AO VIVO
Antonio Brasil (*)
Quem já tentou, sabe. Produzir um site ou, pior ainda, um telejornal na internet com atualização diária é muito difícil. Ainda mais um telejornal com estudantes de comunicação, muitos deles ainda nos primeiros períodos, numa universidade pública e contando somente com muita vontade e pouquíssimos recursos. Mas, se ainda por cima a proposta for fazer um telejornal universitário com "jornalismo de verdade", ou seja, cobrindo os eventos importantes, não só da instituição mas da cidade, aí a tarefa é quase impossível. Quase!
Lá na Uerj, apesar de todas as dificuldades, os alunos estão tentando ultrapassar seus limites todos os dias com muita garra e criatividade. Eles têm todas as justificativas, como tantas outras instituições públicas e privadas brasileiras ? sejam elas faculdades ou TVs universitárias, para não fazer rigorosamente nada ou, pior ainda, para fazer de conta que estão fazendo algo.
No entanto, os estudantes da Uerj resolveram comemorar a centésima edição diária do seu telejornal, o TJ Uerj Online, de uma maneira explosiva. Eles comemoraram com … bomba! Calma. Não se assustem. Não se trata de mais um trote ou atentado, nesse verdadeiro clima de guerra midiática globalizada. Os estudantes também não estão envolvidos em nenhum dos atos de terrorismo que inundam os nossos noticiários. Numa iniciativa extremamente inusitada, a turma do TJ resolveu partir para a ofensiva, sair do campus e invadir as ruas. Não, eles também não foram participar de mais uma previsível manifestação de protesto tão típicas dos nossos movimentos estudantis. Eles tomaram as ruas para fazer jornalismo de verdade.
Cinco horas da manhã de quinta-feira. O noticiário de rádio já divulga as primeira informações sobre a explosão de uma bomba de alto poder destrutivo no McDonald?s, no Centro do Rio de Janeiro, ocorrida poucas horas antes, durante a madrugada. Mobilização geral. Telefones tocam, gente sendo acordada com ar de muita surpresa e muito sono. Que tal cobrirmos esta matéria?
E assim, com uma pauta na cabeça, câmera digital na mão e muita vontade de fazer jornalismo de gente grande, os alunos tiveram uma experiência inesquecível, aqui mesmo no Rio Janeiro. Quem de nós, velhos jornalistas, não se lembra da emoção de produzir a sua primeira matéria importante, uma matéria de verdade? Isso faz parte de uma verdadeira iniciação tribal ou "rito de passagem", a oportunidade maior de sentir, pela primeira vez, aquele "gostinho" único de participar da história.
E foi dessa forma, nas primeiras horas do dia e ainda no calor da notícia, que os alunos do TJ se viram disputando um espaço, ombro a ombro com tantos outros jornalistas de diversos veículos importantes, nacionais e internacionais, para produzir a sua primeira grande matéria. Naquele momento, eles não só estavam lutando pelo direito de participar do mundo das notícias. Eles estavam exigindo poder interferir nas suas próprias vidas e nos seu tempo.
Profissionalismo precoce
Apesar da juventude e da inexperiência, eles não fizeram feio. Em mais um exercício de guerrilha tecnológica e urgência jornalística, a matéria rendeu informações e imagens tão competentes quanto as produzidas pelos profissionais. Mas o mais importante é que a matéria já estava disponível para quem quisesse assistir, em qualquer lugar do mundo, em pouquíssimas horas. Além de uma apuração da notícia in loco, os alunos tiveram a oportunidade de avaliar as emoções e dificuldade para se produzir uma notícia para televisão. E as dificuldades eram imensas. Das tentativas de se obter uma entrevista com os agentes do FBI americano entre seguranças truculentos e cinegrafistas com câmeras enormes, os estudantes, ao saírem da redoma de vidro das universidades, sentiram o gosto doce-amargo da nossa realidade profissional.
Não satisfeitos, de volta ao laboratório, os estudantes decidiram preparar um boletim urgente e transmitiram o telejornal "ao vivo" via internet. Sem erros mas com muita adrenalina, como verdadeiros jornalistas. Eles deram um exemplo de competência e profissionalismo para muitos que ainda insistem que lugar de estudante é de mero figurante de programa chato ou que telejornalismo sério não tem lugar na televisão das universidades.
E por falar em transmissão ao vivo, esta é uma experiência pioneira que já vem ocorrendo há algum tempo nos laboratórios da Uerj com resultados muito positivos. A responsabilidade de se fazer um noticiário em tempo real é mais uma técnica fundamental para a formação dos futuros jornalistas de televisão ou mesmo de internet. Os alunos estão, sem dúvida, tendo a oportunidade de desenvolver algumas experiências muito interessantes com esta linguagem televisiva tão importante. Apesar da precariedade dos recursos técnicos, é de se destacar, com uma certa dose de surpresa, um ar de "profissionalismo precoce" assumido pelos estudantes ao procurar sempre não errar nunca durante uma transmissão "ao vivo". Mesmo que esta transmissão esteja sendo feita para um público tão pequeno, mas sempre tão exigente e interativo como o de um telejornal universitário via internet.
O novos bobos
Ao contrário das versões pré-gravadas, os jovens apresentadores se superam quando sabem que não podem cometer erros. Afinal aquele pequeno boletim é uma verdadeira janela aberta para o mundo. Eles podem estar sendo vistos, naquele mesmo instante, não só pelos pais orgulhosos e amigos solidários, mas também por todos aqueles que procuram na rede fontes alternativas de notícias ou até mesmo, com uma certa dose de otimismo, por algum caça-talentos das grandes televisões. Sonhar não custa.
Mas não só de sonhos, coberturas de bombas e boletins "ao vivo" vive um telejornal universitário. Como todo projeto de estudantes, existe sempre espaço para o bom humor, mesmo em tempos de guerra e antraz. Em ritmo de comemoração, a decisão dos estagiários e voluntários do laboratório de produzirem uma seleção dos melhores e piores momentos das numerosas matérias, produzidas durante quase seis meses no ar, além de revelar uma boa dose de autocrítica foi também muito divertida. Eles procuraram mostrar que telejornalismo universitário é ainda muito precário e cheio de erros mas, pelo menos, não se esconde nada.
Como tantos outros pesquisadores e críticos de telejornalismo que ainda não perderam totalmente o bom humor e a paixão pela televisão, continuamos sonhando com um telejornalismo que tenha coragem de assumir seus acertos e erros. Talvez até imaginar um programa no estilo de "Os melhores e piores momentos do telejornalismo", com pelo menos uma parcela da criatividade e humor dignos de programas como Os piores videoclipes produzido por talentos jovens como o impagável Marcos Mion, da MTV. Já imaginou a ousadia e a irreverência? Comentar erros e acertos das matérias do JN ou de outro telejornal brasileiro? Se não com a mesma irreverência, pelo menos com a mesma criatividade.
Por enquanto, isto parece ser privilégio exclusivo de outros talentos não tão jovens, como a turma do Casseta e Planeta, que se esforça para nos lembrar de alguns dos momentos mais ridículos do nosso jornalismo de televisão. De vez em quando eles nos indicam que talvez as origens mais remotas da profissão de jornalista não esteja nos antigos menestréis que anunciavam as notícias de cidade em cidade. Talvez nossas origens estejam mais próximas dos "bobos da corte" que, apesar de ridicularizados e estranhos, eram os únicos nas cortes com o direito de dizer a verdade, de criticar os poderosos!
Mudanças radicais
E é dessa forma, com sentimentos mistos, entre jovens menestréis, bobos da corte ou simplesmente futuros jornalistas, que se luta para produzir um telejornal universitário. Trata-se de uma experiência fundamental e imprescindível, tanto para os alunos como para os professores de telejornalismo. Ele é um recurso didático fundamental para o ensino de uma disciplina tão importante mas é, antes de tudo, uma tremenda possibilidade de criarmos alternativas para quebrar o bloqueio das notícias, tanto nas TVs abertas como nas TVs universitárias.
Outros telejornais universitários já estão sendo disponibilizados na internet. A Escola de Comunicação da UFRJ, apesar da greve e dos recursos ainda mais limitados, já está no ar com o seu TJ-ECO (ver link abaixo). Vale a pena conferir. Além da oportunidade de assistir ao trabalho produzido por estudantes de Jornalismo e, ao contrário da grande mídia, eles exibem uma cobertura completa, extensa e competente da greve nas universidades públicas. A rede dos telejornais universitários na internet já começa a decolar. Podemos imaginar, num futuro próximo, um grande Jornal Nacional Universitário produzido por centenas de instituições de ensino superior de todos os recantos do país. Uma alternativa modesta mas viável para o monopólio de notícias na TV que tantos males tem legado ao nosso país, principalmente em períodos pré-eleitorais.
São novos tempos, novos meios e novos jornalistas. Numa atitude tão típica dos nossos melhores talentos e lembranças do passado e das nossas maiores esperanças para o futuro, os estudantes de hoje parecem não se contentar mais em ser meramente espectadores. Eles insistem em participar de um mundo dominado e dirigido por todos nós, o mais velhos, que tudo sabemos mas que também tanto erramos. Ainda mais quando nos recusamos a perceber o enorme potencial da contribuição dos estudantes para criarmos alternativas viáveis para o futuro.
Munidos de tanta iniciativa, muitos sonhos, grandes expectativas e uma rede de comunicação ainda muito democrática, eles podem apontar a direção para mudanças radicais. Em tempos de muita destruição e pautas sempre previsíveis, resultado de tantos erros acumulados por tantas gerações, os jovens talvez não sirvam somente para alunos obedientes, figurantes de programas de TV, ou para morrerem estupidamente nos campos de batalha de Nova York ou do Afeganistão. Em tempos de crise, nossas câmeras são os nossos olhos, e elas se voltam com muita curiosidade para quem ainda não cometeu tantos erros. Com algum apoio e muito estímulo, eles talvez tenham a chance de cometer erros novos.
(*) Jornalista de TV, coordenador do Laboratório de Vídeo e professor de Telejornalismo da Uerj, doutorando em Ciência da Informação da UFRJ.
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