Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Sobre verdades e bobagens

PARANÓIAS VIRTUAIS

Nelson Hoineff (*)

É um fenômeno intrigante a linguagem do alerta que de repente se criou na internet. Alerta em relação a qualquer tipo de coisa: um novo vírus, uma nova corrente, a possibilidade de ficar milionário da noite para o dia.

São alertas geralmente improváveis e quase sempre mentirosos. "A Microsoft está testando um novo programa e vai distribuir milhões de dólares para você simplesmente navegar com o seu browser". Normalmente eles têm duas coisas em comum: uma retórica fria, meio automatizada, alguma coisa entre os Meninos de Deus e o garoto do Inteligência Artificial; e a garantia do autor de que ele não tem nada a ver com isso: "Eu também não acreditava, mas a senhora Carolyn encontrou na sua caixa de correio um cheque de 200 mil dólares emitido pela Microsoft".

Na sexta-feira [14/9], começou a circular pela internet um alerta fantástico. Vinha quase sempre com o título "A farsa da CNN". A autoria era atribuída ao "CMI-Israel, onde um brasileiro que estuda na Unicamp o publicou originalmente". Quem enviava a mensagem evidentemente se eximia de qualquer responsabilidade. "Repasso com todas as reservas, pois não sei se é verdade ou não". Mas o seu teor era eloqüente. Reproduzo alguns trechos, com os erros ortográficos originais.


Imagens utilizadas pela CNN de palestinos comemorando os ataques é uma FARSA! CNN utiliza filmagem de 1991 de palestinos comemorando nas ruas para manipular voce. Em todo o mundo nos estamo sujeitos a 3 ou 4 grandes distribuidores de noticias, e um deles – como todos nos sabemos – é a CNN. Muito bem, eu acho que todos voces devem ter visto (como eu tambem vi) imagens desta compania. Em particular, uma certa imagem chamou a minha atencao: os Palestinos comemorando o bombardeo, nas ruas, comendo bolo e fazendo caras engracas para as cameras.

Bem, ESTAS IMAGENS FORAM FEITAS EM 1991!!! Estas sao imagaens dos Palestinos comemorando a invasao do Kuwait! Eh simplesmente inaceitavel que uma super poderosa forma de comunicacao como a CNN use imagens que nao correspondem com a realidade relatada sobre as situacoes serias que estao acontecendo.

O meu professor, aqui no Brasil, tem fitas de video com gravacoes de 1991, com as mesmas imagens; ele esta mandando emails para a CNN, Globo ( a maior rede de TV do Brasil) e jornais, denunciando o que eu mesmo classifico como um crime contra a opiniao publica. Se alguem de voces tem acesso a este tipo de arquivo, procure por isso. Enquanto isso, eu vou tentar “colocar as minhas maos” em uma copia desta fita.


O autor, é claro, não colocou as mãos em coisa alguma ? e o seu professor, se é que existe, faria melhor em levar as fitas para a NBC. Mas toda essa bobagem, em meio à situação pela qual o mundo está passando, remete a duas constatações: a internet é um instrumento igualmente democrático para divulgar verdades ou proliferar asneiras; e a competência da televisão para produzir um jornalismo de altíssima credibilidade é, no momento, difícil de ser superada.

Isto se deve em grande parte, é claro, à eloquência das imagens. Ações semelhantes haviam sido previstas por vários autores ? o ensaio New York Délire, de Paul Virilio, escrito em 1993, é impressionante ?, mas o repertório imagético que o cinema já havia emprestado ao seu público era pela primeira vez confrontado com uma situação real na mesma escala da catástrofe. Uma sequência de Independence Day, outra de O Pacificador, uma pitadinha de True Lies, mais uma de Nova York Sitiada. Estava tudo ali. Agora, as imagens da ficção é que procuravam se esconder do repertório incorporado pela realidade. O lançamento de Collateral Damage foi cancelado; a estréia O Homem Aranha saiu rapidinho de cena; e até o cartaz do Festival de Cinema de Viena ? que mostrava um avião varando um corpo sólido ? teve que ser recolhido às pressas e substituído por outro mais neutro. O avião possivelmente não queria dizer coisa alguma. Mas agora era a imagem contextualizada que importava. Por um momento, até, ela importa mais do que o texto, mais do que as digressões que se podem fazer sobre os fatos.

Descobrimos que o repertório de imagens de horror que nos são familiares podem fazer parte do mundo real. E quem produz as imagens em movimento do mundo real é o jornalismo de televisão.

Bons exemplos

Momentos de crise revelam verdades sobre o comportamento humano. Uma verdade é que na hora do hard news corremos todos para a TV. Com clareza cristalina, os diferentes meios buscam e ocupam os seus espaços. É cada vez menor a possibilidade de confundi-los.

A ocupação inconteste do espaço implica também o detalhamento do foco sobre ele. De maneira crescente, sabemos exatamente o que esperar das televisões, dos jornais, da internet. Um não invade o outro. Mas, sobretudo, um não substitui o outro.

A produção de jornalismo de qualidade pressupõe o reconhecimento desse fato, acompanhado do pleno entendimento das possibilidades do veículo. Há televisão boa e ruim, como há jornal bom e ruim ou sites bons e ruins. Existem sites ou jornais que simplesmente acertam; fazem o que deles se esperava no momento adequado. Tomam posições, por exemplo, ou tomam a posição de não tomar posição alguma.

Da mesma forma, há emissoras de TV que cumprem ou deixam de cumprir o que teriam que fazer num certo instante. Em momentos de crise internacional, essa posição se acentua. E muito especialmente desde a criação do conceito de redes de notícias de abrangência mundial, o que para o espectador brasileiro tem apenas dez anos.

Os dois grandes canais de notícias que são hoje distribuídos no Brasil ? CNN International e BBC World ? materializaram, na crise, o tipo de competência que é inerente ao telejornalismo. Chamados, entregaram o que lhes foi solicitado. É difícil imaginar outra fonte primária de informação sobre os acontecimentos em curso que seja mais eficiente ? e também mais confiável.

Poderia ter sido de outra maneira. As poucas redes internacionais que têm a capacidade técnica e financeira para estar no centro dos acontecimentos teriam a chance de se perder em desvarios; de ingressar no tenebroso mundo do achismo que muitos grandes jornais brasileiros percorreriam se tivessem esse poder (imaginar essa hipótese é como pensar em tanto dinheiro e informação nas mãos do Taliban).

Mas na crise as redes que detém todo esse poder o utilizaram para a cobertura otimizada, permanente, responsável ? e, tanto quanto possível, isenta. Nenhuma delas usou as fitas com as quais o suposto mestre da Unicamp sonhou. E é por isso que no desdobramento da crise o mundo continua atento às redes internacionais de TV muito mais que a qualquer outra midia.

Na terça-feira, 11 de setembro, parte do planeta ruiu. Mas pelo menos a BBC e a CNN fizeram exatamente o que tinham que fazer. A televisão também tem bons exemplos para dar.

(*) Jornalista, diretor e produtor de televisão

    
    
                     
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