórteres conceituados para atribuir-lhes a aura da credibilidade.
A reportagem de investigação, em razão disso, vem sendo empurrada inapelavelmente para espaços alternativos, logo ela que no passado ocupava orgulhosamente o centro do palco em soberbas produções no Globo Repórter ou nos cadernos especiais dos jornalões.
A conseqüência mais danosa desta inversão que vem privilegiando o entretenimento ? cujas matrizes já invadiram danosamente o espaço do telejornalismo ? é a ausência de iniciativa em favor da formação de público. Sim, porque se há uma crise de público para a produção nacional de cinema, por exemplo, é igualmente preocupante a ausência de cuidado quanto à formação de uma nova geração telespectadores de telejornais. Sob pena de, em pouco tempo, a curva descendente de audiência ? cuja ponta do iceberg?são aqueles 14 por cento ? sofrerem uma inflexão cada vez mais perigosa. No ritmo que a coisa vai, as reportagens investigativas cada vez mais estarão relegadas ao cinema-documentário de Eduardo Coutinho e Vladimir Carvalho, ou aos livros-reportagem de Caco Barcelos e Carlos Dornelles.
E os jornalistas darão lugar aos "brindornalistas" do futuro, que em vez de faculdades de Comunicação vão precisar apenas de um bom curso de promoção de vendas. Ou de um treinamento para conduzir um desses big-brothers. O Zeca e o Bial dariam umas aulinhas bem maneiras. Já sabem muito bem como é que faz.
(*) Jornalista, pesquisador, professor da professor da Faculdade de Comunicação da UnB. Este artigo é parte do projeto acadêmico "Telejornalismo em Close", coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <pjcunha@unb.br>