ELEIÇÕES 2002
Chico Bruno (*)
Não existe diferença nos discursos dos pré-candidatos a presidente da República. Quase todos têm propostas idênticas. A exceção fica por conta do pré-candidato Eneas Carneiro, veterano em eleições presidenciais. A semelhança dos discursos é um dos fatores que estão gerando o desinteresse dos eleitores por essa campanha presidencial e a dificuldade da imprensa em cobrir o dia-a-dia da campanha.
A similitude de propostas alijou o candidato da esquerda francesa Lionel Jospin da disputa presidencial e fez crescer a abstenção: 17% dos eleitores que foram às urnas levaram para o 2? turno o único candidato que tinha um discurso antagônico aos demais, Jean-Marie Le Pen. Esse antagonismo entre Le Pen, de ultra-direita, e Jacques Chirac, de direita, fez com que os franceses despertassem da inércia eleitoral do 1? turno. A campanha do 2? turno registrou em toda a França uma grande ebulição eleitoral nos dias que antecederam a votação de 5 de maio. Milhões de pessoas se aglomeraram nas praças, avenidas e ruas protestando contra o discurso de Le Pen.
Essas considerações valem como um alerta à mídia. Lula, Serra, Garotinho e Ciro estão produzindo propostas semelhantes, diferenciando-se apenas pelos atalhos, mas com intenções idênticas. Essa tese ficou explicita na fala dos candidatos no recente evento promovido pela Força Sindical e a Bolsa de Valores de São Paulo. A mídia mostrou e comprovou que todos apresentaram propostas idênticas para a saúde, a educação e a segurança pública, os temas mais importantes para os eleitores brasileiros. Mas a mídia se reservou a noticiar. Não houve um aprofundamento da questão. O critério dos promotores do evento, de não convidar candidatos com menos de 5% nas pesquisas, alijou o candidato Eneas, o único a apresentar propostas antagônicas.
Le Pen também insiste
Vale a pena abrir parênteses para estranhar a atitude de alguns institutos de pesquisa, que estão retirando o nome de Eneas de seus questionários, alegando que ele está estabilizado em 2% há um ano. Talvez em função da tão propalada falta de memória do povo brasileiro e, também, da imprensa, estão esses senhores se esquecendo que o candidato ficou em 3? lugar, com quase 5 milhões de votos, na eleição presidencial de 1994, à frente de Orestes Quércia e Leonel Brizola, e dispondo de parcos segundos no horário gratuito eleitoral.
É preciso frisar que com a decisão de PFL, PPB e PL de não apresentarem candidatos a presidente, o tempo desses partidos no horário eleitoral gratuito será rateado entre os cinco candidatos hoje existentes. Isso quer dizer que Eneas, do Prona, terá muito mais do que os poucos segundos da eleição de 1994.
A semelhança dos discursos dos quatro candidatos com mais de 5% nas pesquisas, o crescimento do tempo do Prona no rádio e na TV e a inclusão de Eneas no noticiário de rádios, jornais e TVs podem gerar uma surpresa nessa eleição presidencial.
Vale a pena uma reflexão. Será que Eneas teria apenas 2% de intenção de votos se tivesse as mesmas chances de Lula, Roseana, Serra e Garotinho, que cresceram nas pesquisas após a veiculação de seus programas e comerciais partidários no rádio e na TV e têm diariamente fartos espaços na mídia? Até agora, a única participação dele em televisão foi no Programa do Jô, na madrugada de 2 de maio, quando apresentou a proposta de securitização da dívida externa brasileira. Trocando em miúdos, o Brasil voltaria a pagar sua dívida só daqui a 30 anos, e assim mesmo com os juros congelados em 2003.
Com certeza os 2% do Eneas já estão cristalizados, pois aparecem nas sondagens desde 1999. Esse dado é desprezado pela mídia, mesmo com a chegada de Le Pen ao 2? turno na França. Com mais certeza ainda, vale a pena afirmar que a partir de 20 de agosto Eneas vai crescer, e quem sabe se tornar uma alternativa para parte dos eleitores que estão de saco cheio da mesmice das propostas de Lula, Serra, Garotinho e Ciro, se é que os dois últimos terão fôlego para chegar até lá. Infelizmente, as editorias de Política não se dão ao trabalho de analisar as correlações entre as mais recentes eleições e a atual. Vale lembrar que Lula e Eneas disputaram as três eleições presidenciais anteriores, da mesma forma que Le Pen, na França.
(*) Jornalista