Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Torcida contra a Folha

MÍDIA ESPORTIVA

Antonio Carlos Teixeira (*)

Ao menor sinal de que pode estar sendo lesado em seus direitos, o torcedor brasileiro se armar contra o que julga errado, até porque o Estatuto do Torcedor, em vigor desde maio deste ano, é aliado dos mais fortes. Embora inclua um código que aponta os direitos e os deveres de quem vai a um jogo de futebol, o torcedor ainda não se sente totalmente protegido. O estatuto contém falhas. Não há, por exemplo, um artigo sequer que o proteja de erros e desvios da mídia esportiva, tema, aliás, discutido em edições anteriores deste Observatório.

A disputa, desta vez, coloca frente a frente a torcida do Santos Futebol Clube e a Folha de S.Paulo. O jornal publicou na semana passada matéria anunciando que o time de Diego e Robinho teria escalado o meia Jerry irregularmente em algumas partidas do Campeonato Brasileiro de 2003. A notícia caiu como uma bomba sobre o clube da Vila Belmiro, ao mesmo tempo em que abriu a possibilidade de Ponte Preta, Fluminense e Vasco da Gama, times que ocupam as últimas posições na competição, ganharem no tapetão os pontos perdidos em campo.

Mas a polêmica entre santistas e Folha não está na notícia em si, mas na forma como a reportagem foi apurada, escrita e editada. Choveram mensagens nas caixas postais do editor de Esportes e do ombudsman da Folha, muitas das quais com ameaças de cancelamento de assinatura do jornal e do provedor UOL. Tudo porque o jornal afirmou, incontinenti, que Jerry fora escalado de maneira irregular. Antes mesmo que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF ) e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) ? entidades que, frise-se, não merecem o menor respeito ? se pronunciassem, a Folha deu a sentença para o caso.

Ocorre que a diretoria do Santos garantiu, em nota, que não fez novo contrato, e sim que alterou o artigo que trata do salário do jogador. Note-se que, por si só, o assunto é polêmico, entregue a juristas e advogados especializados na área desportiva.

Confusa liberdade

Mas o jornal foi arrogante. Preferiu condenar o clube paulista. E aí é que, a meu ver, surge o erro de enfoque da reportagem e, conseqüentemente, a revolta dos torcedores santistas. Em nenhum momento a Folha usou "pode" ou "deve", palavras que recomendam cautela do jornalista no momento de relatar uma situação não-esclarecida. O jornal preferiu decidir a pendenga: o Santos perderá 10 pontos por usar um jogador de forma irregular. Na suíte, os repórteres mantiveram a postura de insolvência do dia anterior, desprezando, outra vez, a intenção de apenas informar. O jornal tinha que condenar o Santos para legitimar a informação duvidosa. Era inevitável. E condenou.

A Folha tinha tão-somente uma denúncia, baseada em "supostas irregularidades", a publicar. Nada além disso. Recomenda-se, nesses casos, o uso de expressões que permitam a dúvida, estando a certeza a cargo de instâncias oficiais. E se a Justiça Desportiva entender que o Santos não usou o jogador irregularmente? Como ficará a situação do jornal que afirmou o contrário, sem manifestar dúvida, abrindo polêmica desnecessária do ponto de vista jornalístico?

Os torcedores têm suas razões quando enviam mensagens com críticas ao método (nada jornalístico, diga-se de passagem) do jornal, que descobriu as irregularidades, julgou-as e condenou os envolvidos. Quem leu as matérias da Folha não teve dúvida: o jogador Jerry estava em situação irregular quando atuou nas partidas em questão. O jornal desviou-se de sua função: a de informar. O caso nem precisa ser levado ao exame da Justiça. A Folha tomou a si o papel de julgador, sentenciando a culpa do Santos.

Liberdade de imprensa talvez seja um conceito que, inegavelmente, ainda confunda a mídia.

Em tempo: Este texto já tinha sido enviado à redação do OI quando, no domingo (17/8), tardiamente, a Folha trouxe matéria com a opinião de especialistas em direito esportivo.

(*) Jornalista em Brasília