RBS
Gilmar Antonio Crestani (*)
"Paleontólogos argentinos encontraram um tesouro: seis ovos intactos de titanossauros, herbívoros que viveram na Patagônia há 80 milhões de anos." Zero Hora, 28/09/2001
"No palácio do governo, o governador recebe, a portas fechadas, líderes terroristas das Farc, antes de receber os movimentos legitimamente constituídos pelo povo que jura representar. Recebe também, com honras de chefe de Estado, ativista político condenado em seu país de origem por terrorismo (Bové), proclamando-o a estrela de grandeza maior." André Vanoni de Godoy, diretor da Fiergs, extraído do artigo "O nascimento de um terrorista", publicado por Zero Hora, 29/9/2001.
Corte rápido para vários jornais do dia 29/9/2001, inclusive o Correio do Povo, conterrâneo da Zero Hora: "Não existem terroristas no Sul", declara Fernando Henrique Cardoso.
Embora os ovos sejam encontrados na Argentina, parece que é aqui no RS que eles estão sendo chocados, sob o olhar concupiscente da RBS.
O maniqueísmo originário do zoroastrismo nascido na antiga Pérsia, cuja doutrina afirmava a existência de um conflito cósmico entre a luz, o bem, e as trevas, o mal, não existe somente em torno do imbróglio dos EUA x Talibã. No RS, alimentado por uma linha editorial revanchista da RBS, os seguidores de Mani se espraiam com a proximidade da campanha eleitoral, sem que ao menos tenham cicatrizado as feridas das eleições passadas.
Acirramento de ânimos
Tal qual Bush, a RBS vem adotando uma postura de "guerra sem fim" ao governo do Estado do RS em decorrência das derrotas que lhe foram impostas pelo atual secretário de Segurança. A RBS também elegeu seu cavalo de batalha, e para isso faz aliança, ou pelo menos dá abrigo, a articulistas que sirvam ao propósito de um bombardeio contínuo.
É bem verdade que a entrada de O Sul no mercado jornaleiro melhorou o nível geral da RBS, mas no miúdo há uma ética de terra arrasada contra seus adversários no governo do estado. Os mil dias do governo Olívio Dutra serviram para a RBS voltar aos temas da campanha eleitoral, bater em questões superadas até pelos mais ferrenhos adversários no parlamento gaúcho, e fazer pesquisa por telefone para legitimar sua verborragia. Os ouvintes de um único programa (Polêmica) são tomados como representativos da opinião pública rio-grandense. Nesse ambiente é muito normal que o macarthismo gaudério ande de vento em popa. Manifestações jurássicas como a do diretor da Fiergs se explicam também pelo seu silêncio quanto aos fatos que mais empobrecem a democracia nacional, inclusive as reuniões que o ministro Eliseu Padilha fez com a entidade empresarial, no segundo turno da última eleição estadual.
O que diria o diretor da Fiergs se soubesse que o professor-sociólogo-presidente já foi igualmente tachado de terrorista, assim como seu secretário, Aloysio Nunes?
Como a credibilidade não é o forte da RBS em Porto Alegre, com um público cada vez mais hostil, como atestam inclusive atos de violência contra símbolos da empresa, o grupo parece buscar sempre e cada vez mais acirrar os ânimos. Exemplo recente diz respeito ao episódio envolvendo o músico americano Derek Sherinian, que acompanhava o guitarrista sueco Yngwie Malmsteen.
Caldo de cultura
Em show no Bar Opinião, em Porto Alegre, o músico tentou tocar o hino americano, buscando transformar um evento musical em ato político em prol da causa americana. Foi vaiado. Inconformado, tentou mais três vezes, mas foi impedido pelas vaias cada vez mais altas. Quando gritou "Deus abençoe a América e danem-se todos vocês", em inglês, ao se despedir, a platéia devolveu: "Bin Laden!" Não satisfeito, o músico ainda voltou ao assunto no site <www.dereksherinian.com>, qualificando Porto Alegre de cidade "terceiro-mundista cheia de caipiras".
Até aí, tudo bem. Também o professor Cardoso nos brindou de caipiras. E ninguém melhor do que nós para sabermos que somos terceiro-mundistas. Afinal, só numa cidade de um país terceiro-mundista um músico americano se acharia no direito de impor sua visão do mundo. Apenas para contrapor, a título de como se comportam os músicos terceiro-mundistas, Chico Buarque, em entrevista à RAI International, a TV italiana por assinatura, perguntado pelo seu amigo e parceiro Sérgio Bardotti a respeito da situação social do Brasil, e como explicaria a quantidade de crianças de rua, respondeu: "As minhas críticas sobre meu país, e as tenho, me reservo o direito de fazê-las lá."
Independentemente do juízo que se possa fazer, há um caldo de cultura que repudia a política externa e o modus operandi americano. É fato. O que fez a RBS? Mandou um tijolaço editorial (5/10/2001) contra os manifestantes que haviam sido chamados de caipiras. Foi mais realistas do que o rei, pois o músico teve a sensibilidade e a sensatez de "desdizer o verso", com carta aberta pedindo desculpas: "Em primeiro lugar, quero pedir desculpas à cidade de Porto Alegre por meus comentários insultuosos." Alguém espera que a RBS faça o mesmo? Augusto Nunes que o diga, se quiser, pois sabe de que é feita a RBS.
A pauta salarial do funcionalismo público estadual na Assembléia Legislativa parece ter sido ditada pela RBS, tanto pelo tom das matérias como pelas vozes que repercute. Cobra do governo coerência com as promessas de campanha, mas esquece do dever de casa. Os jornalistas gaúchos estão em campanha salarial. Mas, para a mídia, é como se não estivesse acontecendo nada. Embora nas redações seja um assunto quente. O piso salarial de R$ 300 estabelecidos pelo governo do estado foi tachado de ridículo. E o aumento de 23% também não passou da linha do deboche. Mas a RBS, conforme nota interna do Correio do Povo, não entrou em acordo para conceder 5% de aumento.
Lula em Paris
Enquanto Correio do Povo e RBS vão construindo a lista de pessoas indesejáveis nas respectivas redações, O Sul vem mantendo um distanciamento das questões políticas locais, elegendo colunistas que pouco ou nada conhecem do que realmente se passa por estes pagos. Se por um lado não entra nas picuinhas provincianas, por outro revela outra singularidade. Ao reproduzir as colunas de Joelmir Beting/Estadão/Globo, Dora Kramer/JB, Painel/Folha de S. Paulo, Ricardo Boechat/JB, Miriam Leitão/Globo, Danuza Leão/JB, Tereza Cruvinel/Globo e Ancelmo Gois/Globo, possibilitou ao leitor gaúcho comprovar a existência de uma central palaciana que alimenta tais colunas. Várias coincidências textuais, desde a reprodução simultânea da mesma piada que mostra o pão-durismo do presidente na proposta do Executivo federal de conceder 3,5% ao funcionalismo público, até as mesmas piadinhas sobre os atuais candidatos presidenciais.
A imprensa está abrindo mão do papel mediador das divergências para não só tomar partido, como também investir-se de poderes incompatíveis com a democracia. A acomodação, que antes era marca registrada apenas dos cadernos culturais, reproduzindo sem qualquer senso crítico, agora passou a fazer parte do colunismo político.
Alberto Dines escreveu no sábado, dia 6/10, no Jornal do Brasil: "Quando o pré- candidato Lula da Silva prostra-se em Paris diante do protecionismo agrícola francês e espezinha os interesses da agricultura brasileira, mostra que a bolha da imanência e da inevitabilidade também murcha. O périplo pelos cafés da Rive Gauche prestou enorme favor à cultura política brasileira igualando o atual afrancesamento do PT ao americanismo da arcaica UDN. Subserviência ao patrãozinho do momento. Culto ao ?dernier cri?."
Suspeito por suspeito, alinhamento por alinhamento, prefiro o de Lula à proteção da produção agrícola, em qualquer nação, do que o alinhamento de Alberto Dines com o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, que, como qualquer ecologista sabe, advoga os interesses da Monsanto mais do que a própria empresa.
(*) Funcionário público federal