RÚSSIA
"Jornalismo, profissão de altíssimo risco", copyright O Estado de S. PauloThe New York Times, 19/5/02
"Nesta capital russa de carros e crimes, onde assassinatos sob encomenda ocorrem com a freqüência de um por semana, Valery Ivanov, jornalista de caneta afiada forte noção de dever para com a população, tinha muitos inimigos.
Recentemente o jornal de Ivanov, Togliatti Review, publicou uma série de artigos sobre uma quadrilha local. Os artigos descreveram um surto de mortes sob contrato e despertaram atenção para as ligações da quadrilha com a polícia local. Foram os últimos artigos de Ivanov. Quando o repórter de 32 anos saía de seu apartamento na noite de 29 de abril, um pistoleiro deu-lhe sete tiros diante de alguns vizinhos assombrados.
Ivanov não foi o primeiro. Desde 1995, três outros jornalistas foram mortos nesta cidade de 700 mil habitantes onde fica a maior fabricante de carros da Rússia, a Avtovaz. Outro jornalista morreu num incêndio suspeito numa delegacia policial na vizinha Samara, onde são mantidos arquivos sobre corrupção na Avtovaz.
Dez anos depois de a Rússia iniciar seu instável afastamento do comunismo, é muito perigoso ser jornalista no país. Contrastando com as bem divulgadas rixas entre o Kremlin e a rede de televisão independente NTV, os assassinatos ocorrem principalmente longe dos olhos da população, em cidades de província como Togliatti, onde a nova classe de bandidos impõe uma forma de censura mais brutal do que a existente nos tempos soviéticos.
Uma classe de gângsteres floresceu em meio à falta de leis e no caos que tragou a Rússia depois que a União Soviética desabou. Eles compraram com freqüência todo o aparato da polícia local, promotores e juízes, que receberam subornos para complementar seus salários de fome. Em cidades como Togliatti, cercada por fábricas de produtos químicos a oeste e pelos principais cinturões de produção automobilística da Rússia a leste, grupos de criminosos compraram impunidade.
Agora, poucos jornalistas ainda pensam que investigar corrupção compensa o risco. Um programa de doações financiado por estrangeiros que concede entre US$ 1 mil a US$ 2 mil a jornalistas investigativos não está encontrando este ano tantos interessados quanto no ano passado.
?Estou sentado em cima de dinheiro, mas não existe uma só pessoa a quem dá-lo?, disse Leonid Kimitinski, veterano repórter baseado em Moscou que administra as doações. ?O estado de espírito mudou. O jornalismo investigativo é um gênero muito duro.?
Ivanov havia desistido da faculdade e se tornara jornalista no início dos anos 90, quando guerras entre quadrilhas irrompiam em Togliatti, um centro de criminalidade na Rússia, porque a prefeitura controla o lucrativo mercado automobilístico. Aqui, só em 2000 houve em média um assassinato sob encomenda por semana.
Em 1996, Ivanov fundou o Togliatti Review, tablóide repleto de informações sobre escândalos que descobria inúmeras ligações entre gângsteres e o governo municipal. ?Valery começou a divulgar a verdadeira vida de Togliatti, que nenhum jornalista havia tocado por ser assunto perigoso demais?, disse Aleksandr Drobotov, presidente da câmara municipal. ?Ele dizia: ?Vocês, cidadãos, elegem o governo para administrar o orçamento municipal, mas não fazem idéia de como o dinheiro é gasto.? Ninguém havia apresentado a questão desta forma antes.?
Em 1998, uma denúncia sobre US$ 30 milhões que estavam faltando nos cofres do município fez com que o prefeito fracassasse em sua tentativa de reeleição. Um artigo sobre uma série de assassinatos sob encomenda enfureceu os chefões do crime, que advertiram Ivanov no final de março de que ele podia ser morto.
?Nossas fontes começaram a dizer-nos: ?Vocês são idiotas? Por que estão escavando ali??, contou Aleksei Sidorov, subeditor do jornal e melhor amigo de Ivanov desde os tempos de faculdade. ?Não levamos aquilo tão a sério.?
Ivanov interferiu novamente nos interesses do grupo de criminosos com uma investigação sobre compras de combustíveis pela prefeitura. Um grupo controlava o mercado de combustíveis em Togliatti e vendia gasolina à prefeitura a preços inflacionados e embolsava diferença. O jornal denunciou a prática, e as autoridades municipais quase o fecharam. Sidorov suspeita que foi essa a causa da morte de Ivanov.
?Penso que a prefeitura sabe de tudo?, disse Sidorof – acusação que Aleksandr Loginov, um auxiliar do prefeito, desmentiu energicamente. O promotor informou que 50 pessoas foram interrogadas, incluindo nove testemunhas. Até agora, ninguém foi preso. Sidorov destacou que o prefeito estava em férias por ocasião do assassinato.
Governos municipais são com freqüência lentos nas investigações, e nada anda rápido em nenhuma máquina administrativa na Rússia. Mas isso é especialmente verdadeiro quando se trata de jornalistas assassinados. Aleksei Simonov, da Fundação de Defesa Glasnost em Moscou, calcula que desde 1994 cerca de 90% das mortes de jornalistas não foram elucidadas.
Dmitri Kholodov, jornalista que investigava corrupção nas Forças Armadas, foi morto pela explosão de uma bomba em 1994. O jornal em que trabalhava, Moskovsky Komsomolets, que tem uma das maiores tiragens na Rússia, exigiu uma investigação, que se arrastou por dois anos num tribunal militar especial.
?O governo não quer admitir sua culpa nessas mortes?, disse Pavel N. Gusyev, chefe de redação do Moskovsky Komsomolets. ?Administrações municpiais notam que o governo federal está olhando para outro lado, não exigindo apuração desses casos. Isso cria impunidade. Jornalistas têm a boca amordaçada quando tentam falar de corrupção no governo.?
Na cidade siberiana de Chita, Vitaly Cherkasov, policial transformado em jornalista, sentiu recentemente o gosto da vitória. Cherkasov, de 36 anos, escreveu um artigo que criticava o promotor do município por encerrar discretamente um processo criminal contra um mafioso local que tinha boas ligações.
O promotor ameaçou tomar providências legais contra o jornal de Cherkasov, mas o clamor popular e a atenção dispensada pelo governo de Moscou forçaram-no a recuar e reabrir o caso. Em abril, Cherkasov recebeu um prêmio americano de jornalismo, batizado com o nome do falecido jornalista investigativo Artyrom Borovik.
Autoridades russas ?estão sob o controle de grupos criminosos?, disse Cherkasov. ?É uma crise que todo mundo nota, mas sobre a qual ninguém quer escrever. As pessoas estão adormecidas. Minha obrigação como jornalista é despertá-las.?
Em Togliatti, Sidorov informou que seu jornal continuaria fazendo as perguntas incômodas que parecem ter motivado a morte de seu amigo. ?Se os matadores pensaram que sem Valery o problema acabaria, estão enganados?, disse Sidorov. ?Não vamos silenciar. Eles não podem matar todos nós.?"
INGLATERRA
"Reino Unido vai abrir setor de comunicação", copyright O Globo, 17/05/02
"Uma revolução na indústria das comunicações está em curso na Grã-Bretanha. O governo trabalhista britânico pretende revigorar e dinamizar o mercado, removendo várias barreiras protecionistas que ainda hoje impedem sua expansão. Além da desregulamentação do mercado de mídia eletrônica (TVs e rádios), a grande novidade prevista no projeto é a permissão para que empresas estrangeiras não pertencentes à União Européia também ingressem no cobiçado mercado britânico.
Medidas atraem gigantes da mídia como Rupert Murdoch
As principais medidas do projeto são: abertura da participação acionária da ITV, maior emissora comercial do país, com 25% da audiência; permissão para que donos de uma rádio comercial nacional adquiram outras concessões; permissão para parcerias comerciais entre donos de rádio e TVs; permissão para que donos de jornais comprem o Canal 5 ou emissoras de rádio; e permissão para que empresas não pertencentes à União Européia ingressem no mercado das comunicações da Grã-Bretanha.
Elaborado em conjunto pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esportes e pelo Departamento de Comércio e Indústria, o projeto já está tramitando na Câmara dos Comuns. Anunciado na semana passada pela ministra da Cultura, Tessa Jowell, o pacote, que abre o mercado britânico, pondo fim a uma década de protecionismo contra a concorrência externa, está sendo considerado renovador.
– A antiga regulamentação sobre a atuação no mercado nos envia um claro sinal de que a Grã-Bretanha não está aberta para investimentos em nossas indústrias das comunicações. Essas normas reguladoras são opacas, discriminatórias e ainda preservam sanções imorais. Nossas indústrias precisam de novo sangue, nova concorrência – disse a ministra.
A ITV tem atraído a atenção do capital externo. A empresa é operada pelas produtoras Granada e Carlton TV. Com o novo projeto de lei das comunicações, o interesse dos grupos externos aumenta consideravelmente, sobretudo porque o projeto restringe a participação do mercado nacional na ITV.
Se as novas medidas forem aprovadas pelos parlamentares, qualquer grupo financeiro que controle mais de 20% do mercado nacional da indústria gráfica, por exemplo, não poderá adquirir ações da ITV. É o caso do empresário Rupert Murdoch, australiano naturalizado americano que sempre esteve de olho no mercado tradicional de emissoras de rádio e TVs britânicas. Por outro lado, de acordo com as novas medidas, ele poderá agora concretizar um velho sonho: tentar adquirir o controle acionário do Canal 5, com o fim das restrições que impediam os donos de jornais britânicos de adquiri-lo."
FRANÇA
"Lições francesas", copyright Comunique-se, 14/05/02
"A cobertura das últimas eleições na França foi generosa ao ratificar o que vêm dizendo os críticos do que já chamei num outro artigo de hegemonia do pensamento de esquerda mundial.
Tudo, mas absolutamente tudo o que foi escrito sobre a participação de Jean-Marie Le Pen no evento confirmou a uniformidade deste pensamento entre os jornalistas, cada vez mais presente nas reportagens, e na edição da correspondência internacional feita a partir da Europa ou dos Estados Unidos. O resultado mais visível numa simples análise dos textos é seguinte: os jornalistas estão trocando o relato imparcial pelo comentário pessoal.
No Brasil, a imprensa vacilou entre a ingenuidade, a ignorância e o cinismo. Ingenuidade pelo esforço em alinhar-se tão rapidamente ao ?espírito democrático? supostamente ameaçado por Le Pen. Ignorância por desconhecer fatos históricos recentes e cinismo por achar que sua preferência ideológica poderia ficar oculta durante a cobertura apesar da sua cristalinidade.
Mas, afinal, vamos aos fatos em si. O horror demonstrado na face pelos partidários de Lionel Jospin diante da derrota do ex-trotskista logo no primeiro turno para Le Pen transbordou para os jornais não como sentimento a ser descrito mas a ser partilhado por aqueles que deveriam apenas relatar os acontecimentos. O resultado foi um show de parcialidade alguns dias antes do próprio Chirac deixar de ser o candidato da ?direita? para ser o candidato ?conservador?, uma sutil transmutação ideológica geralmente não percebida pelo leitor em geral e realizada pela mídia para torná-lo palatável diante do monstro representado por Le Pen.
O correspondente do jornal O Globo em Paris, por exemplo, depois de tentar tratar o duelo entre Chirac e o candidato da extrema-direita (sabe-se lá o que significa isso) com um mínimo de imparcialidade, o que não conseguiu, é claro, desvencilhou-se das meras aparências depois do segundo turno num suplemento do jornal onde pôde mostrar verdadeiramente o que pensa, embora não fosse preciso fazer isso.
O jornalista relata um encontro com o próprio Le Pen em que este teria-lhe repetido suas idéias racistas e fascistas. Pelo menos eu nada li que esclarecesse as acusações contra o candidato, como a de que gostaria de expulsar os imigrantes da França quando se sabe que o que ele quer é mandar para casa apenas os que estão ilegais no país, coisa absolutamente possível em qualquer estado de direito. O Brasil faz isso com os chineses e ninguém chama FHC de racista.
O que o correspondente de O Globo fez, em resumo, foi desprezar a fonte porque ela representa para ele um demônio que merece o ostracismo midiático. E para os leitores? Também?
Na Folha também se pisa muito na bola e não apenas no que diz respeito estritamente ao noticiário eleitoral francês. Recentemente, durante um quebra-quebra em Paris, o correspondente do jornal da Barão de Limeira por lá depois de relatar com minúcias o ocorrido decidiu omitir a origem dos desordeiros, filhos de imigrantes árabes ressentidos. Preferiu render-se ao politicamente correto que condena quem ouse falar mal dos imigrantes a nomear os verdadeiros autores dos incidentes.
Voltando a Le Pen, o veterano correspondente do Estadão, descobriu que o adversário de Chirac teria torturado na Argélia. A fonte é o depoimento de um argelino publicado há quase 20 anos e que foi condenado na época por difamação.
Por isso eu digo: os jornalistas ignoram a capacidade de independência de seus leitores no Brasil, tomando-os ora como cúmplices de uma revolta contra o ?fascismo?, ora como companheiros de luta pela democracia, curiosamente ameaçada apenas quando os candidatos de sua preferência perdem as eleições, como foi o caso de Lionel Jospin."