Saturday, 30 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Suplemento trash, conteúdo idem

FOLHA CURUMIM

Deonísio da Silva (*)

A Folha de S. Paulo tem um suplemento denominado Folhateen. O neologismo, além de desnecessário, é ilógico e de mau gosto. Provavelmente insere-se naquelas vagas e difusas intenções de atingir o público jovem.

Para atender aos jovens, os jesuítas deram o exemplo ainda nos albores de nossa infância profunda, no século 16. Desanimados de converter os grandes, dedicaram-se com zelo todo especial às crianças dos silvícolas, cuidando dos curumins. Não passou pela cabeça de padres como Anchieta e Nóbrega impor o português aos índios. Trataram de aprender a língua geral. Por isso, a oração ave-maria, quando rezada em tupi-guarani, invoca tantas vezes o nome de Tupã. "Ave, mãe de Tupã, Tupã esteja contigo, bendita é a mãe de Tupã entre as mulheres, bendito o fruto de Tupã que está no teu ventre". Etc.

O Folhateen deve ser lido por marmanjos que estão bem além do que a gíria americana denomina teenagers, buscando cobrir a idade que vai dos 13 (thirteen) aos 19 anos (nineteen). Ainda assim, a gíria é outra. O professor Haquira Hosakabe fez um belo estudo da noção de interlocutor. Estudou o caso de Getúlio Vargas. O ditador podia falar rodeado de representantes das elites, mas não esquecia que o rádio estava levando sua fala aos trabalhadores do Brasil. E falava para eles, não para os que o rodeavam.

Chutatis chutandi, os editores do suplemento em questão esquecem-se dos leitores. Esquecem-se também de que escrevem no Brasil, para leitores brasileiros, em língua portuguesa. Nisso, aliás, seguem o ramerrão geral do jornal que põe em letras garrafais a palavra "sequestro", seqüestrando o trema. E no mais recente Folhateen (7/1/02) a chamada de capa é "Hall of fame 2001". Ó dor! Desnecessário e ridículo. Não temos equivalente para "hall", "fame", "of" e "teen"? Ano passado, o caderno de Esportes da mesma Folha tentou impor "playoff" para finais. Não pegou.

Critérios discutíveis

A edição é especial. "Leitores do Folhateen elegem os melhores e os piores do ano que passou". Quantos foram consultados, qual o universo constituído para a pesquisa? Quais as perguntas que lhe foram feitas? Nada nos é informado. Mas os resultados são desconcertantes.

O discrepante começa com a música. Cássia Eller foi a cantora preferida dos jovens. O homem mais desejado foi o atual marido da jornalista Marília Gabriela. O melhor livro foi Estação Carandiru, de Dráuzio Varela. Bem, este é um caso grave porque o livro é bem anterior a 2001. Erraram o ano do livro. Quem errou? Os jovens consultados ou os editores do suplemento? Seja quem for, os editores erraram.

O filho da prefeita Marta Teresa Suplicy comparece entre os piores. Desconheço os motivos da omissão do segundo nome por sua titular. Afinal, marta é um mamífero carnívoro e digitígrado, de pele muito apreciada. Em A Mulher Fatal, Camilo Castelo Branco escreve: "vestia um modesto vestido de seda, e agasalhava-se numa capa de martas". Digitígrado é o animal que anda na ponta dos dedos, de que são exemplos os gatos. Marta é uma "gata" e anda na ponta dos saltos. Já é hora, aliás, de descer deles e cuidar melhor da cidade, mas este é outro assunto. O caso é seu filho, o cantor Supla, bicampeão em cabelo trash, de novo um neologismo dispensável.

Na área internacional, o vilão dos leitores do suplemento foi ninguém menos que o presidente dos EUA, George W. Bush, com 52%, seguido de Osama Bin Laden, com 39%. E sem contar que os dois foram escolhidos por 7%. Resta saber se estes 7% foram acrescentados aos 52% do Bush, porque daí ele ficaria com 59%.

Os editores debocham também de um sofrimento inaudito, imposto aos habitantes de Cabul, capital do Afeganistão, na pergunta: "Personalidade: quem você mandaria para Cabul?". O ator Alexandre Frota foi o escolhido, seguido de Sandy e Xuxa. Sugiro que os editores do suplemento sejam escalados para correspondentes de guerra no Afeganistão. Talvez aprendam a respeitar o sofrimento alheio.

Em resumo, para usar a linguagem de seus editores, um suplemento trash, com perguntas idem e respostas ibidem. Depois se queixam de que os jovens não lêem e ainda manifestam surpresa, não sem arrogância, porque nenhum dos consultados lembrou-se de uma só capa do suplemento como a pior do ano.

A Folha já tentou aumentar o número de leitores encartando dicionários que, aliás, parece que a rapaziada que faz o Folhateen não consulta. Estabelecer suplementos por idade já é discutível. Gastar papel e tinta ? sim, parece que só o que gastaram ? com tantas inutilidades e irresponsabilidades, "cousa é que admira e consterna".

Aguardemos a palavra do ouvidor do jornal. Sorry, do ombudsman.

(*) Escritor e professor da Universidade Federal de São Carlos, doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Os Guerreiros do Campo e De Onde Vêm as Palavras