Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Steve Lohr e David D. Kirkpatrick

ACORDO AOL / MICROSOFT

"Microsoft e AOL Time Warner acertam disputa de software e formam aliança", copyright UOL Mídia Global / The New York Times (www.uol.com.br/midiaglobal), 30/5/03

"A Microsoft concordou em pagar à AOL Time Warner US$ 750 milhões (cerca de R$ 2,25 bilhões) em um acordo legal, na quinta-feira (29/05). A solução marca o fim de uma das rivalidades mais ferrenhas da história corporativa moderna e envolve as duas empresas a um grande programa de cooperação.

Sob os termos do acordo, Microsoft dará à AOL sete anos de uso, sem royalties, de seu software de navegação na Internet, além de maior acesso ao sistema operacional Windows. Isso tornará mais fácil o funcionamento dos serviços da AOL com o Windows, utilizado por 90% dos computadores pessoais.

Microsoft também dará a AOL Time Warner uma licença de longo prazo para uso de seu software que envia músicas e vídeos pela Internet. Microsoft prometeu ainda trabalhar junto à AOL Time Warner para desenvolver um software que proteja da pirataria seu acervo de músicas e filmes. As duas empresas também concordaram em discutir formas para abrir suas redes para envio e recebimento de mensagens instantâneas pela Internet.

A aliança inesperada entre os dois titãs reflete uma mudança fundamental em sua orientação, com o arrefecimento da tendência de convergência entre empresas de tecnologia e mídia.

AOL Time Warner hoje é menos uma empresa de tecnologia do que já foi. Sua subsidiária Netscape, pioneira em software comercial de navegação pela Web e competidora da Microsoft, encolheu.

Ao mesmo tempo, a Microsoft -que, nos anos 90, investiu tanto em mídia que levou muitos executivos do setor a temerem-na- recentemente voltou a se concentrar em seu ramo original de software.

Estrategicamente, as duas digladiadoras -apesar de ainda competirem em alguns campos- voltaram aos seus setores originais.

?É o final de uma longa guerra. AOL Time Warner (hoje) é muito mais uma empresa puramente de mídia, enquanto a Microsoft voltou em grande parte às suas raízes de software?, disse David B. Yoffie, professor de negócios em Harvard.

O acordo de cooperação inclui um pagamento de US$ 750 milhões da Microsoft para solucionar um processo antitruste movido pela Netscape em janeiro de 2002. Em 1998, o governo iniciou processo contra a Microsoft por suas práticas antitruste e apresentou a Netscape como principal vítima corporativa. Depois de longo processo, uma corte federal de recursos concluiu que a Microsoft, várias vezes, tinha violado as leis antitruste do país, reprimindo a competição para preservar seu monopólio em sistemas operacionais de computadores pessoais.

A soma de US$ 750 milhões é grande para um acordo legal, apesar de representar pouco mais do que um trocado para a Microsoft, que tem mais de US$ 40 bilhões (aproximadamente R$ 120 bilhões) em dinheiro no banco. A empresa, que não desembolsou nada no acordo com o Departamento de Justiça para que mudasse seu comportamento, ainda enfrenta outros processos antitruste, inclusive uma investigação na União Européia e uma ação da competidora Sun Microsystems.

No entanto, o acordo de quinta-feira foi importante para a Microsoft, que, eventualmente, poderia ter sido forçada a pagar bilhões em danos, de acordo com especialistas. No último ano, a Microsoft vem tomando uma atitude mais conciliatória com seus competidores em geral.

Bill Gates, criador e diretor da Microsoft, disse em entrevista: ?A mensagem é colocar as diferenças do passado para trás?.

A nova direção da AOL Time Warner, de acordo com analistas, também suavizou o caminho de negociação. O ex-diretor da AOL Time Warner, Stephen M. Case, que deixou o cargo este mês, muitas vezes confrontou Gates, que é igualmente combativo. Case foi o líder por trás da subida da America Online para se tornar a principal servidora de acesso à internet. Ele comprou a Netscape em 1999, por US$ 10 bilhões (cerca de R$ 30 bilhões), para competir de frente com a Microsoft.

O sucessor de Case, Richard D. Parsons, disse que o ex-diretor foi informado de cada passo das negociações. Outros funcionários da empresa, porém, disseram que Parsons facilitou o acordo pragmático.

?Talvez indique uma mudança de postura?, disse Parsons, na quinta-feira, em entrevista. ?Estamos colocando o passado para trás?. Tradução: Deborah Weinberg"

MONOPÓLIO CULTURAL

"Uma reação ao monopólio intelectual", copyright O Estado de S. Paulo, 30/05/03

"O senhor Joaquim Falcão, conselheiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, assinou um veemente artigo, intitulado O Aleijadinho é Público ou Privado?, publicado neste jornal no dia 16 de maio.

Sou eu, Renato de Almeida Whitaker, o colecionador paulista cujo nome não foi citado ao longo de toda a matéria. Colecionador que se dedica há 25 anos à imaginária mineira do século 18 e que possui 49 imagens atribuídas a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Mais exatamente, duas imagens tombadas, uma em estudo para tombamento, 29 atribuídas e 17 em estudos para atribuição.

A bem da verdade, não me considero exatamente proprietário das imagens, mas apenas o fiel depositário de uma importante parcela do patrimônio cultural brasileiro.

E, como tal, compete-me também protegê-las, restaurá-las, estudá-las e expô-las. Penso que, agindo dessa forma, colaboro ativamente com a preservação do patrimônio artístico nacional, pois o Iphan, como é sabido, não tem condições de se responsabilizar pela totalidade desse patrimônio.

Portanto, quero deixar claro que não concordo com o seu ponto de vista, induzindo o leitor a pensar que, por trás de uma coleção de obras de arte, está apenas o interesse financeiro.

O fato é que as coleções privadas fazem parte do universo cultural de qualquer nação civilizada, tendo dado origem, em muitos casos, a coleções institucionais formadas a partir de generosas doações.

E não quero citar exemplos, pois o senhor Falcão é um intelectual ativo e, com certeza, deve conhecê-los bem de perto.

Sobre a ordem judicial de apreensão do livro da editora Capivara, que prevê também o segredo de justiça, justamente pelo interesse privado que envolve o processo em questão, não me manifestarei, em obediência à decisão judicial.

A decisão da Justiça, em um Estado de Direito, não se discute: cumpre-se.

Não é esse o caminho da Justiça em um Estado de Direito? O que o senhor Falcão está discutindo não é, afinal, o direito de especialistas de emitirem publicamente sua opinião, mas o próprio Estado de Direito, no qual um cidadão solicita uma posição da Justiça e essa solicitação é julgada… em suma, para falar com franqueza, entrei pela porta da frente.

Na verdade, o centro da questão não é a propriedade das imagens e seu valor financeiro; o que está em jogo também não é o direito de opinião de estudiosos ou especialistas. Posso assegurar que não é o direito de opinião que está ameaçado, mas o direito das coleções, institucionais e privadas, que foi desprezado.

Tanto quanto os autores, também tenho direito de opinião. E, em minha opinião, não foi a minha coleção, mas o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional o grande prejudicado pelo livro em questão.

Explico-me: atribuições realizadas por especialistas a serviço do Iphan:

intelectuais do porte de Rodrigo Melo Franco de Andrade, Lúcio Costa, Germain Bazin, Robert Chester Smith, Jair Afonso Inácio, Orlandino Seitas Fernandes, Edgar Cerqueira Falcão, foram desautorizados, a meu ver desautorizados arbitrariamente.

E esse é o ponto que interessa ver esclarecido: o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, através de sua presidência e de seu conselho, autoriza e avaliza essa revisão?

E como fica a questão dos tombamentos realizados em função das antigas atribuições, agora supostamente desautorizadas no livro? As imagens serão destombadas?

Das 49 imagens de minha coleção, apenas uma foi contestada; ao passo que são contestadas 42 imagens tombadas pelo Iphan.

Está correto o senhor Falcão, quando afirma que, exceto as pouquíssimas obras para as quais existe documento incontestável, recibo de pagamento assinado pelo próprio Aleijadinho, todas as demais devem ser consideradas como atribuídas ao Aleijadinho.

E, acrescento, quanto maior for a credibilidade do estudioso que realizou a atribuição, maior a credibilidade da mesma. Isso foi escrito, em texto de minha autoria, que publiquei há cerca de três anos, no catálogo da exposição Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho: O Que Vemos e o Que Sabemos.

Mas, repito, esse não é o ponto central da ação judicial. Essa desautorização da credibilidade dos estudiosos acima citados é a questão central da carta que enviei à presidência e ao conselho do Iphan e da qual o senhor Falcão, como conselheiro do Iphan, deve ter conhecimento.

Pois o Iphan, de meu ponto de vista, está diretamente envolvido: uma conselheira e dois funcionários da instituição, utilizando informações colhidas durante seu trabalho, publicam um livro patrocinado por um banco e editado por uma empresa privada, valendo-se também da chancela institucional não autorizada para promoção da edição.

Nesse livro, todo o trabalho do Iphan, relativo ao Aleijadinho e realizado entre 1937 e 2002, é posto em questão, sem que as razões teóricas dessa revisão sejam claras. O que é importante saber, em termos diretos, é se a presidência e o conselho do Iphan aceitam essa revisão.

E, uma vez aceita, será necessário que o Iphan também esclareça que os textos publicados em sua revista e em sua série de monografias já não vigoram, quando se referem ao Aleijadinho.

E que atribuições realizadas pelo fundador do Iphan, Rodrigo Melo Franco de Andrade, já não são válidas.

Como o senhor Falcão pode ver, a liberdade de opinião tem dois lados e eu estou expondo o reverso da medalha: o trabalho intelectual acumulado ao longo de 65 anos, trabalho de intelectuais como Mário de Andrade, Rodrigo, Lúcio, Bazin, Smith, está posto em dúvida.

Se o Aleijadinho é um artista fundamental para a nacionalidade brasileira, é necessário que quaisquer revisões históricas sejam realizadas por grupos amplos de especialistas, intelectuais e estudiosos, científica e democraticamente escolhidos e designados. E que as razões de suas opiniões sejam claras e abertas.

Pois, se ao senhor Falcão parece um caso de censura, a mim parece um caso óbvio de hegemonia, monopólio intelectual exercido à sombra do Iphan.

Respondendo à pergunta do senhor Falcão, o Aleijadinho é público e como tal precisa ser tratado. E se o poder público acobertar ações prejudiciais ao patrimônio cultural nacional, compete à cidadania denunciá-las.

Esse é o caminho correto em um Estado de Direito, é isso que fortalece o conceito de cidadania em uma nação democrática.

Com a palavra o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Renato Whitaker é colecionador de arte"