VIOLÊNCIA EM SÃO PAULO
Luiz Antonio Magalhães
Eram 2h40 da madrugada do último domingo, dia de Finados, quando uma base móvel da Polícia Militar da Bela Vista, na região central da capital paulista, foi metralhada, deixando dois policiais feridos. Foi o primeiro dos oito ataques a policiais militares e guardas civis metropolitanos que ocorreram naquele dia, com o saldo de seis feridos e um soldado da PM morto. Após o primeiro evento, a operação criminosa reiniciou às 16h55. Na seqüência, aconteceram ataques às 19h10, 20h30, 21h20, 21h40, 21h45 e às 22h10 de domingo.
O assinante do Estado de S. Paulo, porém, só ficou sabendo que a Grande São Paulo tinha se tornado palco de um embate entre o crime organizado e as polícias estadual e municipal exatamente um dia e meio após a guerra ter começado ? a menos, é claro, que tenha espiado o jornal concorrente, acessado a internet ou escutado a notícia nas rádios ou emissoras de TV. Na edição de segunda-feira, o Estadão ignorou solenemente o assunto.
A manchete do caderno Cidades, encapado pelo de Esportes, era uma pergunta singela: "Grande SP precisa de um novo aeroporto?" Talvez precise de um novo jornal: nas páginas internas, há o único ? e minúsculo ? registro que o Estado ofereceu sobre o evento: um texto-legenda, com foto da base-móvel atingida na Bela Vista e nenhuma referência aos demais ataques, que recomeçaram, como já dito, às 16h55 do mesmo domingo, certamente antes do fechamento da edição de segunda-feira do Estadão.
Na edição de terça-feira, para espanto do assinante que só leu o exemplar do seu jornal no dia anterior, O Estado de S. Paulo decide transformar a seqüência de ataques, antes merecedora de um reles texto-legenda, em capa do caderno de Cidades, com uma chamada escandalosa ("Onze ataques à polícia; foi o PCC, diz o secretário") e duas fotos na primeira página. Realmente, uma mudança e tanto.
A rival Folha de S. Paulo se comportou melhor, embora também não tenha dado o destaque que o assunto merecia na edição de segunda-feira, quando destinou uma chamada na primeira página e cobriu pobremente no caderno de Cotidiano. Na Folha, pelo menos, a capa de Cotidiano merecia o destaque que teve: o crescimento da avaliação positiva da prefeita Marta Suplicy na pesquisa DataFolha certamente é o tipo de material que todo editor não hesitaria em usar na abertura de um caderno de noticiário local.
Embora pequena, a matéria da Folha de segunda-feira já passava ao leitor a dimensão de que estava em curso uma seqüência de ataques contra os policiais. O último evento registrado, porém, foi o das 20h30. Tudo que aconteceu após as 21h de domingo, ficou de fora da edição. Na terça, a Folha se comportou da mesma maneira que o Estadão, dando amplo destaque (capa de Cotidiano e uma chamada forte na primeira página) ao assunto.
Ao fim e ao cabo, as deficientes edições de segunda-feira dos jornais paulistanos são apenas mais dois exemplos de algo que há muito vem acontecendo no jornalismo brasileiro: enquanto editores, redatores e repórteres devoravam suas pizzas ? certamente antes das 22h de domingo ?, a turma do andar de cima, envolvida em suas engenhosas reestruturações e estratégias para rolar dívidas e arrumar um trocado da Viúva, se preocupava mais em saber se os prazos de fechamento haviam sido cumpridos a contento do que indagar o que de relevante acontecera naquele modorrento domingo de Finados. Em São Paulo, pelo menos, foi um dia quente, devidamente esfriado por um processo de produção preguiçoso e burocratizado ? típico, infelizmente, das desanimadas redações nos últimos tempos.