OPORTUNIDADES PERDIDAS
Luciano Martins Costa (*)
A confluência de interesses para a interrupção do processo de deterioração das empresas brasileiras de comunicação começa a se fechar, sem sinal de movimento no sentido de uma renovação no modelo de negócio e nas práticas de gestão que têm marcado a maior crise da história da nossa imprensa. Enquanto isso, assistimos em outros países alguns movimentos inovadores que têm o declarado objetivo de explorar novos nichos de interesse detectados em pesquisas e estimular o hábito de leitura: o Times de Londres lançou com sucesso, na semana passada, uma edição metropolitana em formato tablóide e, nos Estados Unidos, o Washington Post acaba de colocar nas ruas um tablóide local, de circulação gratuita, dirigido ao público jovem que utiliza o metrô.
O arraigado conservadorismo que marca a grande imprensa brasileira vai, assim, perdendo oportunidades, não apenas de recuperar outros formatos e explorar variadas maneiras de relacionamento com o público ? como a edição vespertina dos diários ? mas também de se apropriar dos novos meios que a tecnologia vai colocando à disposição da sociedade. Há três anos, durante um encontro de assessorias de comunicação na estância paulista de Águas de São Pedro, pudemos discutir o potencial das SMS (serviços de mensagens curtas, na sigla em inglês), que hoje são uma fonte de receita importante para as operadoras de telefonia móvel e um excelente instrumento para fidelização de clientes. A mídia, que deveria ser personagem central no desenvolvimento desse meio, com uma estratégia agressiva de apropriação da tecnologia, simplesmente fica de fora, com uma atuação apenas marginal, quando é o caso.
Pois o serviço de mensagens curtas simplesmente se tornou um fenômeno de comunicação, com uma média mensal de 630 milhões de mensagens por mês, ou seja, cada usuário emite pelo menos 15 mensagens mensalmente, segundo a revista eletrônica World Telecom. Na Europa, a mania das mensagens escritas transmitidas por telefone celular chega ao astronômico número de 12,2 bilhões de ocorrências por mês, com uma média de 39 mensagens emitidas por cada usuário. A percepção dessa surpreendente utilização da comunicação por escrito, através de um meio criado essencialmente para a voz, está fazendo com que grandes empresas comecem a pensar seriamente em substituir seus processos de comunicação corporativa pelas SMS, reduzindo enormemente os custos representados pelas conversações por voz via telefone celular. Estima-se que em 2006 estejam plenamente consolidados esses novos processos, o que deverá coincidir com a presença maciça no mercado, a preços muito aceitáveis, dos aparelhos celulares que fotografam e transmitem imagens.
A Nokia acaba de anunciar a criação de uma unidade de negócios denominada Multimedia, que terá o objetivo de explorar o potencial do celular como ponto de convergência de mídias. A Sony-Ericsson anuncia uma câmara fotográfica que também recebe e envia mensagens de voz e dados, inclusive imagem, e tudo isso acabará se casando com as soluções de comunicação sem fio da HP, que permite ordenar impressões à distância, a partir de um computador de mão ? e estamos a meio passo de ordenar a impressão de fotos e textos a partir de um telefone celular. Com o surgimento das impressoras capazes de produzir revistas personalizadas, pode-se imaginar o que nos esperam os próximos três ou cinco anos em termos de comunicação.
Mas falta um elemento a essa equação: quem cuida do conteúdo? As empresas de mídia brasileiras ficaram de fora dessa revolução. Poderiam oferecer suas habilidades de processamento de textos e imagens, suas capacitações para a formatação de mensagens, e até mesmo reinventar o modo como as pessoas trocam informações, agregando novas formas de publicidade etc. Mas o mesmo conservadorismo que as impede de buscar uma saída inovadora para a atual crise ? e que as faz convictas de que se trata de uma crise circunstancial ? segue dificultando a percepção de grandes oportunidades.
Sabe-se, por exemplo, que vem caindo a qualificação tecnológica nos jornais, pela falta de investimentos e pela perda de contato com os centros criadores de novos conhecimentos na área. A estratégia das terceirizações radicais afastou do convívio diário nas empresas os profissionais que as mantinham alinhadas com os avanços da tecnologia e, pela via do noticiário, a mídia generalista passou a se interessar apenas pelas aplicações de consumo, o que da mesma forma reduz o contato com as mudanças que podem significar novas oportunidades. A necessária redução de custos eliminou dos congressos e feiras de tecnologia aquelas ruidosas comitivas de representantes de jornais brasileiros, tão populares quanto gastadores nos anos 1990.
Um desses exemplos de novas oportunidades tecnológicas é o programa conhecido como agregador, pelo qual se pode editar automaticamente, num pequeno espaço da tela, as principais notícias de publicações online selecionadas em todo o mundo, atualizadas em intervalos regulares e sob a forma de mensagem. Isso é possibilitado por um recurso chamado de RSS (sigla em inglês para Rich Summary Site, ou sumário aprimorado de site) ? que desmembra cada peça de notícia em título, descrição e link direto para o original, na fonte. Esse programa, somado à grande aceitação das mensagens curtas por telefone celular, poderia estar sendo explorado pelos jornais para acompanhar seus leitores ao longo do dia e trabalhar melhor seu relacionamento de fidelidade.
Mas esse tipo de decisão está cada vez mais distante das redações e aos poucos vai se consolidando nas mãos de fornecedores terceirizados, cuja visão estratégica quase nunca está alinhada com aquilo que um jornal precisa para garantir seu futuro. O crescente distanciamento entre os jornalistas e a gestão, aliás, está provocando outro efeito perverso que elimina muitas inteligências do núcleo de decisões das empresas. O efeito mais perverso desse afastamento já é perceptível, com o desestímulo ao pensamento crítico nas redações. O medo do desemprego faz calar o profissional mais lúcido e o mais contestador. Aos poucos, desaparece o estado de tensão que era a alma dos jornais e que resultava do confronto entre a visão da instituição e a realidade trazida todos os dias pelo trabalho dos jornalistas. A diversidade é o ambiente que induz à evolução. Nesse cenário de homogeneidade ideológica, convergem os interesses que irão aliviar a crise da imprensa. Até quando, não se sabe.
* Jornalista