Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Texturas de um coração corintiano

ENTREVISTA / LUIZ CARLOS RAMOS

Luiz Egypto

Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar, de Luiz Carlos Ramos, Editora do Brasil, 303 pp., São Paulo, 2001. Tel. (11) 222-0211, <www.editoradobrasil.com.br>

A paixão pelo futebol é um truísmo e a imprensa esportiva soube aproveitar-se disso. Num dado momento porém a emoção misturou-se aos negócios e às negociatas e aquilo deu nisso: o futebol brasileiro transformou-se num saco de gatos, uns mais espertos do que outros.

Vicente Matheus (1908-1997) era uma raposa, para insistir no trivial. E escrever sua biografia foi tarefa a que se propôs Luiz Carlos Ramos, 57 anos e 37 de profissão, editor-assistente da primeira página de O Estado de S.Paulo e professor da PUC-SP. O resultado é um livro ágil e bem-apurado que conta a história do notório dirigente do Sport Club Corinthians Paulista e, em meio à narrativa, ajuda a desvendar algumas das razões da paixão avassaladora que arrebata os corações corintianos. Em texto desapaixonado.

O autor concedeu ao OI a seguinte entrevista:

Você é são-paulino histórico, dos quatro costados. Por que o interesse pela biografia do dirigente do arqui-rival Corinthians e a decisão de publicar Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar?

Luiz Carlos Ramos ? Fui são-paulino, quando garoto, e admito ter ficado emocionado ao fazer a cobertura da conquista dos dois títulos mundiais pelo São Paulo, em Tóquio, em 1992 e em 1993. Como jornalista, considero o Corinthians um tema apaixonante. Em outubro de 2000, fui convidado pela Editora do Brasil para escrever a biografia de algum grande personagem do esporte. Ofereci para a editora uma lista de 5 nomes, que incluía o dirigente Vicente Matheus e 4 jogadores do passado: o corintiano Rivelino, o palmeirense Jair Rosa Pinto e os são-paulinos Canhoteiro e Zizinho. A editora optou por Matheus e gostei da escolha. Foi importante voltar à história do Corinthians, clube que cobri diariamente como repórter do Jornal da Tarde, de 1966 a 1968.

Como Vicente Matheus se relacionava com a imprensa? Era fonte confiável? Queixava-se das coberturas?

L.C.R. ? Vicente Matheus, como tantos dirigentes, queixava-se da mídia. Dizia que muitos repórteres deturpavam o que ele falava. E lamentava que alguns jornalistas chegassem a lhe pedir dinheiro para escrever coisas positivas sobre o Corinthians e sobre sua administração. A mídia, de qualquer modo, foi responsável, em grande parte, pela fama alcançada por Matheus.

Matheus interessava-se em cativar jornalistas?

L.C.R. ? Matheus não mostrava grande interesse em agradar jornalistas. Basta lembrar que, ao contrário do que acontecia com seu irmão, Isidoro Matheus, que, como vice-presidente de futebol do Corinthians, enviava um litro de uísque para cada jornalista esportivo de São Paulo no fim de cada ano, Vicente Matheus não era de presentear repórteres. E costumava dizer, após a entrevista: "Vê se escreve tudo certinho, heim?!"

É possível imaginar um "estilo Vicente Matheus de comando" em tempos de tanto profissionalismo, contratos de patrocínio, direitos de imagem, negócios e negociatas no futebol brasileiro?

L.C.R. ? Hoje, seria difícil Vicente Matheus conviver com esse esquema de patrocinadores e parceiros que acabam influindo muito no clube e chegam até a vender passes de grandes jogadores em pleno campeonato. Aconteceu algo assim com o Corinthians e com o Palmeiras, recentemente. Matheus resistia até à idéia de a camisa do Corinthians ter o nome do patrocinador. Depois, acabou cedendo. Mas não aceitava palpite de patrocinador. Ele era folclórico e centralizador. Lutava muito pelos interesses do clube. E, verdade seja dita, não usava o Corinthians para ser candidato a algum cargo na política e não roubava dinheiro do clube: ao contrário, chegou a colocar dinheiro do próprio polso para comprar passes de jogadores (Almir, o Pernambuquinho, em 1960, por exemplo).

Que método de trabalho utilizou para escrever o livro?

L.C.R. ? Conheci o Vicente Matheus em 1964, quando eu estava começando minha carreira de jornalista, e tive muitos contatos com ele nos anos 60, 70 e 80. Muito do que aparece no livro é fruto desses contatos. Pesquisei reportagens e entrevistas feitas com Matheus por outros jornalistas nestas quatro décadas. Entrevistei mais de 20 pessoas, com destaque para as filhas de Matheus (do primeiro casamento, com Ruth, que morreu em 1967), Abigail e Dalva; assim como a segunda mulher dele, Marlene, o jogador Basílio (autor do gol do título de 1977), e outros. Dividi a obra em 50 capítulos curtos. Demorei seis meses, entre pesquisa, entrevistas e texto final.

Você começou no jornalismo cobrindo esportes. Quais as transformações mais notáveis havidas na cobertura esportiva? Melhoramos ou pioramos?

L.C.R. ? Melhorou a tecnologia na mídia, pioraram as coberturas na mídia esportiva, em relação a 1966, época do surgimento do Jornal da Tarde, um veículo que de fato revolucionou o jornalismo no Brasil. O JT era inovador e independente. Hoje, há coberturas superficiais, análises limitadas, muitos jornalistas ligados a esquemas comerciais e um número excessivo de ex-jogadores como colunistas ou comentaristas (aliás, de péssima qualidade, com exceção de Tostão).

O jornalismo esportivo é terreno propício para a explosiva mistura de emoção com razão. Como precaver-se desse risco?

L.C.R. ? É difícil. No esporte, a pressão da emoção e da paixão é muito forte. Tem havido exageros. A TV Globo com Galvão Bueno, por exemplo, exagera no ufanismo em torno da seleção brasileira. Aliás, eu gostaria que a mídia esportiva do Brasil começasse a dar destaque para outros esportes e não apenas para o futebol e para aqueles em que, eventualmente, um brasileiro faz sucesso, como o tênis, de Guga.

A mídia tem contribuído desvendar os bastidores do futebol no Brasil? Ou a cobertura desse esporte mudou de editoria e definitivamente transformou-se num caso de polícia?

L.C.R. ? As CPI do Futebol na Câmara e no Senado serviram para apresentar detalhes da corrupção no esporte. Mesmo assim, muitos veículos da mídia demoraram para entrar no tema. Para determinados jornalistas esportivos muito ligados a interesses comerciais não interessa qualquer tipo de investigação: interessa manter o atual estilo de dirigente, o modelo Ricardo Teixeira. Mas, um dia, isso pode mudar. Vai depender da possibilidade de o lado sadio da mídia esportiva prevalecer sobre o lado podre. Em outros setores da mídia e do País também existem esses dois lados. O lado positivo vencerá se o Brasil, como um todo, reagir para o campo saudável.

    
    
              

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