ENTREVISTA / AAT SCHOUWENAAR
“Espiar é humano”, copyright Época, 1/12/03
“O economista holandês Aat Schouwenaar, presidente da Endemol, faz parte da geração que revolucionou a TV mundial. Em 1999, a companhia apresentou na Holanda o primeiro Big Brother, o reality show que já foi exibido em 22 países. Em quase todos, as primeiras edições dos BBs foram atacadas pelos críticos como exploração de uma curiosidade supostamente mórbida. Também em todos os países, os BBs superaram as críticas e se tornaram megassucessos. Os reality shows fascinaram o público, produziram dezenas de celebridades instantâneas e mudaram as grades das programações. ‘Ser curioso é humano’, disse Schouwenaar, em entrevista a ÉPOCA na quarta-feira, depois de um temporal no Rio de Janeiro.
Por contrato, Schouwenaar não pode comentar o próximo Big Brother Brasil, que estréia em janeiro na TV Globo. Foram recebidas 70 mil inscrições e os vídeos dos desclassificados estão sendo veiculados no Fantástico e no site do programa. O BBB4 terá novidades em relação aos anos anteriores. Além dos 12 participantes escolhidos por vídeos e entrevistas, mais dois serão selecionados por sorteio. Depois do sorteio, eles terão de passar por testes físicos e psicológicos. Serão um homem e uma mulher que entrarão no programa dois dias após o início e terão imunidade por uma semana. Nesta entrevista, Schouwenaar dá uma dica aos que pretendem levar os R$ 500 mil de prêmio do programa para casa. ‘Não há uma fórmula. Em geral, porém, ganha quem sabe tocar o sentimento do público. Seja legal. Normalmente, o candidato manipulador pode até chegar ao final, mas não ganha.’
ÉPOCA – Programas como o Big Brother se baseiam na curiosidade das pessoas sobre o que o outro está fazendo. Isso é normal?
Aat Schouwenaar – Mas a curiosidade não é um sentimento natural? Todos têm curiosidade de saber o que acontece na vizinhança. É a base de muitas revistas, de livros, filmes e peças. Ser curioso é a forma básica de conhecer alguém. Daí a idéia do Big Brother. Eu diria que é mais natural do que se imagina.
ÉPOCA – Mas esse tipo de programa não exagera na invasão de privacidade?
Schouwenaar – Primeiro, as pessoas escolhem participar ou não do programa. Quando começamos com o Big Brother, em setembro de 1999 (na Holanda), muitos falaram que isso era voyeurismo exagerado e que não poderíamos tratar as pessoas daquele jeito. Após algumas semanas de exibição, as pessoas mudaram de idéia e pensaram: ‘Mas isso é muito interessante’. E não invadimos a privacidade das pessoas 24 horas do dia. Temos nossas regras e sabemos o que podemos e o que não podemos fazer. Não passamos dos limites.
ÉPOCA – Como saber onde está o limite?
Schouwenaar – O conceito do que é aceitável em invasão de privacidade varia um pouco de país para país, mas, no momento em que um programa começa a machucar as pessoas, está passando dos limites. Protegemos a vida dos participantes da maneira que podemos. Claro que não completamente, pois se trata de um programa de televisão. Não me lembro de nenhum país em que tenhamos enfrentado problemas em relação à exposição excessiva dos participantes. Big Brother é, sim, um tipo de voyeurismo, mas também um experimento sociológico.
ÉPOCA – Qual é sua avaliação do Big Brother, não como um programa de TV, mas como o que o senhor chama de ‘experimento sociológico’?
Schouwenaar – No programa se vêem todos os aspectos da vida humana: bondade, ciúme, malícia… O público se identifica com os participantes, torce por eles, gosta de alguns, odeia outros.
ÉPOCA – Mas, comparando os diversos BBs, não há características que são específicas de cada país?
Schouwenaar – É difícil responder porque são todos humanos. Em alguns países, as pessoas são mais extrovertidas que em outros. No fundo, não há grandes diferenças entre o BB na Suíça, na Espanha, no Brasil ou nos Estados Unidos. Não há de fato. Depois de três meses confinados numa casa, a interação que surge entre os participantes é praticamente a mesma no caso de 12 africanos, brasileiros ou belgas. Claro que há casos pitorescos: o BB na Itália tinha 30 minutos a mais que em outros países porque, confirmando o mito, eles falavam muito mais que nos outros lugares. Na África, eram participantes de 12 países diferentes e o sucesso foi continental. Vamos fazer em fevereiro um BB no Oriente Médio, e não podemos deixar homens e mulheres juntos na mesma casa. Eles podem se encontrar durante o dia, mas não podem dormir na mesma casa. São algumas diferenças culturais que se destacam e dão o delicioso toque local ao programa.
ÉPOCA – Mas quem vê o programa na França ou no Brasil não sente diferença, fora a óbvia, de língua?
Schouwenaar – Não há diferenças aparentes. É basicamente o mesmo programa. Se você não entende por causa da língua, reconhece pelo visual. Tudo é muito parecido. É o modo de a companhia (Endemol) proteger a idéia. As empresas que a compram podem mudar algumas coisas, mas mantêm a essência do programa.
ÉPOCA – Há uma regra para a combinação dos integrantes, como ter sempre no grupo um manipulador, um espertalhão ou a garota sexy?
Schouwenaar – Não existe um padrão. Há países em que são escolhidas pessoas supernormais, em outros não. Na Itália, um dos programas tinha um transexual, sem que os demais participantes soubessem. Na Espanha tivemos uma prostituta. Geralmente, selecionar o grupo com o perfil escolhido previamente não funciona. Tem de haver química. Nos Estados Unidos houve um programa que obedeceu a critérios para incluir minorias, e o resultado não foi tão bom.
ÉPOCA – No Brasil, há certa semelhança no perfil dos vencedores dos três BBBs, todos homens, que exploraram um jeito de caipira simpático. Nos demais países há um perfil de ganhador do BB?
Schouwenaar – Não posso falar do Brasil, pois não sei. Mas não nego que para ganhar é preciso tocar o sentimento das pessoas. É um jogo. Alguns entram para jogar mesmo, o que é importante, já que é difícil manter-se na casa pelos três meses. Outros são manipuladores das emoções dos colegas. Num primeiro momento, eles são populares porque parecem mais hábeis, mas depois tudo muda. Em geral, os vencedores do BB são os mais naturais, os que realmente cativam o público. Na maioria homens, mas nem sempre.
ÉPOCA – Então, há uma fórmula para ganhar o BB?
Schouwenaar – Não, porque no final é o público quem decide. Agora, tem mais chances de ganhar quem é legal, quem é sincero e natural. Perde quem manipula os demais. Enfim, o vencedor de um BB é aquele sujeito que pode ser candidato a seu genro.
ÉPOCA – O sucesso do modelo mundial do Big Brother não vai contra a noção de que a TV deve se regionalizar para ficar mais perto de seu público?
Schouwenaar – Mas o BB tem cor local. Ele tem um formato mundial. No Brasil, porém, é sobre brasileiros. Na Inglaterra, sobre ingleses. No programa se fala a língua local, explora-se a cultura do país. É por isso que se trata de um programa não-exportável. Um brasileiro não se interessaria em assistir a um BB americano e vice-versa.
ÉPOCA – Há países em que a curiosidade em torno do BB foi maior?
Schouwenaar – Bem, não sei de nenhum país em que não fez sucesso. O maior foi na Espanha, em que a final teve mais audiência que a Copa do Mundo de futebol. Lá, há uma série de talk shows que, à noite, discutem o que aconteceu no BB durante o dia. Na Holanda, na Alemanha, na Inglaterra, no Brasil e nos Estados Unidos o programa também se saiu muito bem.
ÉPOCA – Mas as primeiras edições têm mais sucesso.
Schouwenaar – Há uma regra geral. A primeira edição do BB sempre tem um sucesso maior, vira o assunto de todas as conversas. Nas edições seguintes, os índices de audiência continuam altos, mas não mobilizam mais tanta gente. Por isso, recomendamos não emendar uma edição atrás da outra. Assim as pessoas não se cansam do formato.
ÉPOCA – Os reality shows não concorrem entre si?
Schouwenaar – Não sei o motivo, mas, em geral, onde há um BB com muito sucesso programas como Survivors (programa americano similiar ao No Limite) não dão certo. E vice-versa. Mas há variações de reality shows da própria Endemol com muito sucesso. Em alguns países, produzimos BBs só com adolescentes de 16 a 20 anos. Em outros, montamos um programa com mulheres separadas.
ÉPOCA – Algum programa superou o Big Brother?
Schouwenaar – Não sei se a comparação é possível, mas, na Espanha, houve o Operación Triunfo, que teve resultados estrondosos (no Brasil, o programa chamou-se Fama). Em questão de meses, um dos participantes espanhóis saiu do anonimato para virar uma estrela. Ganhou um prêmio Grammy e seu disco vendeu milhões de exemplares.
ÉPOCA – Sua empresa ganha dinheiro criando formatos originais de programas de TV. Não é estressante estar sempre atrás de uma idéia brilhante?
Schouwenaar – Ter uma idéia envolve muito trabalho. Investimos dois anos antes de produzir o primeiro BB na Holanda. Há proteções legais em relação a isso na maioria dos territórios do mundo. No Brasil, a proteção não é tão forte. Espero que isso melhore. Tivemos um incidente aqui com o SBT (com o programa Casa dos Artistas) e estamos tomando as medidas legais.
ÉPOCA – Os reality shows são as novelas do século XXI?
Schouwenaar – Novelas são ficção. Elas tentam guardar semelhanças com a realidade, mas não são reais. O Big Brother é. Mas os dois formatos não são concorrentes. No México, onde as novelas são tão populares quanto no Brasil, há uma tendência de montar uma grade de programação noturna com duas novelas e um reality show.
ÉPOCA – Os críticos dizem que os reality shows são a prova da queda de qualidade da TV. A TV de hoje é pior que a de anos atrás?
Schouwenaar – Noto que os britânicos, por exemplo, são mais limitados na produção de programas hoje do que eram há dez anos. Claro que isso tem impacto na qualidade de alguns programas, mas eu diria que, no geral, a televisão é tão boa quanto era há dez anos, porque há dez anos já se reclamava da qualidade dos programas. Se as pessoas não gostam de um programa, não o vêem. Essa é uma boa indicação para saber se algo está errado.
ÉPOCA – Quantas horas por dia o senhor costuma ver televisão?
Schouwenaar – Tenho uma equipe enorme fazendo isso por mim. A empresa produz mais de 600 formatos de programas, entre reality shows, games e ficções. É a líder na produção de TV em parte da Europa. Falando sério, assisto em média a 20 horas de televisão por semana. Nada mal, não?”
ECOS DA GUERRA
“Repórter acusado de elo com terror é premiado”, copyright Folha de S.Paulo, 1/12/03
“O jornalista Taysir Alouni, da rede de TV Al Jazira, do Qatar, recebeu um prêmio da fundação pacifista espanhola Francisa Mateos, em Madri, apesar de estar sendo julgado na Espanha sob a acusação de pertencer a uma célula da rede terrorista Al Qaeda.
Nascido na Síria, Alouni nega ter ligações com a Al Qaeda. Sua prisão, ocorrida em setembro, foi motivada por supostas mensagens que ele estaria passando à rede terrorista. O jornalista aguarda o julgamento em liberdade após ser solto, em outubro, mediante o pagamento de fiança e supostos problemas de saúde.
Alouni se tornou conhecido ao entrevistar o terrorista saudita Osama bin Laden dias depois do 11 de Setembro.
Al Arabiya
A rede de TV Al Arabiya, com sede nos Emirados Árabes Unidos, desafiou ontem os EUA a provar que ela possui ligações com insurgentes iraquianos. Caso contrário, afirmou em nota oficial a rede de TV, os americanos deveriam se retratar. A acusação partiu do secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld.
?As afirmações de Rumsfeld são infundadas e nós o convidamos a apresentar provas ou então se retratar do que foi dito?, disse a Al Arabiya. ?Nunca tivemos ligação com o terrorismo.?”
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“ONG pede a volta da TV Al Arabiya”, copyright Folha de S.Paulo, 26/11/03
“A organização não-governamental Repórteres sem Fronteiras (RSF) pediu ontem ao Conselho de Governo Iraquiano que ?reconsidere a decisão? de proibir que a Al Arabiya mantenha equipes no Iraque. A TV foi expulsa por ter divulgado uma gravação atribuída a Saddam Hussein na qual ele pediria aos iraquianos que resistissem à ocupação.
A ONG também criticou em sua nota os ?métodos policialescos? empregados para fechar os escritórios da emissora em Bagdá. ?Ao invés de impedir os repórteres de trabalhar, o Conselho Iraquiano deveria criar o mais rapidamente possível uma instância de regulamentação e controle da mídia, composta por membros eleitos pelos jornalistas?, afirmou Robert Menard, secretário-geral da RSF, em Paris.”