IMPRENSA & PODER
Luciano Martins Costa (*)
Se alguém pudesse identificar e entrevistar os soldados americanos que mataram na semana passada o iraquiano Mohammad al-Barheini, de 25 anos, certamente constataria tratar-se de profissionais conscientes de seu papel de defensores da livre iniciativa e do direito que, segundo esses princípios, tem um comerciante de proteger seu empreendimento contra a ameaça de um bando de saqueadores. No entanto, os soldados fuzilaram o capitalista e deixaram o caminho livre para os loosers que eles tanto desprezam. Faltou-lhes informação de qualidade: eles se fiaram no relato de uma das partes e atiraram sem ouvir o outro lado.
Não é a mesma coisa, mas há um princípio semelhante no procedimento dos parlamentares brasileiros, filiados ao partido do governo, que passaram o final de semana preparando o arsenal com que iriam bombardear, nestes próximos dias, os projetos de reforma econômica: em um e outro caso, ambos os grupos de protagonistas baseiam suas ações em manuais de procedimento conferidos e provados em um sem-número de embates militares e políticos. E em ambos os casos, uma visão limitada da realidade os faz repetir a antiga prática dos atos que prejudicam os interesses de preservação dos próprios indivíduos que os praticam ? tanto os militares americanos como os "radicais" do PT põem em risco os objetivos de longo prazo que os coloca no jogo militar ou político ao ceder à tentação da ação imediata, radical e denunciadora de pouca reflexão.
Pouco se sabe dos soldados que executaram Al-Barheini, contribuindo para colocar mais empecilhos nos planos americanos para o pós-guerra; mas, dos parlamentares que planejam fuzilar o principal projeto do governo ao qual pertencem, sabe-se que nenhum deles tem raízes no berço do petismo. Todos eles receberam suas oportunidades de militância e carreira a partir da segunda metade dos anos 1980, em nichos do sindicalismo oficial que se beneficiaram do vazio de lideranças e da pobreza dos debates políticos que marcaram aquela década. Pelo menos um deles, o deputado Lindberg Farias (PT-RJ), teria a carreira melhor definida por sua postura de celebridade do movimento estudantil do que por contribuições relevantes ao avanço da democracia no país. Muitas colegas jornalistas costumavam se referir a ele como Lindoberg Farias, sempre relevando a superficialidade de suas opiniões em função do aspecto ? digamos ? fashion de sua presença na cena política.
Consciência pública
E o que isso tem a ver com a imprensa que se procura observar daqui? Tem tudo a ver, no que o velho vício do declaracionismo tem produzido de distorções no universo político, econômico e social mediado. Na falta de vontade ou condições para práticas mais consistentes que permitam oferecer à opinião pública condições ideais para a análise do noticiário, amplifica-se a manifestação de personagens secundários da cena, dando-lhes uma importância tal que acabam se tornando definidores dos processos políticos e econômicos.
Em alguns casos, pode-se perceber claramente que a escolha dos protagonistas do noticiário continua refletindo preferências de jornalistas identificados com as idéias de seus entrevistados, independente de seu peso específico no grande quadro que se pretende retratar. Em outros casos, como se evidencia no prestígio que lhes dá um conhecido radialista de São Paulo, que nunca escondeu sua admiração pelo malufismo e sua ojeriza quase física a qualquer coisa que cheire a progressismo ? sempre temperando as notícias sobre os "radicais" com observações desairosas sobre a base política do governo de Lula ?, as contradições na base política do governo são sempre destacadas e amplificadas, como argumento para atacar a credibilidade do projeto petista como um todo.
Não que se devesse censurar as manifestações de quem quer que seja: trata-se apenas de refletir sobre os efeitos de longo prazo, sobre as próprias chances de desenvolvimento do país, em muito determinadas pelas escolhas que fazemos no dia-a-dia das redações. Mesmo porque, depois da atuação do PT como oposição ao governo dos tucanos, fica difícil fazer um diagnóstico do atual surto daquela catapora ideológica que em mais de uma ocasião levou à falência projetos populares de poder. Mais uma vez, trata-se de observar em que medida nossas escolhas, feitas no calor da edição, contribuem para nossos interesses de preservação, como servidores da consciência pública.
(*) Jornalista