AUTORES & LIVROS
Deonísio da Silva (*)
Plínio Cabral escritor e advogado que dedicou a vida inteira às letras no duplo ofício, voltou à ficção e chega às livrarias, depois de um silêncio de décadas, com o romance O Riso da Agonia. Com experiência na alta pol&iacutiacute;tica do Rio Grande do Sul nos anos 1960, a década que mudou tudo, vive há vários anos em São Paulo.
Salim Miguel fez o caminho inverso. Como Plínio, também foi perseguido no Brasil meridional nos anos 1960, mudou-se para o Rio, onde teve destacada participação na imprensa (nos jornais O Globo e Jornal do Brasil, nas revistas dos Bloch), tendo atuado como tradutor e como um dos editores das revista Ficções, cuja importância quem entende de autores e livros não ignora. Ao lado da esposa, a também escritora Eglê Malheiros, teve ainda inspiração e tempo para fazer roteiros de cinema, como a adaptação de A Cartomante, de Machado de Assis, e Fogo Morto, de José Lins do Rego. Há vários lustros, porém, esse catarinense nascido no Líbano ? o Brasil é assim: ele é catarinense nascido no Líbano, como Clarice Lispector era carioca nascida na Ucrânia ? voltou a Florianópolis.
E não tem parado de escrever. Ano passado dividiu com Antônio Torres o maior prêmio da literatura brasileira, concedido em Passo Fundo (RS), patrocinado pela prefeitura municipal e pela universidade local. Tanto ele com o romance Nur na Escuridão, como Antônio Torres, com Meu Querido Canibal, ocupam-se de outros olhares sobre o Brasil. Salim, dando especial atenção à imigração árabe. Torres, bordejando portugueses, franceses e índios no Rio do período colonial. Torres é "cavaleiro de honra", título recebido da Academia Francesa. E Salim veio a São Paulo semana passada receber mais um prêmio, o prestigioso Juca Pato, concedido pela Folha de S.Paulo e pela União Brasileira de Escritores.
Prateleira dos fundos
Semana passada trouxe outra boa notícia. Teve início a reedição da Feira Nacional do Livro, em Ribeirão Preto. Os números falam por si. Com efeito, 130.000 pessoas são esperadas nesses dez dias, interessadas nos 250 escritores que participam do evento. A área de exposição dessa Feira do Livro a céu aberto estende-se por 16.000 m2. Mais de um hectare e meio para os livros! Se incluirmos os locais de apoio ao redor, serão 26.000 m2. Haverá 73 horas de palestras, debates e conferências. À disposição dos leitores, nos 2.200 m2 de estandes, o melhor que escritores e autores podem fazer para o público: 1.000.000 de exemplares. Em 2001, na I Feira do Livro, foram vendidos 200.000 exemplares. Tudo indica que, apesar da crise, este ano serão vendidos ainda mais livros. Há mais: 65.000 estudantes, 160 horas de sessões de autógrafos, 70 expositores de todo o país, entre editores e livreiros, 1.000 atendentes.
Plínio Cabral, de destacada participação na defesa do direito autoral, sobretudo na Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR) e na Câmara Brasileira do Livro (CBL), começa O Riso da Agonia à maneira de Machado de Assis:
"Eu morri no dia 23 de setembro de 1999. Não havia muita gente. Eu estava só. Mas não apenas naquela hora. Eu estava só havia muito tempo ? nem me lembro quanto tempo. Talvez desde que nasci. Não havia muita gente. Tudo vem depois. E depois tudo cai no esquecimento".
O narrador se engana. Não cai. Se chegar à Galáxia Gutenberg, não haverá esquecimento. À maneira do Dr. Stockmann, da peça Um Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen, ele pode anunciar:
"Por enquanto não digam nada a ninguém, mas eu fiz uma grande descoberta. Ouçam com atenção o que lhes vou dizer: o homem mais poderoso que há no mundo é o que está mais só".
Muita diferença, porém, entre o Brasil do alvorecer do milênio e a Europa de fins do século 19. Ibsen publicou sua peça em Copenhague, em 1882. Um ano depois estreava no Teatro Nacional de Oslo e em seguida era traduzida para dezenas de línguas, enquanto outras encenações eram feitas em diversos outros países.
Ibsen rompeu a monopolização francesa na dramaturgia da época. Os autores brasileiros precisam fazer o mesmo com a dominação norte-americana. As livrarias brasileiras confinam, não apenas os escritores brasileiros, mas todo e qualquer autor nacional a uma prateleira dos fundos. Nas vitrines ? a não ser alguns autores esotéricos ? estão habitualmente livros com pouca ou nenhuma importância, livros fugazes, sobre temas ligeiros, de tal modo que, ao fim da estação, deles não sobrará fumo algum! Criou-se um círculo vicioso de difícil erradicação.
Esquecidos pela imprensa
Tome-se a lista do dez mais vendidos da revista Veja, de uns tempos para cá com 30 títulos, divididos entre ficção, não-ficção e auto-ajuda e esoterismo. Essa lista pauta vitrines e dietas de leitura. Suas influências e poderes são inegáveis. Mas a quem serve a lista e como é feita? Ah, sua elaboração tem mais a esconder e a revelar do que uma caixa preta de avião derrubado ou caído. Que significarão para a literatura nomes como John Grisham e J. K. Rowling? Aqueles são os mais vendidos? Mas que importância tem isso para o mundo do livro, a não ser o faturamento ocasional? Se o desempenho dos presidenciáveis fosse medido assim, nomes e posições seriam diferentes. E se o dever de uma revista de informação ? relevem a tautologia ? é informar, por que razão não foram notícia na revista os três eventos citados?
Como todo leitor, o signatário pagou 5,50 reais pela edição 1.767 da maior revista de informação do Brasil. Porque não a comprou em São Paulo, ficou sem a Vejinha que, num claro sinal de discriminação, apenas os paulistanos recebem de graça. Como se os leitores do resto (?) do Brasil não fossem a bares, restaurantes, cinemas, teatros, shows etc. O país teve uma semana quente, mas a capa da revista é fria. Estamos vivendo momentos decisivos para o reordenamento do Brasil, mas a matéria que mereceu a capa revela outra escolha: "Os depoimentos de médicos e familiares que enfrentaram o dilema de desligar os aparelhos para deixar o doente morrer em paz".
Certo, para morrer, uns poucos têm encontrado dificuldade porque suas posses ou convênios recomendam certas prorrogações. E para viver, como faz a maioria se informando assim?
Os escritores brasileiros em tempo algum estiveram tão esquecidos pela imprensa. E no entanto, eles se movem, escrevem, têm leitores, ganham prêmios, no Brasil e no exterior. Será que é apenas acidental que justamente a maior revista de informação ignore autores e livros? O mais grave é que, assim procedendo, não ignora apenas as duas partes da tríade, mas a sua base, os leitores.
(*) Escritor, professor universitário, doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são Os Guerreiros do Campo e De Onde Vêm as Palavras