LINGÜÍSTICA & LINGÜISTAS
A resposta de Nilson Lage a minha observação sobre a interpretação a meu ver insustentável que ele fizera de um texto de M. Bagno ameaça assumir tom indesejável. O que fiz foi chamar atenção para um equívoco que se comete sempre sobre uma suposta aversão à língua culta e a seu ensino. Na verdade, me espantava que Lage também caísse nele. No comentário a minha intervenção, no entanto, parece-me que Lage repete o discurso.
Sugere que haja quem cultive a maioria iletrada (ainda o Bagno?). Espero que não pense isso de mim, até porque sou considerado um dinossauro pelos defensores de que todas as manifestações culturais são do mesmo quilate. Ele se queixa ? justamente ? de ter que lidar com estudantes a quem não se ensinou o mínimo de língua nacional. Minha opinião é que isso é lamentável. Creio mesmo que ele deveria ter mais tempo para ensinar jornalismo. Eu também tenho que lidar com estudantes que eventualmente escrevem errado (eu os corrijo, aliás).
Mas confesso que tenho (talvez por sorte) menos dificuldade com alunos que "erram" do que com os que vão às fontes e lêem o que nelas não está escrito. Repetem o que já sabiam antes de ler. Creio que ambas as coisas são problemáticas para quem lida com linguagem. Repórteres, por exemplo, deveriam ser fiéis às fontes. Como leitor de jornais, eu diria que isso é até mais importante do que algumas regências (eu disse MAIS importante; não desimportante).
Acrescento uma observação de caráter quase pessoal. Não sei se Nilson lembra, mas eu, sim (é que conversar com ele é muito interessante; além disso, é uma referência bibliográfica importante): passamos boas horas juntos, quando de uma defesa de dissertação orientada por ele, em Florianópolis, e ainda no dia seguinte, ele perdendo seu tempo e me mostrando a Ilha, gentilíssimo. De fato, o tempo que já passei com ele é maior do que o que já passei com Bagno. De modo que o juízo segundo o qual eu defendi Bagno por ser seu amigo é uma inferência injusta. Ou teríamos que admitir que os que discordam dele o fazem por serem seus inimigos…
Poder concordar com ou discordar de N. Lage ou de Bagno, ou de quem quer que seja, sem que isso exija relações de amizade ou implicâncias pessoais, deveria ser possível. Eu acho que é.
Parece que a contenda Bagno-Pasquale (não conheço ambos) assume formas não pressentidas. Por exemplo, quando eu escrevi que Bagno era bobo não o achava parecido com um relógio nem com um anão ocupado em agradar alguma corte. Apenas deixei claro que é grossa ingenuidade criticar um sujeito como o Pasquale, de grande sucesso popular, justamente quando ele lança uma gramática ? é o tipo da coisa que só serve para vender mais a gramática.
Também é ingênuo, ao criticar Pasquale, sair dando cotoveladas em velhos mestres, porque, é claro, iguala esses velhos mestres ao Pasquale, o que, ainda que fosse cabível, não levaria água ao moinho da crítica.
Finalmente, a exaltação dos falares coloquiais, regionais etc. nada tem a ver ? e isso é que acho importante ? com o sistema de normas formal que rege a língua, falada ou escrita, em textos técnicos, didáticos, científicos, informativos etc. Nove em 10 estudantes, aflitos com seus textos rabiscados pela correção, rogam por uma gramática.
Como explicar a um aluno que o sujeito concorda com o verbo se ele não sabe o que é sujeito nem distingue verbo de nome? Como demonstrar que no texto expositivo parágrafos são iniciados freqüentemente com sentenças-tópico, se o aluno não sabe o que é sentença? Como convencer o estudante de que orações intercaladas vão entre vírgulas, se ele não sabe o que são orações, muito menos intercaladas? Alguma gramática, creio, é necessária.
Claro que recebi bem o professor Possenti. Minha posição não é pessoal. E não envolve repórteres, que fazem o que podem com as condições que têm, nem professores de primeiro e segundo grau que (eu sei; minha mulher trabalha nisso há 25 anos) nada podem fazer diante de um sistema que quer eliminar a repetência aprovando todo mundo e transfere para a sala de aula as mais recentes teorias sobre qualquer coisa.
Não entendo por que Possenti achou que eu tinha alguma coisa contra a sociolingüística. Não tenho.