TVs UNIVERSITÁRIAS
Antônio Brasil (*)
Após mais de uma semana, as imagens e as matérias jornalísticas sobre os ataques terroristas nos Estados Unidos persistem no noticiário mundial. Elas se recusam a desaparecer e insistem em serem percebidas por todos em todo o planeta. É impossível ignorar essa avalanche de notícias sobre a "primeira guerra do século 21". São milhares de matérias sendo produzidas a todo instante por todos os tipos de jornais, rádios, telejornais e inúmeros sites da internet. Trata-se de uma cobertura tão avassaladora, surpreendente e eficiente como os próprios atos terroristas.
Aqui na periferia brasileira, o terrorismo social e econômico continua a consumir a população diariamente em proporções não tão dramáticas, mas igualmente assustadoras. Seqüestro de milionário apresentador de TV se confunde com violência do dia-a-dia e passa para segundo plano quando a ameaça de fim do mundo bate a nossa porta. Neste mesmo cenário apocalíptico, na maior greve das melhores universidades brasileiras, segundo as próprias pesquisas de avaliação divulgadas recentemente pela Capes, as velhas universidades federais continuam em paralisação dramática pela sua própria sobrevivência. São premiadas com o grau máximo de excelência e com um aumento mínimo de reajuste salarial.
E as TVs universitárias? O que elas têm a ver com tudo isso?
Boa pergunta!
Provavelmente, nada. E é esse o problema. O mundo parece que vai chegar a um impasse final entre forças poderosas, de um lado, o império americano que ressuscita um discurso de guerra inflamado e ferido, do outro, o terror! E a nós, aqui no Brasil, mais uma vez, só nos resta sofrer as conseqüências de mais uma crise. Aqueles que deveriam nos proteger das crises e dos apagões se surpreendem e nos preparam, sim, para mais uma recessão inevitável, nos afundamos na nossa crise mais recente. Mas nada disso parece importar àqueles que produzem os programas das televisões universitárias em nosso país. No Rio de Janeiro, por exemplo, certamente, tais acontecimentos foram convenientemente ignorados, em prol de uma paz local e mundial que apesar de inexistente se reflete nos mesmos programas gravados sempre há muitos meses e repetidos ad eternum. Ainda se acredita que a omissão e a indiferença são os melhores remédios para a manutenção do status quo e de um bom emprego!
É totalmente inacreditável pensar que, nos dias de hoje, a universidade brasileira e seu principal veículo de comunicação, a televisão, ignorem o mundo. Mas ignorar o seu próprio país e o seu próprio meio é simplesmente inadmissível! Professores e alunos das universidades federais lutam bravamente por algum espaço na mídia para divulgar suas reivindicações e são totalmente ignorados pelos grandes meios. Apesar de injusto, isso é previsível. Mas, para surpresa geral, eles também são ignorados pelas suas próprias televisões, as TVs universitárias brasileiras. Afinal, se existe alguma coisa que uma televisão universitária não deseja é incomodar alguém ou ser incomodada.
E pensar que sempre coube à "universidade" refletir o sentido maior, universal da sua própria existência, e à televisão, o papel de principal meio de comunicação do país. Continua-se discutindo tantas coisas inúteis e brincando de fazer televisão numa completa indiferença com a realidade que insiste em nos surpreender sempre.
Após 5 anos de existência, as TVs universitárias continuam ignorando o poder das redes e, pior ainda, ignorando o poder da televisão e de seu segmento mais poderoso, o telejornalismo. Enquanto o mundo redescobre a força dessa televisão de notícias 24 horas, nessas TVs ainda se perde tempo discutindo como deveria ser um noticiário sem controvérsias e que não crie nenhum tipo de problema para ninguém. Afinal, nas TVs universitárias, ao contrário do mundo lá fora, tudo parece tão tranqüilo… Não há terrorismo, não há seqüestros, nem sequer greves. Um mundo sem notícias.
A morte de uma experiência
Num outro extremo, pequenos sites na internet produzidos por professores e estudantes das escolas de Jornalismo do país, com pouquíssimos recursos e muita coragem, tentam abrir espaço nesse verdadeiro monopólio das comunicações e das notícias do país, divulgando e refletindo notícias sobre tudo o que realmente acontece no Brasil e no mundo. Ter medo de fazer televisão de verdade é compreensível nas universidades, mas ter medo de telejornalismo nas TVs universitárias é um paradoxo inaceitável e perigoso.
Apesar desse quadro tão adverso, algum tempo atrás já se tentou fazer algo para mudar essa situação. Há exatamente um ano, num outro Setembro Negro, falecia precocemente uma das poucas tentativas de se fazer algo parecido com telejornalismo numa televisão universitária, o Caderno U. Embora reconhecidamente um bom programa, essa revista semanal ? o único produto da televisão universitária do Rio de Janeiro a ser exibido regularmente também em São Paulo, elogiado pela crítica especializada como bom exemplo do potencial de um novo meio ? o Caderno U não resistiu ao seu próprio sucesso. Mesmo não custando rigorosamente nada a ninguém ? produzido por um mutirão comunicacional formado por uma equipe de professores e alunos voluntários, o programa morreu pela sua própria ousadia. Ele tentou fazer uma televisão inteligente, participante e de baixo custo, mas antenado nos fatos do nosso cotidiano. Sem máscaras e disfarces, ou seja, com a verdadeira cara das nossas universidades. Todos os ingredientes essenciais para o fim que já se anunciava.
Numa decisão histórica para qualquer televisão comunitária do mundo e num ato digno de qualquer ditadura, num país que lutou para extinguir a censura, o programa Caderno U foi intempestivamente retirado do ar por um conselho de sábios após um ano de programação regular e inédita. É, por incrível que pareça, repetir programas inúmeras e inúmeras vezes é prática normal em televisões universitárias que ainda não conseguem produzir uma programação inédita de qualidade. Pobre do telespectador assíduo! É penalizado ao ser obrigado a assistir infinitamente aos mesmo programas sempre com a cômoda justificativa de que fazer televisão dá muito trabalho e é muito caro (sic)! O Caderno U, ao contrário, acreditava que VT significa TV ao contrário! Mesmo sendo um programa pré-gravado e sujeito a todas as formas de "censura", ambicionava conquistar um espaço de televisão de verdade, de televisão "ao vivo". Imagine só a cobertura dos eventos em Nova York patrocinada pelas televisões universitárias brasileiras. Todas as imagens teriam que passar pelas decisões de um conselho para decidir o que poderia ser admissível para os sensíveis e delicados interesses das universidades brasileiras.
Enquanto isso, as universidades federais brasileiras, em pé de guerra, continuam sua luta totalmente ignoradas.
O Caderno U morreu! Sua última edição anunciava com exclusividade e em primeira mão o lançamento do maior festival de música do país, o Rock?n Rio. Isso foi a gota d?água e o estopim de uma verdadeira cruzada por parte de diversas instituições universitárias que se consideravam "incomodadas" com o pequeno grande programa de estudantes. O programa que insistia em fazer televisão como comunicação de massa e não código particular e secreto. Uma TV participativa com uma cumplicidade maior com o seu público, uma TV de verdade!
Muita criatividade
Para aqueles que assistiram ou participaram, o Caderno U foi uma experiência curta e inesquecível. "Está no ar a sua revista semanal de jornalismo da TV Universitária." Com essas palavras o programa era apresentado todas as semanas por alunos de diversas universidades do Rio de Janeiro. Um programa ecumênico, em que alunos e professores de diversas instituições de ensino superior eram sempre convidados para discutir os caminhos da comunicação sem distinção de vínculo ou origem. Participavam todos, tanto de universidades públicas como particulares, convivendo no mesmo espaço televisivo e lutando pelo ideal de um jornalismo verdadeiro no meio universitário. Mas não só de professores e alunos vivia o Caderno U. O programa também teve o privilégio de receber convidados importantes como Zuenir Ventura, Nelson Hoineff, Gabriel Priolli, Ruy Castro, Nelson Motta, Zelito Viana, Artur Xexéo, Lobão, Ruy Guerra e também o Roberto Medina do polêmico e último programa sobre o Rock ?n Rio.
No Caderno U se discutia e criticava tudo sem medo de errar. Tentava-se abrir o caminho para um telejornalismo universitário de rede com a participação de todas as universidades brasileiras e, quem sabe, algum dia, com a participação também de universidades estrangeiras. Insistia em abrir o caminho para uma programação televisivo "ao vivo", como as melhores TVs, na qual tudo poderia ser discutido com liberdade e responsabilidade, mas sem as restrições, tão arraigadas entre nós, da censura e da punição. Buscava-se criar um verdadeiro celeiro de jovens talentos e grandes promessas, futuras estrelas da nossa televisão, num sistema de produção ousado e criativo. O Caderno U era uma resposta clara à formatação de modelos televisivos tradicionais imposta aos alunos de Comunicação que participam como convidados, muitas vezes indesejáveis e simplesmente tolerados, na programação inócua das TVs universitárias.
O mais importante, no entanto, é que o Caderno U insistia em mostrar as produções dos alunos, exercícios experimentais realizados em sala de aula ou nos laboratórios dos cursos de Comunicação de todo o país. Eles eram exibidos durante o programa, para análise por parte dos convidados especiais do programa. Foram centenas de vídeos produzidos de forma simples, em sistemas caseiros de VHS, produção, muitas vezes, nada sofisticada, com seus erros e acertos, mas sempre com um elemento em comum: todos com muita criatividade.
Sexo dos anjos
O programa era uma resposta à cultura de grandes gastos e poucos resultados nas TVs universitárias. Uma cultura que privilegia as produções sofisticadas de poucos profissionais contratados em detrimento da verdadeira produção de alunos e professores. De uma cultura voltada para o empreguismo de velhos profissionais de televisão, antigos apresentadores do meio, que parecem ter encontrado uma espécie de aposentadoria bem-remunerada, apesar de meio esquecida, lá mesmo nos canais universitários. Em vez de priorizar e privilegiar o trabalho dos alunos de Comunicação, que sempre buscaram uma janela de visibilidade para seus trabalhos e para seus próprios talentos, as TVs universitárias, em sua grande maioria, continuam a acreditar que estudante não passa de mero figurante.
Com certeza há exceções. Algumas universidades, como as velhas católicas, com todas as restrições e os limites da boa fé cristã, têm lutado para oferecer alguma forma de alternativa televisiva à mediocridade reinante. Elas se tornaram uma referência contra o poder dos impérios formados pelas já conhecidas "fábricas de diplomas" e seus milionários estúdios de televisão. Estas últimas encontraram nas TVs universitárias um terreno fértil para o seu marketing educacional agressivo e ilusório.
Infelizmente, apesar dos protestos silenciosos de tantos alunos e professores, a TV universitária continua seguindo seu destino tão previsível: todo apoio ao poder institucional. As reitorias continuam ditando o caráter promocional e seguro da programação, e o público, sabiamente, continua preferindo qualquer outra coisa. Nenhum programa das TVs universitárias é sequer comentado pela mídia especializada. Todos se parecem ao não se parecerem com nada. Dessa forma, as TVs universitárias continuam a sua trajetória, totalmente despercebidas do grande público, de qualquer público e principalmente, do mundo ao seu redor. Uma boa e segura redoma de vidro num mundo em chamas!
Tanto as notícias relevantes ao meio universitário, como a experimentação ou o próprio ensino, continuam a ser artigos supérfluos numa política de manutenção de privilégios e subserviência à qualquer forma de poder, refém de estatutos que impedem seu crescimento ou seu desaparecimento. E pensar que as universidades, alunos e professores, sempre foram a ponta-de-lança das mudanças e das revoltas em nosso país. As televisões universitárias, bem-remuneradas e bem comportadas, refletem tempos de acomodação e omissão em todas as lutas que estão sendo travadas em nosso país e no mundo. O pior é imaginar que o ano que vem é ano de eleições presidenciais em nosso país. As TVs universitárias brasileiras seguramente estarão discutindo todos os assuntos que interessam aos seus próprios produtores e, mais uma vez, divulgando os estudos mais recentes e polêmicos sobre "sexo", mas somente o sexo… dos anjos!
(*) Professor de Jornalismo da Uerj