COBERTURA DO TERROR
"Imprensa dos EUA bate ?tambores da guerra?", copyright O Globo, 20/09/01
"A postura do maior âncora da TV americana, o jornalista Dan Rather, reforçou o debate sobre o papel da mídia na crise enfrentada pelos Estados Unidos. Rather, o principal nome da rede CBS, chorou três vezes diante das câmeras, anteontem, no programa ?Late Show with David Letterman?, e proclamou sua inteira disposição de colaborar com o presidente George W. Bush.
– Bush é o presidente. Ele toma as decisões. Como americano, ele terá o quer de mim – disse Rather a Letterman.
Para Steve Rendall, analista sênior do grupo ?Fair-Justiça e Precisão na Reportagem?, que desde 1986 se dedica a vigiar a mídia americana, a imprensa televisiva do país está ?batendo os tambores da guerra?.
– Jornalistas são seres humanos – disse ao GLOBO, a respeito de Rather. – Têm direito a dar opiniões pessoais. Mas Rather ultrapassou a linha, numa época em que a mídia nos Estados Unidos parece estar batendo os tambores da guerra. É um ultraje dizer que faria qualquer coisa que o presidente mandasse. É um tipo de pensamento que faz muitos americanos acreditarem que a mídia é apenas mais um ramo do governo. O trabalho dos jornalistas é questionar o poder, fazer perguntas duras. Não é trabalho de jornalista declarar devoção.
Comentaristas lotam programas
Rendall diz que na semana passada, devido ao esforço das redes abertas, que cancelaram o resto da programação, transmitindo notícias sobre o ataque 24 horas sem comerciais, as TVs enfileiraram uma sucessão de especialistas, funcionários de governos anteriores e do atual, comentaristas, colunistas e até romancistas.
– Veja que especialistas puseram no ar: Henry Kissinger, Alexander Haig, Madeleine Albright, James Baker. Vimos ex-diretores da CIA, ex-conselheiros de segurança nacional. Virtualmente, não há especialistas em Oriente Médio a quem dêem a palavra para falar sobre por que o ressentimento contra os Estados Unidos é tão profundo no Oriente Médio. Não estou sugerindo que os ataques foram justificáveis. Apenas adiciona contexto para que se possa compreender como o fanatismo se aproveita de um ressentimento mais geral – acrescenta Rendall.
Instituições dedicadas a analisar e criticar a mídia também tomam o lado dos patriotas. Como o conservador Media Research Center, fundado em 1987, que pretende levar ?equilíbrio político e responsabilidade à mídia?, conforme afirma seu slogan. Para o centro, Dan Rather ?demonstrou emoção e fervor patriótico, os quais todos os americanos deveriam respeitar?.
O teórico da comunicação Muniz Sodré, professor da Escola de Comunicação da UFRJ, critica a cobertura das TVs americanas. Diz que não há a verificação dos fatos nem a argumentação racional. Então, segundo ele, sobram lágrimas:
– A informação vira o tribunal do mundo. Significa que já julgaram o Bin Laden, sem saber se foi ele, de fato. Já julgaram o povo afegão, quando ele também é vítima.
Sodré lamentou a reação de Rather:
– Como americano, tem todo o direito de chorar pelos mortos. Mas chorar quando fala do presidente americano? Como um jornalista que ele é, achei abominável. Foi uma atitude emocional dogmática.
Rather já fora criticado antes
A primeira semana de cobertura foi em geral sóbria. Agora, emissoras, como a ABC, se recusam a veicular novamente as imagens do ataque sem permissão do comando do jornalismo. Se há uma desaceleração, de um lado, há engajamento de outro. A opção pela guerra foi mais notada na escolha dos entrevistados e comentaristas. Raramente, há um estudioso isento ou um simples conhecedor de negociações de paz.
Os principais jornais americanos têm demonstrado equilíbrio. Mas também convidam colunistas inflamados, que pertenceram ao governo.
?No mínimo, armas nucleares táticas deveriam ser usadas contra os acampamentos de Bin Laden no deserto do Afeganistão. Fazer menos que isso seria corretamente visto pelas mentes envenenadas que orquestraram esses ataques como covardia por parte dos Estados Unidos e do atual governo?, escreveu, no jornal ?The Washington Times?, Thomas Woodrow. Ele trabalhou por 22 anos na Agência de Inteligência de Defesa, que compõe a cúpula da inteligência de segurança do país.
Em março, Rather foi atacado e debochado, depois de ter sido a atração principal de uma noite de arrecadação de fundos do Partido Democrata, em Austin, no Texas. Sua filha foi uma das anfitriãs do evento e à época se especulava que ela concorreria à prefeitura de Austin. O principal jornalista da CBS tentou se desculpar, afirmando que não sabia qual a natureza do evento.
Afiadores de espadas
Saber medir distâncias é virtude indispensável à prática do jornalismo. Ou seja: ficar tão perto dos personagens e dos fatos quanto for necessário para entendê-los e explicá-los. Mas nunca perto demais: a proximidade excessiva é irmã da cumplicidade afetiva, que pode produzir, sem desonestidade, uma deturpação da informação tão daninha quanto o comportamento mais corrupto.
A situação se complica extraordinariamente quando ocorre a cumplicidade afetiva com a pátria. A entrevista de Dan Rather, principal apresentador da rede americana CBS, ao seu colega David Letterman, segunda-feira, ilustra um dos riscos da ausência de distanciamento, no jornalismo e fora dele, em situações críticas. Rather, que tem biografia digna, simplesmente perdeu a cabeça. Não apenas chorou – que é pecado venial num repórter – como se mostrou paladino de uma cruzada (no sentido histórico do termo, desconhecido pelo presidente Bush) contra os terroristas.
No seu discurso desequilibrado, os criminosos da semana passada eram facilmente confundíveis com o mundo árabe em geral. Frases como ?o presidente terá de mim o que quiser? ou ?temos uma espada bem afiada que será usada em breve? pertencem ao vocabulário do agitador político: muitas vezes, do oportunista que sente no ar para que lado sopram os ventos da irracionalidade e da violência cega. Trata-se de arsenal extremamente perigosos quando está à disposição de quem tem acesso a rotativas, microfones e redes de computadores.
Em contraste inesperado, por se tratar de um quase recém-chegado ao poder, o rei da Jordânia, Abudullah II, disse esta semana palavras cheias de sensatez ao colunista Thomas Friedman. Ele lembrou aos EUA que, se optarem pela revanche em prejuízo da justiça, estarão fazendo o jogo de seus inimigos, porque estarão indo contra seus próprios ideais.
A sociedade que faz isso apresenta-se ao mundo como uma fraude – e é precisamente isso que os terroristas desejam, que Abudullah teme e que pessoas como Dan Rather (se não cair em si e deixar de ser tal exemplo) contribuem para que aconteça.
Revistas trocam cores fortes por tons sombrios nas capas da semana
Quando John Kennedy foi assassinado, a revista ?New Yorker? trouxe na capa uma imagem da Estátua da Liberdade derramando uma lágrima. Era grande a expectativa para ver o que a revista faria esta semana. Ao chegar às bancas, não decepcionou. Entre tantas capas sombrias – a ?Time?, pela primeira vez, desde 1927, quando criou a moldura vermelha em torno do assunto ou personagem da semana, veio com uma moldura preta -, a da ?New Yorker? apareceu mais que as outras. Desenhada por Art Spiegelman, é toda preta e traz os contornos quase imperceptíveis das torres gêmeas também em preto.
A revista eliminou ainda as tradicionais charges que costuma espalhar por suas edições. ?É difícil imaginar alguém com disposição para ler piadas sobre psiquiatras ou ilhas desertas?, justificou o editor David Remick. A ?People?, uma revista sobre celebridades, e a ?New York?, um guia de lazer da cidade, também estão estampando nas bancas fotos dos dois edifícios em chamas.
"Rádios americanas criam um índex para 150 canções", copyright O Globo, 20/09/01
Motivos não faltam para o clima de pavor que prossegue entre os americanos, mas algumas reações beiram a histeria. Qual a ligação possível entre a ingênua letra de ?Obla di obla da?, dos Beatles, e atentados terroristas, guerra contra os talibãs e demais desdobramentos que possam ainda vir a acontecer depois dos atentados da semana passada? A canção de Lennon & McCartney é uma das 150 listadas no índex divulgado anteontem pelo Clear Channel Communnications, um dos maiores conglomerados de rádios dos EUA, com 1.170 estações espalhadas pelo país.
Depois do adiamento, e provável cancelamento, de filmes de ação que Hollywood preparava para lançar até o fim do ano, a paranóia chegou à indústria musical. E com efeito retroativo. Segundo a porta-voz do Clear Channel, Rebecca Allmon, o critério para a listagem das músicas proibidas foi o de associações, evitando músicas com mensagens violentas, referências a aviões, bombas, guerra etc. Mas pela relação divulgada, essas associações são elásticas demais. Entre as 150 músicas consideradas impróprias para o atual momento estão sucessos do rock dos anos 50, baladas românticas, canções de protesto ou mesmo a ode à cidade que abrigava o World Trade Center, ?New York, New York? (gravada por Frank Sinatra).
Num país que sempre se orgulhou de sua primeira emenda na Constituição – a que garante a liberdade de expressão – a decisão do Clear Channel já gerou muitas críticas. Os executivos da rádio argumentam que a lista não é um índex, apenas uma sugestão e que tudo vai depender do bom senso. E, dentro do critério adotado, mesmo sem aceitá-lo, é possível entender o conselho para títulos como ?Great balls of fire? (?Grandes bolas de fogo?), ?Disco inferno?, ?Fire? (?Fogo?), ?The end? (?O fim?), ?Stairway to heaven? (?Escadaria para o paraíso?)… Mas como aceitar o hino pacifista ?Imagine?, de John Lennon, ou o sucesso de Louis Armstrong ?What a wonderful world? (?Que mundo maravilhoso?)?"
"Emoção no programa de David Letterman", copyright O Globo, 19/09/01
"Dan Rather, veterano jornalista da rede americana de TV CBS, chorou ontem em frente às câmeras do programa ?Late Show with David Letterman?, do apresentador David Letterman, ao mencionar as vítimas dos atentados da semana passada em Nova York e Washington. David Letterman voltou a comandar seu talk-show na segunda-feira. O show, gravado em Nova York, esteve interrompido desde os atentados da semana passada.
Letterman, cujo talk-show é um dos mais famosos dos Estados Unidos, decidiu à noite modificar a estrutura do programa. Em vez de fazer sua usual entrada com música ao fundo, começou o show sentado atrás de sua mesa, sério, e prestou homenagens ao prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, às equipes de socorro que trabalham entre os escombros e aos policiais da cidade:
– Se vocês não acreditavam nisso antes, podem acreditar agora: Nova York é a maior cidade do mundo – disse Letterman, emocionado e com voz embargada, sendo em seguida ovacionado pela platéia.
Dan Rather, que durante a última semana esteve no comando das transmissões da CBS dos atentados, conversou com Letterman sobre a crise americana e sobre o trabalho de buscas a possíveis sobreviventes nos escombros do World Trade Center, mas não conseguiu conter as lágrimas ao recordar a tragédia.
Depois de um intervalo comercial, Rather, lutando contra as lágrimas, segurou as mãos do apresentador e disse:
– Me pagam para não mostrar minhas emoções. Peço desculpas – disse Rather.
Minutos depois, ele voltou a ficar emocionado, chorando pela segunda vez, ao tentar recitar um verso de ?America is beautiful?.
Letterman, também abalado, consolou o colega:
– Você é um profissional, mas, por Deus, é também um ser humano – disse ele."
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"Videofones revolucionam transmissões", copyright O Globo, 19/09/01
"Uma nova tecnologia está revolucionando a cobertura de guerra pela televisão: o videofone. Se durante a Guerra do Golfo o mundo assistiu, incrédulo, à cobertura ao vivo de Peter Arnett para a CNN dos bombardeios americanos no Iraque, hoje as transmissões em tempo real são mais ágeis e têm qualidade de imagem muito superior. Diferentemente do que era feito no Iraque, onde equipes inteiras se esgueiravam pelas ruas para filmar, hoje um jornalista é capaz de fazer toda a reportagem, transportando o equipamento numa maleta.
O videofone é um equipamento que integra câmera de vídeo a um telefone celular, capaz de enviar imagens de alta definição, de qualquer lugar do mundo, via satélite. A rede CNN está usando o aparelho ?Talking Head?, da empresa inglesa 7E Communications. Em entrevista ao GLOBO, Nic Robertson, correspondente da CNN no Afeganistão, destacou as qualidades do equipamento que está usando:
– Ele põe você no coração da história e permite transmissão ao vivo em minutos, seguindo as mudanças na história sem ter que voltar à base – disse. – Aqui em Cabul podemos abrir a antena do satélite e a caixa do videofone, conectar a câmera e transmitir as imagens. Na viagem feita através do Afeganistão, toneladas a menos de equipamentos permitem que escapemos de apreensão pelos talibãs – disse o repórter.
A CNN foi a primeira a usar o videofone na TV: no episódio da ilha de Hainan, em março deste ano, quando a China manteve a tripulação de um avião americano detida por 11 dias. A CNN cobriu a libertação dos reféns com o videofone, o que foi considerado um divisor de águas para o telejornalismo.
Segundo Paulo Breitenvieser, da Cisco, empresa responsável pelo tráfego de informações nos computadores da CNN, o uso do aparelho pela mídia já repercute no mercado:
– Depois dos ataques aos EUA, as ações de empresas de videofone subiram muito – disse ele."