CIRCULAÇÃO EM QUEDA
Luciano Martins Costa (*)
Já está acontecendo: a grande imprensa brasileira encolheu tanto que acabou por subverter as leis da Física e se tornou menor do que uma de suas partes.
Explico. Segundo os critérios tradicionalmente usados para medir o chamado público leitor, a imprensa é classificada em genérica e de especialidades. Há outras classificações, como a da imprensa regional, jornais de bairro e jornais de empresa, mas a divisão mais visível, sobre as quais os gestores das verbas de publicidade demoram o olhar, é a chamada imprensa diária, na qual se incluem os jornais de economia e negócios. Essa fatia é a expressão maior da imprensa, e por isso chamada de "a grande imprensa". Isso porque, para o anunciante, há pouca diferença de perfis entre os leitores dos chamados grandes diários e os títulos especializados: todos buscam o leitor de maior poder aquisitivo, que em geral lê mais de um título.
A perda de circulação dos diários foi de quase 12% entre o começo de 2001 e o final de 2002, ficando abaixo de 7 milhões de exemplares, contra um número superior a 7,8 milhões dois anos antes. Essa queda se refletiu no faturamento com publicidade, que sofreu, segundo analistas, o efeito perverso da menor taxa de crescimento do Produto Interno Bruto, em torno de 1,5% durante os anos 2001 e 2002.
Reduzido o bolo, a TV abocanhou a maior parte, com uma estratégia agressiva que aproveitou a audiência que se elevou após os atentados nos Estados Unidos e, posteriormente, a Copa do Mundo na Ásia. Como se diz no Vale do Ribeira, "farinha pouca, meu pirão primeiro".
A imprensa não se beneficiou do aumento pontual de circulação nos dois eventos, uma vez que os anunciantes preferiram aproveitar o chamado efeito hype ? quando um evento de grande repercussão mobiliza as massas para os meios eletrônicos. Houve fartura de negociações, com descontos e bônus para serem utilizados mais adiante, e as verbas foram ficando cada vez mais distantes dos jornais. Mesmo porque, no caso dos atentados e o que se seguiu, é parte do folclore de anunciantes, há muito tempo, que tragédia não vende anúncio; ou, melhor, que não convém associar a imagem de empresa ou produto a momentos trágicos.
E toca ladeira abaixo, entre 2001 e 2002. Revistas e emissoras de rádio também ficaram à míngua. As revistas tiveram uma queda de 4,8% no faturamento bruto, os jornais perderam 2,8% e o faturamento do rádio caiu 0,8%. Na soma, jornais e revistas perderam 104 milhões de reais de um ano para outro.
Marketing e eventos
Mas não é por aí que se subvertem as leis da Física. O fenômeno está em que, reduzida a participação da chamada grande imprensa nos totais de circulação e de faturamento da mídia em geral, olhemos o processo de crescimento e consolidação da chamada mídia segmentada, ou especializada, que é a parte à qual nos referimos.
No mesmo período em que a grande imprensa encolheu aquilo tudo que se viu algumas linhas atrás, a parcela segmentada cresceu mais de 30%, tanto em circulação como em faturamento, até 2002, sofrendo depois disso um pequeno ajuste, devendo estabilizar-se em 2003 com um crescimento maior do que 20%. Os números não são precisos, mas pode-se ter um bom retrato pela evolução percebida numa equação que leve em conta a soma dos perfis dos títulos e o aumento do número de títulos especializados.
O mais grave é que a crescente disputa em setores industriais focalizados por essa mídia vem produzindo um desvio maior de investimentos em publicidade para essas publicações, o que reduz ainda mais o potencial de a grande imprensa apoderar-se de fatias maiores do bolo. Os gestores dessas publicações ? divididas quase igualmente entre as que se abrigam sob os guarda-chuvas de grandes editoras e aquelas que nasceram de pequenas casas publicadoras ? têm sabido incrementar seus negócios associando a mídia impressa a eventos, considerados no orçamento dos anunciantes, em geral, no mesmo item dos investimentos em publicidade, marketing e comunicação.
Sinais vitais
Mas nem tudo está perdido. Há uma tendência, já visível, de reversão de interesse que pode beneficiar a grande imprensa. E essa possível boa notícia não vem da imprensa, nem deriva de mais inteligência aplicada à gestão da mídia. Trata-se de um fenômeno fácil de entender: as empresas de tecnologia, responsáveis em grande parte pelo crescimento da mídia segmentada, estão sendo obrigadas a transferir o campo de batalha da tecnologia pura para a área de gestão.
Com a crescente preocupação dos clientes em reduzir os investimentos em tecnologia, ocorre uma convergência cada vez maior entre os sistemas oferecidos ao mercado, o que faz crescer o interesse das produtoras de tecnologia em construir uma imagem mais associada à excelência em gestão do que à excelência tecnológica. Essa mudança, segundo alguns analistas, pode conduzir as verbas de volta às publicações de negócios, em primeiro lugar, e, em seguida, à chamada grande imprensa.
Títulos como Exame, Forbes, Você S.A, Gazeta Mercantil e Valor Econômico estão, teoricamente, na ponta dessa fila. É ali que os anunciantes vão encontrar os executivos que são seu alvo. São, na verdade, o filé mignon do mercado, aqueles que ainda movem a roda da economia. O Estado de S.Paulo, cujo caderno de Economia aparece sempre bem posicionado nos estudos de preferência desse público, também é candidato a levar alguma vantagem.
Como se vê, nem tudo está perdido. A imprensa encolheu, mas seus sinais vitais ainda estão preservados.
(*) Jornalista