SANGUE NA TV
A Procter & Gamble está retirando seus anúncios de um programa de sátiras de uma emissora árabe, em que um ator faz o papel do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, bebendo sangue de crianças árabes e atirando nos inimigos capturados. Em outro quadro a paródia exibe Drácula mordendo o pescoço de Sharon e morrendo em seguida, porque o sangue do primeiro-ministro seria sujo. O fabricante de chocolate italiano Ferrero também pensa em tirar seus comerciais da emissora.
O programa, intitulado Terrorismo, é transmitido pela TV via satélite Abu Dabi durante o Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos, que começou em 16 de novembro. Excertos do programa foram exibidos na TV israelense e suscitaram expressões de repúdio do público. Shimon Peres, ministro do Exterior israelense, achou o programa "repulsivo". Guy Verhofstadt, primeiro-ministro belga, disse que a sátira é "um escândalo".
De acordo com Jack Katzenell [The Associated Press, 20/11/01], a Procter & Gamble anunciava uma marca de xampu nos comerciais do programa. "Cometemos um erro e tomamos uma atitude para corrigi-lo", disse Linda Ulrey, porta-voz da empresa em Cincinnati (EUA). Linda afirmou que a empresa evita anunciar em programas violentos, moralmente ambíguos e ofensivos a crenças religiosas ou posturas políticas. O chocolate Kinder, da Ferrero, também foi anunciado nos intervalos do programa. "Tomaremos medidas imediatas para encerrar nossa participação", disse Zion Daya, gerente de produtos da Ferrero em Israel.
Ismail Abdullah, diretor da TV Abu Dabi, não quis comentar as críticas, dizendo apenas que Peres perdeu seu senso de humor. "Em vez de ficar furioso com a mídia, Israel deveria olhar de perto suas políticas e parar de atirar em palestinos", disse ele à agência oficial de notícias dos Emirados Árabes Unidos.
Gideon Meir, porta-voz do ministro do Exterior, disse que Israel provavelmente sugerirá que outras empresas sigam o veto iniciado pela Procter & Gamble. "Tenho certeza de que as empresas não faziam idéia do conteúdo anti-semita virulentamente exposto no programa quando compraram o tempo de propaganda", afirmou Meir.
Chamem a ONU
No dia 19 de novembro, Peres teria enviado reclamação formal à ONU, segundo o secretário do gabinete Gideon Sa?ar. A "grave" sátira reflete uma cultura de "incitamento, ódio e calúnias sangrentas" no mundo árabe, afirmou Sa?ar. Herb Keinon [The Jerusalem Post, 19/11/01] conta a emissora é a segundo mais popular no mundo árabe. Além da cena de Sharon bebendo sangue de crianças,
As cenas lembram "as piores formas de anti-semitismo que encaramos pela história", disse Sa?ar. Para cumprir a obrigação de Israel em apontar essas manifestações ao mundo e mostrar à comunidade internacional o ódio contra seu povo, o Ministério do Exterior gravou as cenas em fitas com legendas em inglês. Um funcionário do governo israelense disse que este caso é apenas uma amostra. Essas caricaturas, diz, estão quase todos os dias na imprensa árabe, especialmente no Egito.
A questão da emissora Abu Dhabi é mais grave porque o número de telespectadores, na casa dos milhões, é bem maior que o de leitores dos jornais em que piadas anti-semitas costumam aparecer.
ÉTICA & LEI
Se um jornalista descobre documentos mostrando como construir uma bomba nuclear é obrigado a dá-los às autoridades?
A questão, que permeia ética, segurança nacional e leis internacionais em tempos de guerra, parece um dilema para discussão em aulas de ética das escolas de Jornalismo. Mas o exemplo é real. Segundo Sally Beatty e Matthew Rose [The Wall Street Journal, 19/11/01], em dramática transmissão ao vivo na manhã de 16 de novembro, Christiane Amanpour, famosa correspondente da CNN, segurava documentos descobertos em Cabul contendo instruções de como fabricar uma arma nuclear.
Reportagens baseadas em documentos encontrados em casas abandonadas por ativistas da al-Qaeda também apareceram em outros veículos noticiosos, incluindo o Washington Post, o Times of London e a BBC. Repórteres que visitaram algumas bases militares também puderam encher pastas de documentos abandonados no local.
Os papéis provocam mais que um sentimento forte pelos eventos dramáticos desvelados em solo afegão. Os escritos fazem referências ao TNT e ao Urânio 235, poderosas substâncias radioativas, e apresentam instruções escritas a mão para explodir pontes, torres, aviões e trilhos ? tudo citado por Christiane ?, que poderiam fornecer dicas para ataques terroristas futuros.
Geralmente, repórteres compartilham informações com o governo para receber informações adicionais e saber o significado potencial de uma descoberta. Matthew Furman, porta-voz da CNN, não soube dizer se a emissora planeja mostrar os documentos a funcionários americanos. Oficiais de elite do Pentágono disseram não estar a par de qualquer pedido ao Departamento de Defesa para ver os documentos obtidos por jornalistas.
Não há lei internacional sobre o assunto. Também não está claro se as leis americanas relacionadas à liberdade de imprensa se estendem a este caso, segundo Floyd Abrams, sócio do escritório de advocacia Cahill Gordon & Reindel, em Nova York, especialista em Primeira Emenda. "Se houvesse um governo central no Afeganistão, o governo poderia usar sua própria legislação", disse.
Alguns defendem a divulgação dos papéis. Para Bob Steele, diretor do programa de ética do Poynter Institute, centro de pesquisa em jornalismo, as informações reveladas são importantes. "Há uma obrigação ética para garantir que o jornalista não está retendo certas informações que poderiam causar danos a outros se não fossem reveladas", disse.