CASO RICHTHOFEN
Gustavo Barreto (*)
Fico estupefato com a cobertura da imprensa em relação ao caso da garota rica, bonita e cruel ? como colocou uma revista semanal ? que ajudou a matar os próprios pais, com o namorado. A um crime absolutamente raro psicólogos, analistas, sociólogos e quem mais tiver espaço na mídia ficam tentando achar uma relação "profunda" com a nossa sociedade. A garota representaria, em última análise, uma nova e extraordinária tendência da população brasileira.
Não raro, os debatedores não chegam a lugar algum, ou analisam apenas a garota e suas relações de vida, e não a sociedade. A Globo ousou insinuar ? por meio de silogismos patéticos ? que a maconha faz as pessoas matarem os pais. Não falou, mas deixou no ar, subliminarmente.
Hipocrisia e ausência de valores éticos. É assim que coloco, sem medo de receber críticas, as causas de tamanha estupidez protagonizada por diversos meios de comunicação e pelo debate público. Centenas de pessoas morrem diariamente devido à violência urbana. A maioria, indica o IBGE, é de jovens. A diferença básica é que a maioria dos jovens não é loira. Não é rica. Não é cheirosa. Em suma: não é boa o suficiente para aparecer na mídia. Nem na morte pobre merece atenção.
Admitindo que a imprensa procure por casos absurdamente raros e bizarros ? o que obviamente repudio ?, não faltarão outros tão ou mais horríveis para se comentar. Nas periferias ocorrem diariamente.
Ele é pobre: tem que morrer. Aconteceu com Sandro, seqüestrador do 174, no Rio de Janeiro. Ela é rica: a culpa é da sociedade, esta entidade perversa que, por meio da escola, da família e da mídia, destrói o caráter e produz criminosos como a Nike produz tênis. Quando ela, rica, mata a culpa é do mal da sociedade. Quando ele, pobre, mata ele mesmo é o mal personificado.
Deveríamos relacionar, portanto, não o crime e a sociedade, mas sim como nós lidamos com o crime e a sociedade. Deixar de lado a hipocrisia. Ou melhor, não nos deixarmos levar pela hipocrisia dominante. Deveríamos olhar mais para a periferia, porque a praia não é o único lugar da cidade.
Ah, é mesmo, a Nike não produz tênis. Apenas vende sua marca.
(*) Editor do Consciência.Net <www.consciencia.net/>