CASO SONINHA
"?Se eu tivesse esse poder…?", copyright Época, 26/11/01
"Em artigo exclusivo para ÉPOCA, Soninha faz um balanço da polêmica causada por sua demissão:
?Ah, se eu tivesse todo esse poder de influência que me atribuem… Os jovens que me vêem não teriam mais nenhuma relação sexual sem camisinha, não jogariam lixo no chão, leriam livros e jornais, acompanhariam de perto a política…
Eu me esforço muito, há anos, para convencê-los disso, mas mesmo os que me adoram têm comportamentos diferentes. Sob tal influência, todos já teriam concordado com a tese da descriminalização da maconha, que, afinal, é o que eu defendo com tanta convicção. Mas os jovens não são assim como os ratos de Hamelin, cegamente conduzidos ao menor estímulo.
Se um jovem disser que fuma para ser ?bem-sucedido? como eu, ele é muito burrinho (para supor essa relação absurda de causa e efeito) ou tem sérias deficiências em sua formação. Ou, simplesmente, está mentindo. A maconha não interfere em meu trabalho, mas não é, de maneira alguma, o que o move. Qualquer um sabe disso.
É sempre difícil discutir a descriminalização porque basta propor que a maconha deixe de ser crime para que alguém fale em apologia. Como rever uma lei sob essa ameaça? Por que a defesa da pena de morte não é a propaganda do homicídio?
Como posso ser acusada de apologia se digo, em primeiro lugar, que a maconha pode fazer mal? Mas não tão mal, em minha opinião, quanto a estrutura viciada do crime?
No meio do tumulto da semana passada, alguém comentou: ?Nunca um baseado deu tanto problema…? Para mim, não, mas para muitas pessoas já. Nunca fui presa, extorquida, ameaçada ou processada. Só fui ?demitida?, mas felizmente tenho outros empregos.
Se a TV Cultura estivesse mesmo preocupada com os possíveis mal-entendidos decorrentes de minha foto na capa de ÉPOCA e no outdoor, deveria ter interesse em desfazê-los. Em apressar-se a dizer para a sociedade que tipo de pessoa eu sou e o que, exatamente, eu quis dizer. Outros poderiam ter uma imagem errada a meu respeito, mas a Cultura teoricamente sabia mais sobre mim.
Em nome da educação dos jovens, a Cultura poderia ter me obrigado a falar, chance que outros veículos estão me oferecendo. Para proteger, na verdade, sua imagem (e não a sociedade!), ela me proibiu de dizer qualquer coisa. No Brasil, muitas vezes é mais fácil agir de maneira errada, com propinas, subterfúgios, mentiras. Eu não consigo me conformar com isso e seguir compactuando com essa farsa.
Enfim, espero que as pessoas entendam qual idéia defendo e então concordem ou discordem dela. Que bom que está havendo discussões em que antes o assunto era ?habilmente escamoteado? ou ingenuamente ignorado. De agora em diante, dificilmente as coisas continuarão como estavam. E todos devem concordar: estavam bem mal.?"
"?Época, um recorde", copyright Época, 26/11/01
"ÉPOCA acaba de cravar um recorde. A reportagem ?Eu fumo maconha? motivou 866 mensagens de leitores à redação, número inédito no Brasil. Até agora, entre as revistas semanais, a reportagem de capa campeã de mensagens havia sido publicada por Veja. Recebeu 653 cartas.
No jornalismo as cartas não mentem jamais porque são um termômetro dos leitores. Um volume tão grande expressa a pertinência do assunto da reportagem de capa – a necessidade de debater a atual legislação sobre maconha. Para Paulo Roberto Yog de Miranda Uchôa, subsecretário Nacional Antidrogas, ligado à Presidência da República, ?os repórteres de ÉPOCA demonstraram competência e imparcialidade?. Para o advogado Arnaldo Malheiros Filho, um dos maiores criminalistas do país, ?ÉPOCA trouxe para o centro do debate uma questão que lateja na sociedade?. Num dado que diz alguma coisa, 87 leitores deram-se ao trabalho de escrever apenas para contar que são usuários freqüentes de maconha.
Embora os leitores satisfeitos com a reportagem formem grande maioria, os críticos têm argumentos. ?Resolvi esconder essa revista de minhas filhas?, escreve Telma Dias, do Rio de Janeiro. ?Acho que é apologia da maconha?, diz Vera Mendonça, de São Paulo. ÉPOCA orgulha-se de estimular o debate entre seus leitores e aplaude todos os que desejam manifestar sua opinião. Mas é necessário questionar certas afirmações.
Um procurador de Justiça de São Paulo chegou a dizer que a reportagem dava a ?forte impressão de que poderia ter sido sugerida ou efetuada por influência das poderosas quadrilhas que dominam o mercado do narcotráfico?. É uma leviandade absurda, mas nem por isso menos infamante. Também se ouviu a acusação de sensacionalismo.
Por definição, sensacionalismo é uma técnica de mau jornalismo que, através do exagero dos fatos, tenta criar uma ilusão no leitor para tentar aumentar as vendas. Como regra, esse comportamento é repudiado pelos profissionais de ÉPOCA. No caso particular da reportagem, cabe lembrar que não foram apontados sequer pequenos erros ou distorções. ?Eu fumo maconha? é um exemplo de reportagem em que toda informação foi apurada e checada mais de uma vez. Todos sabem que imprensa também é um negócio, no qual as vendas são muito importantes. Mas falar de sensacionalismo, nessa circunstância, é um disparate."
"Soninha: juristas criticam postura do MP", copyright O Estado de S. Paulo, 23/11/01
"A pretensão do Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE) de responsabilizar criminalmente jornalistas e entrevistados por causa da reportagem sobre o uso de maconha, publicada na revista Época desta semana, foi duramente criticada por juristas ouvidos pelo Estado. ?A idéia de uma investigação assim choca?, revela o criminalista Márcio Thomaz Bastos Para ele, a acusação de incentivo ao uso de drogas ?chega perto da censura das idéias.? ?O tráfico tem de ser duramente combatido, mas deve haver uma diferenciação entre as condutas?, afirma. ?Não se pode tratar pessoas sem periculosidade como traficantes.?
Já o criminalista Adauto Suannes, apesar de criticar a maneira como a revista expôs seus entrevistados – principalmente a apresentadora Sonia Francine, a Soninha -, explica que o fato de alguém revelar que fuma maconha ?legalmente não é apologia de crime.?
Thomaz Bastos duvida que o caso vá adiante. ?A maré do pensamento penal moderno faz distinção entre o combate sem trégua ao tráfico e o tratamento, de forma humana, do usuário?, explica. Segundo o jurista, o procurador de Justiça Nelson Lacerda Gertel, autor da representação, ?confunde a discussão de um tema com a apologia das drogas?. ?Ele aproxima-se de uma intolerância Taleban?, diz, referindo-se à milícia fundamentalista islâmica do Afeganistão.
O criminalista Luiz Flávio Gomes também duvida que a investigação vá para a frente. ?Não acredito que um juiz vá aceitar tal denúncia?, opina Gomes.
?Não há crime algum; o MPE não tem razão.?
Para ele, quando a lei cita a estimulação do uso de drogas, quer dizer um ?estímulo efetivo?, como ceder um local ou os instrumentos para o indivíduo drogar-se. ?Tampouco há apologia na revista; são pessoas revelando intimidades, não estão estimulando que alguém copie seu comportamento.?
Sobre a afirmação de Gertel, de que há ?forte impressão? de que a matéria pode ter sofrido influência de traficantes, Gomes diz que não se pode ?raciocinar em termos subjetivos.? ?Ele (o procurador) deveria apontar dados objetivos.?
Para Suannes, ?alguns membros do MP estão mais preocupados com as manchetes dos jornais do que com o cumprimento da lei.?
Boatos – Apesar dos boatos de que a emissora poderia voltar atrás na demissão de Soninha, a assessoria da TV Cultura informou que a direção não vai se pronunciar sobre o caso."