SEQÜESTRO & AUTOCENSURA
Alberto Dines
No sábado (19/1), todas as rádios e emissoras de TV de São Paulo estavam noticiando livremente o seqüestro do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, ocorrido por volta das 23 horas do dia anterior, na capital paulista. A autocensura e o embargo voluntário não poderiam deter a avalanche de informações que envolviam os governos federal e estadual e o principal partido da oposição, o PT . Manter a cortina de silêncio comprometeria o noticiário político e impediria que a sociedade pudesse avaliar uma crise sem precedentes.
No domingo, os jornalões paulistas que haviam adotado a linha da autocensura no caso de seqüestros capitularam ante a importância da informação. Pragmático e objetivo, sem lenga-lengas moralistas, o Estado de S.Paulo entrou em cheio no assunto sem explicar a alteração nos procedimentos. Qualquer justificativa soaria falsa e farisaica ? foi em frente.
Já a Folha, atormentada pelos conflitos existenciais-promocionais de sempre, contorceu-se para apresentar uma duvidosa "autorização" da família do prefeito e assim explicar a reviravolta.
Considerando a explicação inconvincente, dia seguinte, segunda-feira (21/1), já com a notícia do brutal assassinato (portanto, seqüestro encerrado), os dominicanos da Folha insistiram na busca da absolvição ? sacaram o "Manual da Redação" e com esta jurisprudência (jamais sancionada pelos leitores) explicaram que a autorização fora dada pelo irmão menor da vítima. Emenda, como sempre, pior do que o soneto:
** Por que não foi revelado o nome do familiar no dia anterior quando o seqüestro estava em curso?
** E se o autor da autorização declarou que "a divulgação pela imprensa mais ajuda do que pode, eventualmente, atrapalhar" como é que ficam os argumentos em favor da autocensura?
As tragédias ? tanto no palco como na vida real ? têm o dom macabro de desnudar a falácia, denunciar o cinismo e desmoralizar o farisaísmo. O assassinato do prefeito Celso Daniel liquida definitivamente o pseudo-humanitarismo da autocensura nos seqüestros.
O publicitário Washington Olivetto está seqüestrado há 43 dias. Esta é uma evidência que está sendo surrupiada da opinião pública. Diante do bárbaro assassinato do prefeito de Santo André, o simples registro deste dado, em cinco linhas, seria o suficiente para manter a população atenta e as autoridades pressionadas. O "Manual" não deixa, é preciso manter as aparências de que a imprensa zela pela segurança e bem-estar da cidadania.
Como nas guerras, a farsa do silêncio nos casos de seqüestro fere principalmente a verdade.