Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Sérgio Luiz Fernandes

DIPLOMA EM XEQUE

"O teclado do computador fere mais que a bala", copyright Consultor Jurídico, 18/11/01

"A ?canetada? da juíza federal substituta, Carla Abrantkoski, da 16? Vara Federal de São Paulo, suspendendo a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista ainda respinga polêmica em todo o país.

A decisão está embasada num pedido feito pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, André de Ramos Carvalho, também de São Paulo, através de Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada.

Na minha humilde opinião, a sentença é um mostrengo jurídico, digno dos laboratórios de um doutor Frankenstein e vou tentar demonstrar isso sem apelar (muito) para a emoção ou aos anseios corporativistas. Vou procurar nadar nas praias de águas turbulentas do universo jurídico em que navega a juíza substituta.

Antes, gostaria de acrescentar que os jornalistas sabem que a objetividade plena não existe. Filtramos as informações ao sabor de nossa vivência (com ou sem diploma, senhora juíza substituta e senhor procurador regional). Busca-se a objetividade a cada palavra, a cada escolha de contexto, lutando contra um ID que pede insistentemente para que manipulemos esta ou aquela informação.

Não fosse o Superego, sempre vigilante e estas escolhas sempre ocorreriam em prejuízo da verdade e em benefício da ideologia deste ou daquele redator. Se alguém notou alguma semelhança, nesse processo, com a cabeça de um juiz na hora de se decidir por esta ou aquela sentença, não é mera coincidência. É assim que a nossas cabeças funcionam. Mas eu vou buscar esse etéreo 100% de objetividade, por mais que eu, como jornalista, tenha uma ligação afetiva com o tema. Cabe ao leitor avaliar se a minha linha de argumentação atinge esse objetivo.

E, objetivamente, na sua sentença a juíza afirma ?que não houve a recepção do art. 4?, inciso V, do Decreto-Lei n.? 972/69, pela CF/88, no que tange à exigência do diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista?. Ou seja: para a juíza Carla Abrantkoski a Constituição de 88 aboliu a exigência do diploma para o exercício do jornalismo. Exigência explicitada no referido decreto.

Este talvez tenha sido o maior equívoco cometido pela juíza substituta e pelo procurador regional em todo este episódio.

A Constituição de 88 não eliminou a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista, mas sim a garantiu! E isto, como será exposto a seguir, é insofismável!

1? Fato: durante as discussões nas comissões temáticas da Constituinte, o deputado federal por Mato Grosso, Rodrigues Palma, tentou fazer com que a comissão ligada à comunicação social aceitasse uma proposta de artigo eliminando a exigência do diploma. A proposta não foi acolhida na comissão e não integrou o documento final (a Constituição de 88).

2? Fato: já nas votações finais da Constituinte, outro deputado federal por Mato Grosso, Jonas Pinheiro, tentou emplacar um artigo nas disposições transitórias concedendo o registro definitivo de jornalista para quem não tinha diploma, mas já exercia a profissão em alguns estados das regiões Centro-Oeste e Norte. A proposta foi rejeitada pela falta de pouco mais de 10 votos. Foi por muito pouco, num universo de mais de 400 votos, mas não foi aprovada!

Ou seja, em dois momentos da Constituinte tentaram acabar com a exigência do diploma e regularizar a situação de quem não o tinha, mas o legislador constitucional não acolheu estas teses. Isto é um fato! Não é uma versão!

Como pode um mesmo fato jurídico servir de base para argumentações tão díspares? De que a exigência do diploma é inconstitucional, como o fazem a juíza substituta e o procurador regional e a alegação deste humilde escriba de um Estado considerado periférico, como Mato Grosso, que advoga o contrário? E sem nunca ter sido advogado.

Em favor do meu posicionamento, só posso dizer que o legislador constitucional não quis acolher teses pelo fim da exigência do diploma de jornalismo, em duas ocasiões. Isto é irretorquível, categórico, insofismável, cadente, escandaloso, óbvio, axiomático, evidente e outros sinônimos mais ou menos assemelhados.

E sem nunca ter entrado numa sala de aula de um curso de Direito, eu sei que ?o que a lei não restringe, não cabe a quem interpreta restringir?. É um princípio jurídico comezinho, que a juíza substituta certamente deve conhecer ou pelo menos deveria. Ora, se o processo Constituinte não eliminou a exigência do diploma, como já o vimos acima, é óbvio que a quem interpreta a Constituição não cabe fazer essa restrição!

Outro equívoco da sentença é afirmar que a regulamentação da profissão de jornalista é inconstitucional pois foi exarada através de um Decreto-Lei, durante um período de exceção. Para começar, a sentença e o parecer do procurador citam muitas vezes o Decreto-Lei n.? 972/69. Este já foi revogado! O que está em vigor é o Decreto n.? 83.284, de 13 de março de 1979. Concordo com quem observou. Este também é da época do regime militar. Mas, se isso valer como base para revogar toda e qualquer lei simplesmente está revogada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)!

Para quem não sabe, a CLT é um Decreto-Lei (n.? 5452), editado por Getúlio Vargas no dia primeiro de maio de 1943. Portanto, em plena ditadura do Estado Novo! E, por exemplo, o ?Pacote de abril?, editado pelos militares para conter a oposição, já nos estertores do regime, no final dos anos 70? Se ele não vale, pois foi editado durante o período militar, existem senadores de Estados com pequena expressão populacional que simplesmente não existem, pois suas vagas (três por Estado) foram criadas através de um ?pacote? editado durante o período de exceção. Quantas outras leis, regulamentos, órgãos e instituição não estariam em situação semelhante, tendo sido criados durante períodos de exceção?

Ou seja: não basta a vertente ideológica para anular uma legislação. É preciso de algo mais sólido do que isto. Também sei, pela leitura de pareceres jurídicos em defesa do diploma de jornalismo, que para se revogar uma legislação é preciso ser bem explícito e específico, a fim de que seja conferida à interpretação das leis um mínimo de objetividade (será que isso existe plenamente no mundo jurídico?). Não tem um único artigo na Constituição afirmando: ?Está revogada e exigência do diploma para o exercício do jornalismo. Revogadas todas as disposições em contrário?. Se não tem, todo entendimento contrário não é fato, é versão. Nós já vimos acima qual é o fato sobre este episódio.

Outro equívoco dos doutos juíza substituta e procurador regional e, desta vez, desculpem por dizer, estapafúrdio, é afirmar que a exigência do diploma de jornalista coloca em risco a liberdade de expressão e de informação. É a séria esta argumentação? Quer dizer que com a vigência do citado artigo do Decreto-Lei que a juíza suspendeu (como é que alguém suspende a eficácia de um Decreto-Lei já revogado?), até dias atrás o país vivia numa ditadura? Com o decreto em vigor não estávamos elencados entre a democracias do mundo livre? A imprensa e a sociedade estavam cerceadas no seu direito à livre manifestação de pensamento? Pedro Collor não podia dizer o que queria sobre o irmão porque havia a exigência do diploma para o exercício do jornalismo? Francamente, esta argumentação beira o ridículo!! A exigência do diploma não restringe o fazer poético de ninguém. Proíbe apenas o fazer técnico.

Só existe liberdade de imprensa, como advogam o doutos juíza substituta e procurador regional, quando um cidadão comum pode invadir uma redação, tirar o repórter do computador e escrever o que ele quiser para ser publicado? Em que lugar do mundo uma redação funciona assim? Ali, na Badernália?

Rechear pareceres contra o diploma com a opinião de entidades patronais não os tornam mais robustos. Apenas, digamos, mais adiposos.

Será que a juíza substituta e o procurador regional que perpetraram essa decisão já ouviram falar na singela frase: a pena fere mais do que a espada? Eu a atualizei no título deste artigo. Utilizo-a para contrapor a temerosa afirmação de que o diploma só é necessário para as atividades que envolvam risco de vida, como a medicina e engenharia. Senhora Abrantkoski e senhor Carvalho, digam isso aos donos da Escola Base. (Sérgio Luiz Fernandes é professor de jornalismo das Faculdades Integradas IVE"

ROSEANA SARNEY

"A metapublicidade e Roseana Sarney", copyright Folha de S. Paulo, 18/11/01

"Está no ar uma campanha publicitária, ou melhor, uma campanha metapublicitária: faz publicidade da publicidade. Num dos filmes, um sujeito vai pedir cerveja no bar e, quando o garçom lhe pergunta ?qual??, ele responde: ?Qualquer uma?. Ao que o garçom retruca: ?Ah, mas qualquer uma não tem?. O cliente se esquiva: ?Então tanto faz?. Pretende-se, com isso, ridicularizar o freguês que não sabe a marca das mercadorias. Segue-se uma lição de moral, severa, em barítono: ?Sem publicidade, o consumidor não tem como saber que um produto é melhor?. Segue-se outra: ?Sem grandes marcas não existem grandes empresas?. Ou seja: sem publicidade não há informação.

A julgar pela campanha, as marcas, bem como os comerciais de TV, são serviços de extrema utilidade pública. Estamos, portanto, diante de uma campanha que é um esforço cívico em prol do esclarecimento público. O termo cívico, aqui, não é puramente irônico é apenas parcialmente irônico. Realmente, é vendo filminho de TV que um bebedor de cerveja imagina que tal marca seja ?superior? à outra; é vendo filminho que se escolhe um modelo de tênis. Se há uma ironia nestas frases, ela não vem do signatário desta coluna, mas da natureza das relações de consumo.

O fato, perverso, é que o consumidor depende da publicidade para estabelecer termos de comparação entre duas mercadorias. Se ele fizer a comparação sem levar em conta a publicidade não conseguirá ver diferença entre este ou aquele par de tênis, esta ou aquela garrafa de cerveja. Calçados, cervejas, cadernetas de poupança, ora, por favor, essas coisas são todas iguais, são commodities como barris de petróleo e sacos de carvão. Suas distinções são de ordem imaginária. Melhor ou pior não é o tênis da marca A ou B, mas a imagem (publicitária) da marca A ou B. Por isso tanta propaganda. Por isso, enfim, o sentido mais profundo da atividade publicitária: fazer publicidade de si mesma. Vendendo um produto qualquer, o publicitário vende a si mesmo. Como se fosse, mais que um camelô, um mediador social insubstituível.

Donde chegamos a Roseana Sarney.

Já que tudo é imagem, alguém deveria proclamar, de uma vez, que a publicidade suplantou o jornalismo na função de mediar os debates públicos. Sem publicidade, não há democracia. Pelo menos, não há eleição. O tal ?fator? Roseana está aí para comprovar. Algumas centenas de inserções de comerciais do PFL na TV transformaram a governadora do Maranhão na nova marca registrada da corrida presidencial. Não que ela seja uma liderança carismática. Todos sabem que o feito de sua própria marca não é dela, mas dos filminhos publicitários.

?Sem grandes marcas não há grandes partidos?, alguém deve ter ponderado nas catacumbas do PFL. ?Sem publicidade o eleitor não tem como saber que um(a) candidato(a) é melhor.? Roseana de cabelos sedosos ao vento, trens em trânsito, criancinhas alegres. Roseana em segundo lugar na preferência dos eleitores, com índices de popularidade em ascensão (na esfera pública, a popularidade sepultou a idéia de legitimidade).

Candidatos são bens de consumo. Seus artífices são os marqueteiros, os novos gênios do Estado, os sucessores dos ideólogos na condução da sociedade. Daí que a propaganda eleitoral virou, ela também, uma forma de metapublicidade. É isso o que estamos vendo no final de 2001. Anunciando seus candidatos-clientes, os publicitários exibem seus dotes. Oferecem-se ao mercado cuja meta é o poder. A publicidade, enfim, torna-se a linguagem eficaz para as mensagens partidárias, suprimindo o debate político. A disputa dos marqueteiros será emocionante. Nenhum eleitor vai gaguejar ao dizer o nome (a marca registrada) do seu candidato.

Quanto ao tipo de República, isso é outra conversa. Qualquer uma. Tanto faz."