Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Transparência Ltda.

ARTIGO 222

Como cobrir mal o seu próprio negócio
e ganhar um montão de dinheiro com ele

Alberto Dines

Apesar da fartura de páginas nas edições dos diários generalistas, apesar dos seus cadernos semanais, apesar de grandes articulistas – a maior incidência numa redação – e apesar de dois jornais nacionais especializados, a cobertura de Economia & Negócios continua medíocre.

Matérias-primas básicas são as declarações e os releases. A tônica mantém-se no que interessa às empresas e não no interesse público. Não são cobertos os bastidores, não são acompanhadas as grandes disputas (a não ser quando convertidas em ações judiciais), impera o silêncio sobre as implicações das mudanças de controle acionário. Sobretudo: não se explica o que se esconde por trás da notícia.

E quando se trata de noticiário envolvendo a própria mídia, a cobertura é ainda mais constrangida. E constrangedora. Tanto da parte dos "parceiros" como da parte dos concorrentes. Um rígido pacto estabelece uma cortina de fumaça que torna obscuros e nebulosos todos os negócios envolvendo as empresas de mídia.

Exemplo mais recente foi a parceria da Portugal Telecom (PT) com a Folhapar, holding do grupo que controla o UOL, a Folha de S.Paulo e outros veículos, numa complicada operação de compra e venda de controles anunciada com algum destaque mas nenhuma profundidade na quinta-feira, 22/2.

Não há novidade: o Valor (que faz parte do mesmo grupo) já havia anunciado em 13 e 20 de novembro de 2000 que o UOL Inc. (subsidiária americana) reformularia sua estrutura de ações dentro de seis meses. Acabou saindo em três.

O mais importante não foi explicado ou mencionado:

** O UOL é um provedor de conteúdo, empresa jornalística, portanto impedido de ter como acionistas pessoas jurídicas (artigo 222 da Constituição ainda não reformulado).

** A Portugal Telecom, seus acionistas ou executivos não são brasileiros e não podem ser acionistas de uma empresa provedora de conteúdo, portanto jornalística (artigo 222).

** UOL Inc. fará uma oferta de ações na Bolsa de Nova York. É uma empresa americana que opera nos EUA e certamente vai procurar os investidores estrangeiros (o que também é vedado pelo citado artigo).

** O fato de a Telecom Italia ter adquirido 30% do controle da globo.com não justifica a operação dos seus parceiros. Não cria jurisprudência, enquadra-se apenas como precedente de infração.

Mesmo antes desta operação, o UOL Inc. tinha cerca de 8% de seu capital na mão de bancos de investimento (o que também é vedado pelo mesmo artigo), os restantes 92% estavam nas mãos dos grupos Folha e Abril (46% cada).

As matérias publicadas nos veículos parceiros e mesmo "concorrentes" são vagas no tocante à reação da Abril à entrada da Portugal Telecom no UOL. A Abril ficou em desvantagem pois sua participação (no capital total) caiu para 31,5% (no capital votante a Abril ficou com cerca de 22%). A Folha (por intermédio da Folhapar) ficou com 40,4 % (60,1% do capital votante), os ibéricos ficaram com 17,9% e os bancos com 10,1%.

A reação oficial da Abril será conhecida brevemente mas não se esperam respostas agressivas, muito embora as relações entre os grupos Folha e Abril tenham se deteriorado visivelmente. Sobretudo depois que o Grupo Folha torrou em operações pouco sensatas o aporte de capital trazido pelos bancos de investimento.

A Abril segue uma estratégia muito clara: fixar-se no seu core business, negócio principal – revistas impressas e online – onde é hegemônica (as revistas da Editora Globo, com Época à frente, não andam bem das pernas, como sinalizam as fantásticas promoções que oferecem). Dentro de ano e meio termina a exclusividade do UOL para o conteúdo das revistas abrilianas (Veja e Playboy são campeãs de audiência). Então a abril.com começará a apostar em seu próprio portal.

Nesta parte submersa do iceberg convém registrar que o projeto do jornal Valor, que reúne os grupos Folha e Globo (e cujo primeiro aniversário transcorre em 2 de maio), está aquém das estimativas e expectativas iniciais.

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