Saturday, 07 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1304

Toda postura é questão de escolha

UFRGS

Marcia Benetti Machado (*)

Fui buscar, em meu parco vocabulário, uma palavra que defina esta atitude do professor Francisco Rüdiger. Não pense o leitor que é tarefa fácil. São muitas as possibilidades, mas talvez, no momento, a mais adequada seja leviano. Digo “talvez”, porque há muito aprendi, nos livros e fora deles, que são poucas as certezas irrefutáveis. Talvez, mais adiante, outra palavra soe melhor. Mas isso vai depender da minha limitada capacidade intelectual, portanto não espere, o leitor, nada muito brilhante.

É verdade, sim, que tramita na Universidade Federal do Rio Grande do Sul um processo no qual um professor denuncia o que considera ser plágio em uma dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação (PPGCOM). E é verdade, também, que ele tramita desde maio de 2001. Honestamente, para mim seria um alívio, na falta de palavra melhor, se ele já estivesse concluído.

No entanto, a tarefa é complexa e delicada. Não sob o ponto de vista político, como insinua o professor Rüdiger. É evidente que ele não acredita ? e quanto a isso nada posso fazer ?, mas em momento algum a universidade quis acobertar a denúncia, engavetar a apuração ou evitar a cassação do diploma. A UFRGS não construiu sua história varrendo seus problemas para baixo do tapete.

O que o professor Rüdiger não compreende é que, em uma instituição pública, existem procedimentos a serem respeitados. Um denunciante não é mais do que isso: um denunciante. Não cabe a ele o veredicto final. Feita a denúncia, cabe a nós, as “nulidades sem alma ou espíritos medíocres, devotos de uma burocracia intelectual parasítica e petrificada” (como parece entender o professor Rüdiger), garantir que o processo tramite com rigor, cautela e responsabilidade.

Ao leitor, afirmo que a denúncia está em apuração. Não vou comentar o teor deste processo. Ao contrário do professor Rüdiger, que diz não se estender na explicitação da denúncia por “constrangimento e alguma vergonha”, eu não tenho nenhum constrangimento e nenhuma vergonha para tratar deste assunto. Nem eu, nem a reitora, nem a coordenação do PPGCOM. Nós não o fazemos por uma questão ética: não há culpabilidade sem julgamento, e essa é uma regra básica do nosso sistema democrático. Não o fazemos porque respeitamos as pessoas envolvidas, do denunciado ao denunciante, passando pelo orientador e pelos membros da banca examinadora. Não o fazemos porque a apuração ainda está em andamento. E não porque teríamos algo a esconder. Lamento decepcioná-lo, professor Rüdiger, mas não temos nada a esconder e ninguém a proteger.

Note-se que o professor Rüdiger já concluiu que “o sentido filosófico e acadêmico” da dissertação “é nulo”. Não deveríamos ter nos dado ao trabalho de formar uma banca com três doutores externos ao PPGCOM, já que (parece) tínhamos no próprio programa um sábio pesquisador que faria, sozinho, uma perfeita avaliação. Pensando bem, não seria ético, já que o professor Rüdiger havia sido o primeiro orientador do denunciado, tendo subitamente desistido da orientação, sem apresentar outra justificativa além de que o orientando “escrevia mal” ? avaliação, diga-se, altamente subjetiva e contestável.

Como pessoa interessada “no futuro da vida acadêmica” e conhecedora do “verdadeiro espírito da universidade”, o professor Rüdiger deve conhecer bem as normas da PUC, onde tem um regime de trabalho de 20 horas, e da UFRGS, onde divide outras 40 horas entre a Fabico e a Escola Técnica. Suponho que saiba que, para cassar um diploma, é preciso que o ilícito seja comprovado. Suponho que saiba que não há lei que determine que este tipo de processo (que julga alguém que não é servidor da universidade, portanto não pode ser passível de processo disciplinar administrativo) deva ser encerrado, no âmbito da universidade, em um número determinado de dias. Este processo tem, e terá, o tempo que a complexidade e a seriedade da questão exigirem. Ele não está “rolando pelas mesas e repartições” da universidade. Essa é uma afirmação leviana e irresponsável, para dizer o mínimo.

Não vou me estender muito sobre as insinuações do professor Rüdiger a respeito das pessoas que exercem funções administrativas na universidade, merecedoras do seu deboche e do seu desprezo. É impressionante a desenvoltura com que cita Gianotti para seus propósitos: sempre, e repetidamente, desqualificar alguém. O Currículo Lattes do professor Rüdiger, no sítio do CNPq, pode dizer ao leitor quem ele é, sua imensa e legitimamente reconhecida produção acadêmica, com a qual contribui para o pensamento contemporâneo ? e não vai aqui nenhuma ironia. Eu jamais questionaria sua competência nessa área, mesmo porque não acho que tenha qualquer sentido comparar seres incomparáveis.

São muitas as questões que me distinguem do professor Rüdiger, além da sua vasta produção intelectual e da minha, que apenas inicia. Não temos nada em comum no que diz respeito à minha visão da universidade como um projeto e um compromisso coletivos. Não temos nada em comum no que diz respeito à seriedade no trato com as pessoas ? para mim, tão importantes quanto as obras. Não temos nada em comum no que concerne à sua patológica necessidade de se mostrar como um “sábio” e à sua patética e autoproclamada figura de bravo defensor da moral e da justiça, que pessoas “sabidas” estariam ameaçando porque, claro, esta seria a única maneira de não voltarem “às várzeas” de onde teriam saído.

O professor Rüdiger é um excelente polemista. Eu não pretendo dar seguimento a este debate, aqui ou em outro lugar, porque não quero me sentir tentada ? para responder a certas provocações ? a expor um processo que merece de todos nós uma grande dose de responsabilidade. Apenas decidi fazer esta réplica para que o leitor não seja destituído de seu direito ? típico do pluralismo democrático ? de conhecer o “outro lado”.

É pertinente acrescentar que recentemente o professor Rüdiger perdeu, na Justiça, um processo que movia contra a UFRGS porque se recusava a oferecer uma disciplina (para a qual fizera, voluntariamente, concurso público) obrigatória para a graduação, para uma turma de 40 alunos. O professor Rüdiger pleiteava o direito de, hoje e no futuro, lecionar apenas disciplinas optativas, para o número de alunos que definisse. Perdeu em todas as instâncias da universidade e perdeu na Justiça Federal. Eu desconheço ideal “mais à altura do próprio objetivo” da universidade do que ensinar os seus alunos de graduação. Mas essa, evidentemente, é apenas a minha modesta opinião.

Segunda parte

Até este ponto, a réplica se refere ao primeiro artigo do professor Rüdiger, publicado em 28 de janeiro. Mas, ao ler a segunda parte da manifestação, percebo que a falta de postura do autor se agrava. Ele já não se contenta em atacar a universidade e seus procedimentos, agora ele ataca pessoas convidadas a colaborar para esclarecer caso tão complexo, apontando o dedo para elas e julgando-as, do alto de sua arrogância, prepotência e, por conseqüência (ou causa?), ignorância. Parece-me que o professor Rüdiger caminha a passos largos para o isolamento, pois em pouco tempo não haverá ninguém com honra e inteligência suficientes para usufruir de sua companhia.

E então, quando se pensa que já não há degrau para descer no já rasteiro nível de seu artigo, o autor o consegue: ele ofende… a universidade uruguaia! Procuro palavras para descrever minha perplexidade e sinceramente não as encontro. Mas essa inaceitável xenofobia, sob todos os pontos de vista deplorável, ao final consegue mostrar um pouco do pensamento do autor e do modo como trata tudo o que é diferente dele.

O mais grave, porém, é que o professor Rüdiger está expondo o conteúdo de um processo em tramitação. Expõe trechos ? descontextualizados e livremente interpretados ? de um parecer que é parte de um processo, e a partir desses trechos coloca na boca de pessoas um “princípio” que elas nunca defenderam. Sigilo e responsabilidade parecem ser coisas do passado. Fico imaginando se o professor Rüdiger tivesse sido denunciado, por exemplo, por alunos que julgassem que uma determinada atitude sua em aula não era digna de um professor de uma universidade pública. Se uma denúncia desse tipo estivesse em apuração, seria ético que alguém saísse por aí escrevendo artigos que expusessem os depoimentos e os pareceres, antes de concluído o processo? É evidente que não. Por que o que valeria para o professor Rüdiger não vale para os outros?

Para finalizar, quero reafirmar que, por respeito a um processo que ainda tramita, não voltarei a falar sobre este caso, nem mesmo para responder a qualquer tipo de provocação. Em vez de falar sobre ética, eu escolhi praticá-la.

(*) Diretora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da UFRGS e doutora em Comunicação pela PUC-SP