NORMAS DE REDAÇÃO
Luís Edgar de Andrade
Nada talvez tenha causado tanto mal à língua portuguesa, na imprensa brasileira, durante o século passado, do que um breve conselho sobre o título das notícias que o jornalista Pompeu de Sousa introduziu, com a melhor das intenções, 50 anos atrás, no manual de estilo do velho Diário Carioca: "Reduzir o emprego do artigo ao estritamente necessário". Pompeu tinha acabado de fazer um estágio nos Estados Unidos, onde os jornais não usam o the nas manchetes. Por causa dessa norma, cumprida ao pé da letra pelos desavisados, alguns apresentadores de telejornais e locutores de rádio iniciam ainda hoje suas notícias, no Brasil, com uma série de frases truncadas em estilo telegráfico.
A partir do Diário Carioca, todos os jornais brasileiros foram nessa onda – menos o Jornal da Tarde, criado em São Paulo no final dos anos 60. Até o Manual de Redação e Estilo do jornal O Globo, excelente pela concisão, exatidão e simplicidade, reproduz a norma do DC: "Não se usam artigos definidos e indefinidos em títulos, exceto quando isso for indispensável ao sentido". Quando saiu a primeira edição do livrinho, em 1992, dei-me ao trabalho de escrever uma carta a seu autor, o jornalista Luiz Garcia, para dizer entre outras coisas:
A supressão do artigo, nos títulos, é um velho tabu que precisa ser rediscutido com urgência nas redações brasileiras.Em inglês, o artigo tem três letras, the. Cortá-lo significa a economia de quatro espaços. Mas, em português, no singular, o artigo tem uma só letra. Será tão difícil assim fazer títulos com o e a? O portugueses conseguem facilmente. Os espanhóis com o el e os franceses com o le não se queixam. Portanto, Garcia…
Nem tudo que é bom para quem fala inglês é bom para nós, latinos. Tanto assim que o admirável Libro de Estilo do jornal El País, de Madri, recomenda no processo de titulação: "No se pueden suprimir los articulos o adjetivos que imponga la lógica del lenguaje". Foi por isso que, no dia 23 de fevereiro passado, andei vendo, ao acaso, na internet, como andam os títulos de notícias, nos jornais europeus de línguas neolatinas.
Vão aqui alguns exemplos para se ter uma idéia do estilo europeu. Na França, Le Figaro resumia em duas colunas: "Le chef presumé de l’ETA interpellé en France". E no Monde, "La justice américaine enquête sur la dernière grâce accordée par Bill Clinton". Na Itália, o Corriere della Sera escreveu "Il perdoni de Bill hanno arrichisto il fratello di Hillary", enquanto La Repubblica dizia: "La Turchia svaluta la lira". Na Espanha, El País deu "El Fondo y EE.UU. tratan de calmar los mercados". E, no ABC, "La ONU fija el dia 15 de mayo para la salida de tropas foráneas de Congo". Mesmo em Buenos Aires os artigos são preservados. El Clarín publicava nesse dia: "La Argentina respiró en medio de la crisis turca" e "El Papa pedió ideas para unir las iglesias cristianas". Só em Portugal encontrei a supressão do artigo, já por influência brasileira. No Público, "Governo escolhe ex-estagiário de Sampaio para novo CEME". E, no Correio da Manhã, "Associações querem acusar Estado de crime rodoviário."
Quando fizemos, em 1985, o Manual de Telejornalismo da Rede Globo, uma das normas incluídas por iniciativa do então diretor da Central Globo de Jornalismo, Armando Nogueira, determinava o uso obrigatório do artigo. Está escrito na página 40:
O antigo telejornalismo herdou do rádio, que por sua vez tinha erradamente copiado do jornal, a mania de não usar os artigos definidos o, a, os, as no início das notícias. Por exemplo: "Argentina ameaça Chile". Acontece que o jornal no Brasil (aliás por influência do jornalismo de língua inglesa) só suprime os artigos, nos títulos e manchetes, para economizar letras e assim usar tipos gráficos maiores. Na televisão, o artigo é indispensável. Notícia de televisão é linguagem falada, é conversa. E, na conversa, ninguém fala em linguagem telegráfica, suprimindo artigos. E, convenhamos, um artigo a mais não chega a provocar estouro no tempo do jornal.
Os jornalistas, na verdade, não escrevem para os leitores, só escrevem para os outros jornalistas. Posso denunciar esta deformação porque passei metade da vida profissional cortando o artigo o nos títulos. Durante 20 anos contava letrinhas e espaços nas manchetes e títulos do Diário Carioca, do Jornal do Brasil e até do Estado de S.Paulo – neste eu somava cíceros, sabem lá o que é isso! Para expiação desse pecado, passo, agora, a outra metade tentando meter a letra O, de volta, na cabeça da meninada da TV.
Toda vez que vejo num telejornal o apresentador dizer, crente que está abafando, "Cai presidente de Banco Central", já sei que mudou o editor-chefe ou o autor da escalada, aquele texto inicial com a súmula das notícias. Jornalistas com experiência em jornal impresso deveriam, portanto, ser proibidos de trabalhar em televisão, por medida provisória, enquanto não reaprendessem o português falado. Telejornalismo não se faz como se escreve, mas como se fala, com o, a, os e as.
Jornal de Debates – próximo texto